Metallica - 72 Seasons

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Responsável pelo segundo maior hiato entre lançamentos de estúdio do quarteto thrasher californiano Metallica. Foi sete anos entre ele e seu antecessor. Antes, os oito anos que dividiram Death Magnetic e Hardwired… To Self-Destruct, correspondiam pelo única grande pausa entre trabalhos de estúdio. Porém, 72 Seasons quebrou essa solidão e chegou para suceder Hardwired, marcando, inclusive, o terceiro material de estúdio com a presença de Robert Trujillo no baixo.


O ambiente entra em ebulição, como se sua energia comunicasse um ápice explosivo. Provocativa e excitante, a guitarra base assume um compasso linear que muito lembra aquele executado por Taboo na introdução de Pomp It, single do The Black Eyed Peas. Ao seu lado, Lars Ulrich entra com um chimbal aberto e bastante sujo que entrega toques de aspereza reforçadas pelos rompantes rasgados da guitarra de Kirk Hammett. Rob Trujillo se insere nessa composição quando o uníssono instrumental promove sonares trovejantes. O baixo aqui é quem, com sua estridência grave, entregas precisão e repentes de sombriedade. Assim, a introdução cria um cenário enigmático, mas cheio de suspense e sinais de urgência. A partir de relâmpagos uníssonos, a faixa-título enfim encontra a abertura necessária para fazer fluir livremente seu thrash metal acelerado e cheio de dopamina. De certa maneira, é até possível de visualizar uma semelhança entre o movimento sonante da guitarra no início do primeiro verso com aquele executado em Moth Into Flame, single do próprio grupo. Ainda assim, a presente canção oferece grande grau de excitação a partir de sua notável precisão hard rock-metalizada que se mistura com a essência thrash. Com um drive igualmente preciso e de boa sustentação, James Hetfield insere o elemento restante: o conteúdo lírico. Entre raiva e angústia, o vocalista dialoga sobre a associação entre passado e arrependimentos, bem como a relação do cantor com o vício. Eletrizante na raiva que sente de si, existe aqui uma reflexão sobre os momentos não vividos em vista da dependência, bem como o enfrentamento da abstinência. A faixa-título é simplesmente um relato visceral, autobiográfico, psicótico, angustiante e entorpecente das recentes experiências vivenciadas pelo frontman do Metallica


Grave, áspero, intimidador. Guitarras e bateria parecem iniciar uma disputa para ver quem soa mais amedrontador e perigoso, tal como um ser onipresente sínico pronto para manipular sua presa. Crescendo gradativamente em andamento e corpo, Shadows Follow mantém seu viés sombrio enquanto dá vazão para uma melodia que, assim como aconteceu na faixa-título, apresenta uma semelhante base com aquela de Moth Into Flame. Ainda assim, o baixo ácido que se destaca na segunda metade da introdução consegue inserir toques ligeiramente mais tenebrosos a um enredo ainda não anunciado verbalmente. Com uma rouquidão mais acentuada, Hetfield entra em cena com uma interpretação imponente e combativa que narra o desespero de um indivíduo que vive a mercê de seus pensamentos negativistas. Um indivíduo que tenta fugir de seus próprios instintos autodestrutivos com visível angústia. Um indivíduo que não pode se dar ao luxo de parar de tentar se melhorar, pois na primeira brecha, sua própria mente pode empurrá-lo para o mesmo ponto sombrio onde já esteve.


Uma explosiva, sexy, perigosa e precisa melodia nasce a partir do uníssono entre os riffs das guitarras e os punchs estridentes da bateria. Surpreendentemente, o que se tem aqui vai longe do thrash metal e mergulha fundo no universo do hard rock. Com riffs sensuais e provocantes, a introdução é agraciada por uma subdivisão glam que, a partir da sinergia entre as guitarras de Hatfield e Hammet, muito lembra o tom denotativamente sexual das canções do Steel Panther. Transitando por ambientes de um hard rock mais oitentista, o Metallica mostra sua assinatura melódica a partir do típico sonar oco, seco e propulsante com que Ulrich executa seus pedais duplos. Enérgica e com Trujillo trazendo um baixo grave cristalinamente audível, que dá um corpo metalizado e preciso à melodia, Screaming Suicide traz Hatfield com uma interpretação lírica angustiante através de seu drive bem executado Com toques de raiva, Screaming Suicide é, curiosamente, uma canção de cunho amplamente motivacional que surge para levantar os ânimos, a autoconfiança e, principalmente, de esperança. Não à toa que os versos que melhor a definem são “whisper in your ears: ‘you are good enough’ throwing down a rope, a lifeline of hope” e “never give you up” Um single potente, melódico e cuja ambiência sai levemente da zona de conforto da ‘sonoridade Metallica’, Screaming Suicide é uma canção contra o ato do suicídio. Uma canção que, acima de tudo, instiga a esperança.


