Last Sheep - Sonhos E Promessas

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Fecundado em Rio do Sul, importante cidade do Vale Europeu Catarinense, no ano de 2021, o quarteto Last Sheep, pouco mais de sete meses após anunciar Pés No Chão E Mente Nas Nuvens, divulga seu novo material. Intitulado Sonhos E Promessas, o recente produto consiste no primeiro EP do grupo.


Rasgada. Trotante. Enérgica. Melódica. Rápida. A introdução já chega como um relâmpago veloz e constante capaz de, em segundos, fazer o ouvinte balançar a cabeça de forma inconsciente e no ritmo da melodia. Enquanto a bateria de Juninho Alvisi soa suja e de som opaco, o uníssono das guitarras de Biel Tmk e Rafa Moda é que salta aos ouvidos pela aspereza contagiante em que monta a estética de um amanhecer imponente e de raspas raivosas. Eis então que uma voz de timbre aveludado e limpo entra em cena. É Tmk mostrando sua faceta vocálica com uma interpretação que mistura desespero e angústia, emoções que, em sincronia, são representadas por uma sonoridade que amadurece com um cunho lacrimal. Com um hardcore que rememora com grande afinco a estética melódica adotada pelo Rise Against, Mentiras Disfarçadas é uma canção que discute a manipulação, mas, principalmente, a relação com o tempo como forma de lidar consigo mesmo, com as próprias mudanças. É uma faixa em que o personagem lírico foge descontroladamente das próprias inseguranças.


Enquanto a guitarra solo surge na superfície com um suspiro choroso, sofrido e melancólico, a guitarra base se mantêm com a aspereza já padronizada em Mentiras Disfarçadas tal como um personagem onipresente que desfila racionalidade ao caos emocional. De temática mais nacionalizada, é possível notar, aqui, influências que vão desde CPM 22 a Dead Fish. Quanda a faixa enfim entra no primeiro verso de ar, o ouvinte se surpreende com o protagonismo do baixo de Anderson Mets. Grave, estridente e com uma precisão que desenha um corpo sisudo, é ele que, junto à guitarra base, que, além de racionalidade, emprega noções de persistência e perseverança. A faixa-título evidencia um personagem na busca do próprio amadurecimento e de melhorias comportamentais que surtirão bem-estar às pessoas de seu ciclo de convívio. É o medo da mudança, é a introspecção como método de autoconhecimento. É o luto do ontem, a fecundação do hoje e o nascimento do amanhã. É a força e a autoestima no ápice de sua atuação na construção de um indivíduo melhor.


Em meio à distorção afinada, aromas florais são sentidos vindos do jardim ao longe. O horizonte é de um Sol de luminosidade e calor brandos que confortam e aconchegam os corações em busca de carinho. Contagiante em sua maciez embriagante, Ela traz uma estética radiofônica que muito bebe da sonoridade hardcore dos anos 2000. De Strike a Drive, as referências se unem em uma nascente melódica que, com uma atmosfera ensolarada, faz de Ela um produto cujo lirismo parece tratar de romance, mas ele possui um cerne mais sombrio. Afinal, a canção trata da chegada da depressão e seus sentimentos correlacionados, como desmotivação e baixa autoestima. Uma faixa que continua acompanhando o personagem em seu processo de autoconhecimento e cujo instrumental atinge seu ápice de sincronia e qualidade sonora.


Com uma melodia adocicada em sua rispidez e de um compasso 4x4 que lhe confere uma cadência midtempo, o presente amanhecer é embebido por uma energia contagiantemente melancólica. Chorosa, Descartáveis é a conformação de que não existe apenas um lado errado em um relacionamento. O fim é um momento alcançado por deslizes em ambas as partes. E é quando se percebe isso que o personagem lírico amadurece as emoções e se educa em entender de que os momentos vividos, por mais que encerrados, serviram para que ele crescesse emocionalmente e se tornasse mais maduro em suas ações. Descartáveis é a relação de um luto indigesto, mas de resultados promissores.


Assim como já vinha fazendo a Repente Records, Sonhos E Promessas surge como mais um material que, além de dar ainda mais representatividade ao hardcore nacional, mostra que o sentimentalismo está fazendo cada vez mais parte da agenda lírica do rock brasileiro. Não à toa que o Last Sheep explora, no EP, a relação com o tempo, com o luto e com o processo do autoconhecimento.


E é com interpretações chorosas, angustiantes e, de certa forma, até mesmo viscerais, que o quarteto catarinense propõe a atenção para sentimentos que muitas vezes são negados e reprimidos socialmente, como a depressão, a baixa autoestima e a autodesvalorização. É quase como um recorte de saúde mental.


Nesse processo, o Last Sheep firmou uma parceria com Ali Zaher Jr., profissional que, responsável tanto pela mixagem quanto pela produção, fez da mistura hardcore-stoner rock de Sonhos E Promessas soar melódico e sofrido, mas com uma notável crescente de maturidade. Não à toa que é possível identificar as influências dos músicos na construção da identidade sonora do EP, influências essas que vão de CPM 22 ao Metallica, aqui representado por Mets, cujas linhas do baixo trazem muito da consistência de Robert Trujillo.


Fechando o escopo técnico do EP, vem a arte de capa. Criada também por Mets, ela traz uma imagem cuja mensagem que salta aos olhos é o luto. O fundo preto e as nuvens chuvosas traduzir o sofrimento e a dor. Ao mesmo tempo, a água que carrega o barco comunica movimento, ciclo e mudança. Por sua vez, as flores desabrochadas metaforizam o renascimento e a fertilidade. Ou seja, é o movimento seguido pelo próprio personagem lírico: o autoconhecimento para saber onde e como se melhorar.


Lançado em 27 de abril de 2023 de maneira independente, Sonhos E Promessas é a porta se abrindo para discutir os sentimentos e a saúde mental também no campo do hardcore nacional. Melódico e sofrido, mas também inspirador, o EP mostra a trajetória de um personagem embebido em melancolia em busca da melhoria de sua própria essência comportamental.










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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.