Somos Rock Festival

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O dia estava claro. O céu azul e uma temperatura beirando os 29ºC mesmo antes das 13h já mostravam que a tarde seria agradável. Dentro do Anhembi, o público se dispersava entre as lojas de conveniência, as fotos em locais montados para tal finalidade, corridas insanas para ficar perto da grade e uma caminhada contemplativa pela amplitude do sambódromo que abrigava o Somos Rock Festival.


Mesmo com bastante gargalo nos três setores, ao fundo e em um dos palcos a Plebe Rude abria o Somos Rock Festival com seu show punk rock. Ainda com a plateia em processo de despertar, o grupo brasiliense conseguiu arrancar uma participação mais ávida somente em sua música de fechamento, a icônica Até Quando Esperar. Nem mesmo os gestos de ordem, as poses quase anárquicas e o rosto majoritariamente franzido de Clemente Nascimento conseguiram promover maior interação durante o setlist.


Saindo do palco 1, exatamente às 13h o Ira! subia no palco 2. Apresentando um setlist repleto de sucessos como Bebendo Vinho, Flerte Fatal, Vida Passageira e Tarde Vazia, a dupla icônica Edgar Scandurra e Nasi, mesmo já apresentando sinais da idade tanto em performance quanto em postura de palco, mostraram ainda ter química e conseguir atrair grande parte da plateia. Com um público formado por um misto de Geração Y e Z, o Ira! conseguiu unir ambas as linhagens em uma só voz durante sucessos como Envelheço Na Cidade, a melancólico-nostálgica O Girassol e Eu Quero Sempre Mais, parceria com a Pitty.


A luz do Sol já atingia seu pico fazendo as pessoas transpirarem em seus metros quadrados disputados, mas sem empurra-empurra. Isso porque, para muitos, era o momento de respiro. Ao redor, era como se houvesse um ola inverso. Afinal, de súbito grandes espaços eram formados onde antes haviam cabeças e olhares atentos ao palco. A resposta disso era a atração que seguiria com a programação. O Engrennagem é um grupo de rock independente vindo de Ubatuba que se apoiou na estratégia de um setlist repleto de covers. Como entrada, os ubatubanos executaram a icônica A Cera, single dos cearenses do O Surto, o que fez com que aquelas pessoas sentadas se sentissem instigadas a levantar e a dar tímidos pulos no compasso reggae rock da canção. Entre homenagens à Legião Urbana, Renato Russo e canções de nomes que vão desde Jota Quest a Raimundos, o vocalista Hilário Junior, visivelmente inseguro e tímido, pediu desculpas e licença ao público para pincelar o set com algumas obras autorais. As selecionadas foram Sintonia e as inéditas Prova De Amor e A Vida É Agora. No caso da primeira, ela foi até mesmo dedicada, com emoção, ao próprio filho do cantor. Apesar de poucas, elas mostraram uma identidade que mistura influências de Los Hermanos, Charlie Brown Jr. e Raimundos.


Quando o Sol já começava a se esconder atrás da estrutura dos palcos, Nando Reis ao lado de Os Infernais se posicionaram no front stage e iniciaram um set que, assim como o do Ira!, foi repleto de sucessos. Com o acréscimo da emoção em faixas como Relicário e Por Onde Andei, a performance teve direito a dedicatórias à Cássia Eller na introdução de All Star, mas também contou com uma alegria reavivante durante músicas como Do Seu Lado e Sou Dela, que agitaram e tiraram o público do chão. Com direito à participação do filho Sebastião Reis em metade do show, o set ainda teve direito à nostalgia da era Titãs com Marvin e uma ambiência zen com Luz Dos Olhos.


Já com o céu poente, o público do Somos Rock foi surpreendido por uma união inesperada. A melancólica e independente Supercombo em um mesmo palco que o punk hardcore do Dead Fish. Apesar de ser agraciado com um set acelerado, ríspido e propício para a Mosh, o show teve um problema recorrente e insistente com o microfone de Rodrigo Lima, que ficou inaudível por diversos momentos. Curiosamente, foi durante tal performance que se observou um maior volume de pessoas sentadas ao chão do sambódromo, resultado ou da falta de harmonia com que o som do Dead Fish se apresentava ou simplesmente do cansaço. Tendo cada banda aproximadamente 30 minutos de espaço, o ponto alto se deu somente quando Supercombo introduziu a melodia amaciada, nostálgica e doce de Piloto Automático, sua saideira. Foi somente aí que houve uma participação ativa e visível do público.


Com os últimos resquícios de luz natural, o Biquini Cavadão invade o palco 2. Sem saber muito do que esperar do set, o público foi surpreendido com uma verdadeira festa. Ambos os quatro integrantes se mostraram em perfeita sintonia e com um ânimo genuíno que transpassou o limite do palanque e atingiu em cheio a plateia que cantou junto, pulou e interagiu com o vocalista Bruno Gouveia sempre que este pedia. Entre canções de forte teor emocional como a romântica Quanto Tempo Demora Um Mês, o quarteto carioca trouxe músicas de protesto como Zé Ninguém, que teve a participação assídua das pessoas durante o refrão. Interessante e até surpreendente foi que o grupo também incluiu Múmias em sua lista de músicas a ser apresentada. Com participação de Renato Russo interpretada pelo guitarrista Carlos Coelho, a canção fez surgir um curioso senso de empoderamento e protesto na plateia, que cantou em uníssono o refrão. De performance sorridente e ativa, o Biquini Cavadão ainda apresentou a dramática Camila, a swingada Daniela e outros sucessos como Tédio, Vento Ventania e Timidez. Com direito a outra homenagem a Renato Russo com um cover de Que Pais É Esse?, que contou com a participação assídua do público durante o verso improvisado “é a porra do Brasil” cantado a plenos pulmões, a performance do quarteto carioca foi a primeira do Somos Rock a contar com uma participação orgânica e sincera da plateia, fazendo do show uma verdadeira festa. 