Um swing curioso emerge da união entre baixo e bateria. Enquanto isso, a guitarra base entra com um riff azedo e bocejante que consegue, em suas poucas notas, rememorar a estética melódica de Confusion, outra faixa do quarteto californiano. Depois que o Sol consegue se desvencilhar da silhueta das colinas e mostra toda sua luz, o que se segue é uma sonoridade explosiva em seu midtempo agressivo. É assim que Sleepwalk My Life Way, outra música que, assim como a faixa-título, descreve a luta contra o vício sob a ótica de um sonho em que o amanhecer do novo dia representa mais uma oportunidade de refazer os mesmos erros, algo que, claramente, causa intensa agonia no personagem lírico.


Novamente, é percebida a presença de swing, mas aqui uma espécie de swing coagido. Um swing que claramente existe, mas é calado e amordaçado por criaturas onipresentes que dão vida aos conceitos de agressão e sombriedade. Flertando ligeiramente com o metalcore, a quentura lenta e carniceira da melodia de You Must Burn!, uma música de enredo, no mínimo, inquietante. Afinal, é aqui que ocorre a máxima atitude da autopunição incendiada por uma mente desolada que, frequentemente, enfrenta a manipulação de seus instintos destrutivos para ter momentos de lucidez. Existe tanta ardência e raiva de si mesmo que é como se You Must Burn! não apenas fizesse queimar o culpado, mas fazer dele escorrerem lágrimas de sangue pela ausência do perdão.


Explosões e fervor. Diversos tons de vermelho pairam a escuridão como relâmpagos cortando o silêncio noturno. Enquanto a bateria de Ulrich surge como tiros sequenciais e cadenciados de metralhadora, guitarras e baixo vão criando uma atmosfera de rispidez gradativamente elevada. Na segunda metade da introdução, com um heavy metal mais aflorado, os bumbos precisos e sequenciais vão inserindo mais pressão enquanto a melodia assume contornos de uma jam session com um swing sensual provocante. O uníssono entre Hetfield e Hammet ilustra uma sincronia de base inquebrável cuja sonoridade recria aquela da New Wave Of British Heavy Metal. Com traços gritantes de Iron Maiden podendo ser percebidos nas frases das guitarras, Lux Æterna traz Hetfield em plena forma vocal, com seu drive típico e bem afinado. Curioso é notar que não somente a melodia recicla o movimento da NWOBHM, mas também o lirismo. Lux Æterna é uma canção que traz sentimentos latentes e necessitados de união, uma representação perfeita das cicatrizes da era Covid-19. A vontade pela vida, a intensidade, a energia e a união entre pessoas surgem como forças que expulsam o demônio da desarmonização social. Com isso, Lux Æterna se torna um tipo de hino de uma nova era, um momento de prazer pela vida e pela felicidade em prol da interação. A união faz a força. E a força vem firme com a sonoridade de Lux Æterna.


Depois de explosões trovejantes, o ouvinte é capturado por uma sonoridade hipnótica em suas ondulações lineares. Nesse aspecto, apesar de a guitarra solo também assumir o caráter linear para si, é ela que, com sua sobreposição ante a base sonora, consegue romper o marasmo rítmico durante a introdução. Com estrutura em 4x4 desenhada sobre um tempo mais lento que chega a flertar com a estética doom, Crown Of Barbed Wire mantém, com intensidade, o caráter sombrio enquanto mostra a forma como o indivíduo percebe a relação com seu próprio corpo, com sua própria mente. É como se sentir aprisionado sobre vestes já condicionadas a práticas que sua consciência abomina, mas seus hábitos delas precisam para manter o pulso. O trono é o corpo e a ferrugem, o sangue. Crown Of Barbed Wire é uma metáfora intrigante e insana sobre a falta de controle entre o desejo ante a razão.


