Eskröta - Atenciosamente, Eskröta

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Depois dos dois materiais de estreia serem anunciados ente 2021 e 2022, a banda Eskröta volta às atividades em estúdio e lançam o sucessor de Cenas Brutais. Intitulado Atenciosamente, Eskröta, o material consiste no segundo álbum de estúdio da discografia do grupo.


O coração está acelerado. Todos os poros corporais transpiram. A pupila se encontra completamente dilatada e a mente atenta ao mínimo de vulto que se forma no horizonte. Com respiração ofegante, a fuga do perigo é urgente, imediata. Antes mesmo que se possa encontrar uma fresta de ar fresco, a aspereza, o azedume e o sal tomam conta do ambiente a partir de um punch rítmico uníssono. Enquanto isso, uma voz gutural, rasgada e de fundo sereno surge no cenário, rompendo seu silêncio desconfortável. É Yasmin Amaral colocando rebeldia, empoderamento, mas também limites a uma situação extrema que é regida por compasso desesperado e explosivo desenhado pela bateria de Jhon França. Entre sincronias com a distorção levemente trotante da guitarra, Cena Tóxica apresenta um lirismo que representa o cansaço em relação a uma repressão moralista regida por uma cega necessidade de homogeneidade social. E é nesse processo de levante imponente e quase irracional que o thrash metal se funde a noções do hardcore e até mesmo death metal na tentativa de chamar atenção para a absurdez do preconceito, da injúria e da falsidade. Um enredo que busca, simplesmente, por um senso igualitário de liberdade.


Apesar do grave da guitarra, a forma trotante com que ela se movimenta, trotante e com rompantes de uma maciez embrionária, em união à bateria suja em seu compasso 4x4 faz da introdução um momento contagiante. Rasgada e trovejante, a guitarra é o instrumento que, inclusive, comunica ao ouvinte uma imersão ainda mais cristalina no thrash metal do que aquela perceptível em Cena Tóxica. Com uma interpretação de teor ainda mais pasmo, Yasmin discute, em Fila De Osso, a fome, o desemprego e o descaso do governo em relação à parcela humilde da população a partir de uma roupagem explosiva e, curiosamente, mais melódica do que a da canção anterior. Aqui, inclusive, a bateria de França soa mais audível e, paralelamente à sua interpretação suja, mais limpa e clara.


Imerso em um hipnótico e melódica melodia sincrônica entre guitarra e bateria, o ouvinte logo é trazido à racionalidade com a voz rasgada e quase gutural de Yasmin que, surpreendentemente, é acompanhada por um vocal masculino igualmente rasgado. É Milton Aguiar dando mais visceralidade a Pertencer E Conquistar, uma canção que trata, como o nome sugere, da falta de pertencimento e acolhimento, do desolamento. Porém, a personagem da canção não se deixa levar pela exclusão e luta para conquistar seu lugar, seu espaço e, principalmente, sua inclusão.


De teor mais sombrio e mantendo o death metal na receita sonora que vem sendo comunicada desde Cena Tóxica, o presente amanhecer é repleto de bumbos sequenciais e frases explosivas que dão peso a uma paisagem enigmaticamente trevosa. Curiosa e surpreendentemente, Fantasmas é uma música de análise psicológica que discute a falta de empatia e interdependência, além da baixa autoestima e da autodesvalorização. Ainda assim, através de uma imersão na consciência, o personagem de Fantasmas conseguiu entrar em uma guinada positiva em busca da autoridade e autonomia. A independência da insegurança.


Não há discussão de que Atenciosamente, Eskröta é thrash metal, mas o amanhecer de Parece Fácil surpreende oferece uma roupagem de cunho mais pop. Continuando com guitarra rasgada e uma bateria explosiva, a canção funde elementos dos já citados thrash metal e hardcore com noções do pop punk. Parece Fácil ensina o ouvinte e o indivíduo no geral a ter orgulho de si, de sua imagem, de sua essência. É assim que a presente faixa se torna um perfeito antagonismo ante a primeira parte de Fantasmas.


O grave é intenso. A densidade e o sombrio entram em uma gramatura igualmente generosa. Esse detalhe é possível graças ao baixo de Tamyris Leopoldo que, enfim, é ouvido com clareza pelo ouvinte. De teor caótico quase mórbido, a presente faixa traz a fusão do metal alternativo na receita de base áspera e azeda. Se Parece Fácil foi tida como a antítese de Fantasmas, Instagramável tem a mesma postura ao serem comparadas. Afinal, enquanto a primeira estimulava um senso de autoestima, na segunda, mergulhada em uma densa crítica social, a Eskröta mostra o contrário. Com um groove punk e uma análise do comportamento hiperconectado e ‘vitrinesco’ das relações sociais. Da inveja ao conceito de sociedade líquida, Instagramável é completada por frases de um azedume ardente que, na forma de death metal, ajuda ao trio expressar sua indignação frente ao conceito de perfeccionismo fútil


Rasgado, trovejante e de saltos cardíacos. A introdução é raivosa assim como a canção. Incansável, inconstante e regida por uma absurdez evidente, Combater Seus Atos convida o ouvinte a rever o passado de uma população hipnotizada por um senso cego e desmedido de preconceitos e sensos desnecessários de personalismo. Como a música mais política de Atenciosamente, Eskröta, Combater Seus Atos tem uma base acelerada e frases de efeito proporcionados pelo backing vocal de Tamyris, quem entrega lapsos melódicos em meio à raiva inconsciente e uterina.