Uma nova banda de Brasília assume o protagonismo no palco 1. Dona de uma história significativa no rock nacional e a única a ter um stand de souvenirs próprios no festival, o Capital Inicial repetiu a fórmula do Biquíni Cavadão e presenteou o público com músicas conhecidas e uma performance de ânimo sincero que nem cabia no sorriso de Dinho Ouro Preto. Verdadeiramente emocionado por diversas vezes, o vocalista agradecia incessantemente a presença dos pagantes e a fazer com que o festival de fato acontecesse. Era nítido ver como a volta aos palcos e o retorno da interação direta do público emocionava o vocalista, que puxava hit atrás de hit. Com direito a homenagens a Renato Russo com o cover de Tempo Perdido que contou, inclusive, com a participação de Nasi, o Capital Inicial montou uma apresentação cuja participação do público foi ininterrupta. Isso se deveu graças à sequência de grandes singles como Primeiros Erros (Chove), O Passageiro, Fátima, Natasha, Não Olhe Pra Trás, Todas As Noites e À Sua Maneira.


Com o céu já escuro da noite e os efeitos luminosos já fazendo o efeito esperado tanto pelo palco quanto no público, um dos shows mais aguardados estava começando. Quem estava sentado se levantou. Quem estava quieto começou a gritar. Celulares eram vistos aos montes nas mãos das pessoas em uma sede insana por fotografar a entrada da banda. Às 19h10, exatamente como mandava o cronograma da organização, subiu ao palco 2 a soteropolitana Pitty. Fazendo um looping da própria carreira, a cantora transitou por músicas de seu início na indústria do entretenimento e outras mais recentes. Entre Equalize, Teto De Vidro, Na Sua Estante, Máscara e Memórias, o set que foi majoritariamente sombrio e de um rock mais denso deu espaço para obras mais amenas como Me Adora e outras mais de protesto político como Roda, cuja gravação contou com a presença do Baiana System. Com sua típica voz madura e grave, Pitty também demonstrou em alguns momentos sinais de cansaço e efeitos da idade, mas não desapontou os fãs, que vibraram a cada nova música apresentada.


Eis então que Bruno Graveto, Marcão Britto, Heitor Gomes, Thiago Castanho e Pinguim, ex-membros do Charlie Brown Jr., invadem o palco 1, ao lado de Egypcio, para um show pertencente à comemoração de 30 anos do grupo de Santos (SP). Com um set rápido e explosivo, os músicos passaram pela velha e pela nova era da banda com direito a canções como Tudo O Que Ela Gosta De Escutar, Proibida Pra Mim, Só Por Uma Noite, Só Os Loucos Sabem e Rubão. Arrancando lágrimas de emoção de Egypcio em meio às recordações e recorrentes homenagens ao lendário vocalista Chorão, o set conseguiu reanimar o público presente desde o início da tarde e funcionou como uma abertura arrebatadora ao show de encerramento da noite.


A noite já estava completa e o público formava córregos entre aqueles que estavam a caminho da saída e os que procuravam um espaço para conferir o show de fechamento do Somos Rock Festival. Às 21h20 em ponto, os ingleses do Dire Straits Legacy pisaram em solo paulistano para um show repleto de psicodelia e recheado de um rock progressivo embriagante. Importante mencionar que, mesmo com seu line up já atingindo a terceira idade, o som foi construído de maneira madura e potente com uma vivacidade notável. De público bem segmentado, o grupo conseguiu entregar um espetáculo de luzes e musicalidade à plateia paulistana que, mesmo sem pular ou gritar, acompanhou cada riff e cada melodia de flertes folks que eram desenhadas durante o set.



O Somos Rock Festival veio para prestigiar o rock nacional. Não veio com a proposta de rivalizar com o João Rock até porque seria uma covardia. Mas pode se dizer que ele serviu como um esquenta para o evento de Ribeirão Preto. Afinal, ele tirou a teia da garganta das pessoas ávidas por desestressar com gritos, pulos, rodas punks e hinos de ordem.


Com um line up de boa mistura entre dinossauros do rock nacional e a nova leva de defensores do gênero, o festival abraçou os mais velhos e também agradou os mais jovens, ambas as gerações unidas por um único interesse em comum: o rock.


É verdade que o festival foi palco de uma verdadeira dança das cadeiras até a solidificação do line up. Jota Quest havia sido escalado, mas não confirmado. Paula Toller e Os Paralamas do Sucesso foram retirados da lista de apresentações já na semana do evento resultado da contração de Covd-19 por parte de seus integrantes.


Ainda assim, o festival aconteceu e entregou um evento para ser lembrado com nostalgia e alegria. O Somos Rock Festival não impressionou só pela organização e pontualidade das apresentações, mas chamou atenção também pela entrega dos próprios músicos, que fizeram espetáculos a parte. 


Somos Rock Festival: um evento em que todas as angústias, as mágoas, as tensões não tiveram ingresso. Um evento que a alegria, a excitação e a ânsia pelo reencontro tiveram entradas gratuitas.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.