There’s no light”, esbraveja o personagem lírico enquanto a melodia sonoriza a presença de um personagem que assume as vestes de sentinela da morte. Enquanto a guitarra solo surge em posturas entorpecidamente agonizantes, a melodia vai se materializando como olhos atentos na degradação psíquica de um indivíduo entregue às práticas de uma medicina sombria. A partir do momento em que a melodia entra em um uníssono levemente acelerado, começa a se perceber os efeitos nocivos de choques e mordaças na tentativa de fazer a pessoa recobrar a consciência. É assim, com uma incitante adrenalina excitante, que Chasing The Light surge com uma proposta longe da negatividade ardentemente pulsante das canções anteriores. Tal qual Screaming Suicide, a presente canção apresenta um cunho motivacional que, a partir da tentativa de retomada de consciência descrita pela melodia introdutória, mostra um indivíduo na tentativa de alcançar a redenção, de superar seus conflitos interiores e de, enfim, alcançar a plenitude do bem-estar com a vida, mas, principalmente, consigo mesmo. É curioso como em Chasing The Light Hetfield se coloca como um garoto. É com tal sensibilidade que o vocalista expressa seu cerne puro e ingênuo que precisa humildemente, mas com notável súplica, de auxílios reais para conseguir enfrentar seus desafios internos. De fato, uma faixa comovente e reveladora.


Como tiros de metralhadora, a bateria surge tal qual uma ameaça onipresente, mas capaz de já deixar o ouvinte em alerta. Entre as ligeiras pausas ocasionadas pelo bumbo seco, uma atmosfera áspera e azeda começa a se criar. A agressividade vai abrindo seus olhos em espreguiçadeiras cínicas. Enquanto as guitarras se dividem entre estados de cansaço extremo que chegam a quase impedir seus pedidos de súplica e um tom obscuro tal como a personificação sonora de um obsessor, o sombrio começa a tomar corpo com a entrada do baixo estridente na base rítmica. Após uma entrada explosiva, a angústia visceral e um ambiante umbralino contaminam o imaginário do espectador. É assim, com uma melodia estruturada, assim como ocorreu em Sleepwalk My Life Away, sob o mesmo desenho de Confusion, canção do Metallica vinda do antecessor de 72 Seasons, que If Darkness Had A Son se pronuncia. Curiosamente dando seguimento ao tom introspectivo e reflexivo já latente no álbum, a faixa é mais uma representação lancinante da luta contra o desejo em prol da consciência. O vício, seja ele sobre qual for o objeto de vontade, esconde ao mesmo tempo em que desperta a fragilidade adormecida, a insegurança. O medo. E o filho da escuridão é aquele que se vê na tristeza, manipulando suas próprias emoções e temendo enfrentar o alvorecer do novo dia. 


Retomando o caráter linear alcançado em Crown Of Barbed Wire, a presente melodia vem com a diferença de soar sorrateiramente mais áspera. Fluindo para uma segunda metade introdutória excitante em sua leve aceleração, a canção dá vasão para um personagem de sorriso sínico que se questiona se está indo longe demais. Too Far Gone é onde o personagem lírico assume o desespero e a angústia, mas ao mesmo tempo é aqui em que ele se rende às velhas práticas. A manipulação medicamentosa para a instantânea e vaga sensação de bem-estar. O desejo pela solidão em associação à controversa necessidade da companhia do outro. O outro, a metáfora do apoio para a superação. Too Far Gone é, assim como foi em Chasing The Light, a descrição da inquietação emocional de um indivíduo que chegou ao seu limite e que, em sua profunda ingenuidade, precisa de apoio para conseguir superar seus demônios.


De horizonte com viés progressivo e psicodélico, a introdução é repleta de quebras rítmicas e experimentações de diferentes ambientes sensoriais. Apesar de seu tempo rítmico quase ser lento, o amanhecer da composição surpreende ao, depois de sons trovejantes, fluir para uma roupagem acelerada em seu caráter thrash-hardcore. Uma levada trotante, agressiva e grave fez com que Room Of Mirrors é, surpreendentemente, como um devaneio de Hetfield sobre o que viria a ser 72 Seasons: o dessecamento de si mesmo. Dúvidas sobre se seria a coisa certa se expor recaem sobre o personagem lírico enquanto ele se coloca frente a frente com sua própria imagem. E ver com clareza o que existe além da paisagem física pode ser uma atitude desafiadora para muitas pessoas, inclusive para o eu-lírico. Em Room Of Mirrors, Hetfield questiona o que seus fãs e os demais ouvintes que poderiam se sentir atraídos a ouvir o novo material do Metallica lhe diriam. O apoiariam? O julgariam? Essa é a dúvida que permeia pela sua mente enquanto se analisa profundamente. 