Voltando com o hardcore de maneira afiada, a canção vem acompanhadas de trovões que queimam a normalidade escura de um céu noturno. Com um gutural linear, áspero e consistente, Yasmin convida o ouvinte a entrar em um ambiente com flertes interessantes no metalcore. Seguindo a mesma estrutura de Combater Seus Atos, em que Tamyris oferece as frestas de luz branda a partir de um torpor melódico, Homem É Assim Mesmo, guardadas as devidas proporções, tem o mesmo intuito de Parece Fácil, mas aqui com o acréscimo de ser direcionado exclusivamente ao público feminino. Quase como uma Avril Lavigne mais violenta ou uma Miley Cyrus roqueira, Homem É Assim Mesmo chega com a tarefa de valorizar o empoderamento e a figura feminina. Questionando e criticando o machismo e o sexismo, a faixa traz um senso de cansaço e impaciência frente a um comportamento que, dia após dia, perde adeptos e, com isso, vai sendo ridicularizado por quem ainda o realiza e se tornando obsoleto.


O início é áspero e truncado, assim como muitas das frases melódicas típicas do Metallica. Com um rugido que ecoa por uma floresta temperada mergulhada na escuridão da noite, Mosh Feminista segue o mesmo intuito de Homem É Assim Mesmo ao enaltecer a figura feminina. Mais do que qualquer coisa, a faixa surge como uma súplica pela igualdade e pelo respeito mútuo. 


Um álbum rápido como um relâmpago. Áspero como uma lâmina cortante. Intenso como um coração pulsante e emocional. Atenciosamente, Eskröta é um material que traz o interior paulista novamente para a rota do rock brasileiro com um conteúdo crítico que mistura reflexões sociais, inquietações e um escancarado rechaço às culturas sexistas e machistas que ainda regem parte da população brasileira.


Com um desejo cristalino por igualdade e respeito, o álbum traz a sede ensandecida do grupo em defender, favorecer e incentivar o público feminino a não vender sua essência em prol da vontade de uma minoria. E com esse papel de mostrar que, sim, as mulheres têm poder, o Eskröta não apenas se alia às já citadas Avril e Miley, mas também à Lizzo, Katy Perry, Beyoncé e tantas outras figuras femininas que, ao seu modo, defendem a causa feminista na música.


Nesse intuito, o Eskröta se aliou, na mixagem, a Danilo Souza e Fernando Uehara, nomes marcados pela realização da mesma tarefa em Existência, trabalho do Bayside Kings. Já com conhecimento na cena underground do hardcore nacional, os profissionais ousaram em tornar nítido ao ouvinte também nuances que transitaram entre punk, pop punk, death metal, metalcore e o thrash metal, subgênero norteador para a esmagadora parte das bases melódicas. 


No quesito de melodia, ainda, é importante apontar a grande contribuição dos backings de Tamyris na suavização do azedume intenso. Sua voz limpa e suave, mesmo que trazendo frases de impacto, dava um ligeiro limiar de tranquilidade sem tirar a consciência da urgência e da seriedade dos temas abordados.


Difícil, ou talvez não, será encontrar um substituto para França, que deixou a banda. Reproduzir sua intensidade e precisão de forma a deixar o som potente e sujo será um grande desafio para o próximo integrante a fazer das baquetas sua voz. Porém, pela seriedade que o grupo comunica, tal profissional será encontrado e, além de honrar a estadia de França, dará muito de si para contribuir aos próximos trabalhos do Eskröta.


A produção, assinada também por Yasmin, oferta originalidade e um grande senso de pertencimento, uma vez que ela também é parte do corpo sonoro de Atenciosamente, Eskröta. Por isso, é possível perceber raiva, ódio, inconstância, intensidade, absurdez, críticas e gritos de basta por todo um conteúdo que, essencialmente, busca por um lugar melhor. Um dos pontos de maior originalidade, no entanto, está no sotaque interiorano paulista da vocalista. Seus erres puxados dão força e autenticidade para um material que transpira revolução.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Hueller Figueiredo, ela é adornada por um fundo preto cheio de rabiscos brancos enquanto, no centro, um círculo adorna a figura de uma pessoa vestida com uma máscara protetora de gás escrevendo. Tal cenário é a mistura da violência generalizada e do acordo de paz, da sujeira e da limpeza. Do tóxico com o sensível,


Lançado em 20 de abril de 2023 de maneira independente, Atenciosamente, Eskröta é um trabalho bruto, áspero, sujo e intenso. Para muitos, um produto difícil de ouvir por parecer dissonante. Mas é o tom da aparência dissonante que encarna e representa o levante social proposto pela Eskröta, uma banda que, no presente trabalho, lutou contra o preconceito, o machismo, o sexismo e a fome. O presente álbum é como uma carta cheia de desejos de melhorias sociais finalizada com seu título: Atenciosamente, Eskröta.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.