Explosiva, azeda e nebulosa. Embriagante e tão hipnótica quanto Crown Of Barbed Wire. Sua melodia é dissonante e caótica até a segunda metade da introdução, uma sequência linear que se estende por vários segundos sem mudar sua estrutura. Quando o primeiro verso se anuncia, a guitarra solo faz algumas rápidas valsas que se assemelham com a melodia criada por Lenny Kravitz em seu single Are You Gonna Go My Away?. Aqui, mais até mesmo que o baixo, é a bateria que insere generosas doses de raiva e precisão ao amadurecimento de Inamorata é uma música em que Hetfield expressa sua agonizante vontade de se ver livre do consumismo de seus pensamentos predatórios. O vício pela estagnação em um falso senso de conforto e a assumição de que mente para si e para os outros de que se sente bem são quesitos abordados em doses generosas de transparência.  Inamorata é simplesmente uma dualidade entre um senso honesto e falso de autocomiseração.


É o som da agonia. A voz do desespero. O grito do desabafo. O suspiro do alívio. 72 Seasons é o medo, a insegurança, mas é também, contraditoriamente em sua simultaneidade propositada, coragem. Coragem de se expor, de se mostrar por inteiro e, com isso, descortinar suas fraquezas.


72 Seasons é um álbum que surpreende em sua transparência emocional, um quesito marginalizado pela e na manutenção de uma imagem de extrema racionalidade e brutalidade que tanto se exalta do Metallica. Por essa razão, pode se dizer que este é um álbum que, liricamente, foge dos vieses comumente abordados pelos enredos do grupo, o tornando até mesmo um dos, se não o principal material que o grupo lançou no século XXI.


É verdade, porém, que o Metallica se apoiou na mesma métrica na construção rítmico-melódica de seus 12 novos capítulos. No entanto, a profundidade, a intensidade e a forma como Hetfield dissecou a si mesmo nos lirismos deu a 72 Seasons uma nova paisagem. 


Sonoramente, é um álbum que atende aquilo pelo qual a base de fãs do grupo espera. Liricamente, existe uma exposição cristalina das esferas mais imersivas e até mesmo sombrias do vocalista. Aqui é onde ele confronta seus demônios e onde, tendo em vista essa mesma atitude, se assemelha àquilo que Chester Bennington fez em diversas músicas do Linkin Park: enfrentar seus próprios obstáculos emocionais sem medo de mostrar suas imperfeições.


Nesse ponto é onde se percebe que 72 Seasons é o frequente embate entre morte e vida. É onde Hetfield se coloca constantemente lutando contra a inconsciência do vício e seu negativismo para conseguir acessar a força necessária para se recuperar e superar tais práticas abusivas. Acima de tudo, é impressionante como o vocalista conseguiu, de maneira consciente, se abrir e assumir que é um indivíduo tão carente e frágil quanto uma criança. Um indivíduo que, enfim, percebeu suas lacunas emocionais e se rendeu ao pedido de ajuda para se melhorar.


Para dar peso, consistência e precisão a narrativas tão delicadas, o quarteto teve apoio de três mãos, indo de Jim Monti, Sara Lyn Killion a Greg Fidelman, que assumiu também o papel de produtor ao lado de Ulrich e Hetfield. A partir da sincronia desses profissionais, a mixagem do álbum proporcionou ao ouvinte roupagens maduras e igualmente intensas que, apesar de linearidade muito presente no material, ofertou ambiências que caminharam livremente entre o thrash metal, o hardcore, o metalcore, o doom metal, o hard rock, o glam rock, o heavy metal e o próprio metal.


No âmbito da produção, Fidelman, Hetfield e Ulrich se desafiaram a criar um enredo lírico linear que transmitisse, além de uma história única, uma mensagem. Um alerta sobre o vício, sobre a dependência e sobre o peso que os outros podem exercer no processo de recuperação dos sofrentes. E nisso, 72 Seasons conseguiu adquirir um título de conceitual por abordar apenas uma temática em diversos pontos de vista e profundidade.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa de 72 Seasons. Assinada por David Turner, ela é, acima de tudo, uma obra autoexplicativa. Profunda e cheia de micro-interpretações, ela comunica o renascimento, mas também o luto em relação a uma alma perdida em seus conflitos internos. É como se cada objeto pretejado disposto no cenário representasse os inúmeros julgamentos que alguém que passa por uma situação de dependência sofre. De outro lado, a cor amarelo viva que preenche o plano de fundo junto com o berço no centro, representa o já dito renascimento, a superação de uma luta que, nas entrelinhas do próprio título, durou 18 anos. Uma capa que representa o álbum em todos os seus aspectos.


Lançado em 14 de abril de 2023 via Blackened Recordings, 72 Seasons é um álbum que mostra um indivíduo no outro extremo de Hardwired… To Self-Destruct, um ser humano programado e, principalmente, disposto a se autoajudar. É um material que, de tão profundo, visceral e intenso, é poético na forma como se é permitido sofrer, encarar, aprender e superar os erros que um dia foram negados.





















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.