Rise Against - São Paulo 2023

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

As ruas ao redor da Praça da Liberdade estavam movimentadas. Entre o vaivém de carros, as calçadas eram igualmente preenchidas por pedestres que seguiam seus caminhos rotineiros que, em faces de esgotamento, comunicavam, sem nada dizer, que estavam voltando para casa após mais um dia de trabalho e/ ou estudos.


Era uma paisagem urbana normal para o fim de tarde daquilo que parecia ser mais uma quarta-feira fora do calendário. Com seu clima fresco atingindo os 22ºC informados pelos termômetros metropolitanos, o dia 22/03 estava aquém de acabar. Pelo menos para uma parcela de pessoas.


Um pouco mais afrente de uma das entradas do metrô Liberdade, uma fila já se formava na calçada às 18h31. Quem por ali passava ficava com olhares de curiosidade e desconfiança em entender o motivo daquele princípio de aglomeração que exaltava o logo e as imagens do Rise Against. Pouco depois, vendedores ambulantes começaram a colocar seus tons na paleta de cores dos ali presentes. Montando varais improvisados, eles então começaram a venda de suas confecções, souvenirs para o evento que começaria em breve.


Quanto mais o relógio avançava, mais pessoas ajudavam a preencher as calçadas com diferentes tons de preto. Até que, às 19h28, com pouco menos de meia hora de atraso em comparação com o cronograma previamente passado pela organização, os portões do Cine Joia foram abertos, enxugando a aglomeração criada a partir de sua faxada. 


Lá dentro, as pessoas se dividiam entre a banheira, a loja de souvenirs e o bar. Ainda assim, uma coisa era unânime. Cada um que caminhava pelo espaço ficava com os olhares vidrados no palco em ares analíticos e de pura curiosidade. O feito foi se repercutindo cada vez mais que o relógio avançava e as expectativas de rever o quarteto de Chicago aumentavam.


Statues On Fire


Para minimizar a ansiedade ou simplesmente oferecer um entretenimento introdutório aos pagantes, o Cine Joia recebeu, como abertura, o grupo de Santo André Statues On Fire, que entrou no palco às 19h57.


Ainda que a casa estivesse com gargalos visíveis na plateia, o grupo surpreendeu com uma apresentação melódica fundida a um hardcore de veia notavelmente brasileiro-californiana. E nisso, o mais interessante foi perceber que André Alves, o vocalista, soube lidar com a situação, trazendo todo o público ali presente para si.


Com canções de protesto político-social em tom de ordem, o Statues On Fire fez um set intenso de quarenta minutos. Entre canções como Marielle, No Tomorrow e We Shall Overcome, o grupo, além de presentear os pagantes com a performance das inéditas Tear You Apart e Refuse To Die, conseguiu uma boa e surpreendente receptividade orgânica do público, que entre palmas e pulos, também ousou cantar em coro alguns trechos das canções.


Nesse ponto foi onde morou um problema. Com som mal equalizado, pouco se conseguia interpretar aquilo que o vocalista cantava. Como agravante ou não, o fato das canções terem lirismos em inglês cooperou para a falta de capacidade de interpretação em virtude dos volumes desconexos entre voz e instrumentos. 


Por outro lado, porém, no que se referiu a instrumental, o Statues On Fire entregou um show afiado, afinado e sinérgico. Potente, a apresentação do quarteto valeu pelas melodias intensas e explosivas que, apesar de ter tido boa resposta, não conseguiu uma atenção generalizada do público. 


Ainda assim, a performance, que se encerrou às 20h37 ao som de Flying Boats, a 10ª canção do set, serviu como um bom aquecimento para o show principal da noite, que se iniciaria em alguns minutos.


Enquanto o palco ia sendo remodelado para receber o quarteto de Chicago, pessoas iam e vinham do bar, mas o que chamou a atenção foi o quão rápido a casa lotou. Às 20h46, o Cine Joia estava praticamente tomado por pessoas de olhares orgulhosos por terem adquirido um produto oficial da bancada de merchandising.


Quando a passagem de som se encerrou, às 21h09, os olhares mudaram. Eram uma mistura de adrenalina, angústia, frenesi e curiosidade que fitavam o palco como se ali estivesse uma figura mitológica de tão notória. Talvez, até, um desses fatores pode ter sido o ligeiro atraso da programação.


Rise Against


Não demorou muito mais. Logo, a casa teve as luzes principais apagadas, deixando o palco em um clima de penumbra. Nesse instante, os gritos dissonantes e desconexos já tomavam conta do ambiente. Quando a caixa de som transmitiu um playback de um discurso de George W. Bush, o público já se posicionava pronto para receber a banda principal.


Às 21h10, dez minutos após o tempo de início passado pela organização, o Rise Against subiu ao palco, ovacionado. Sem amenidades ou cumprimentos burocráticos, o quarteto de Chicago, como forma de dizer ‘olá’, puxou Re-Education (Through Labor), a faixa escolhida como abertura dos shows da Nowhere Generation World Tour.


Nesse instante, o Cine Joia ruiu. Quem estava perto do palco, despreocupado, logo ficou atento e de olhos arregalados. Afinal, uma moshpit generalizada tomou conta de grande parte do espaço da plateia, fazendo com que aqueles que dela não quisessem participar fossem levados involuntariamente para perto do bar sob uma temperatura corporal rapidamente aumentada.


A entrega foi tanta que, já em The Violence, a mosh ainda existiu, mas menor e em pontos específicos. Ainda assim, o público não fez feio. Cantou a música inteira e ainda entoou gritos de ordem puxados pelo vocalista. A famosa roda punk se manteve como uma paisagem estrutural do show, aumentando e diminuindo de intensidade entre canções como Architects, House On Fire e Satellite.


Após a performance Help Is On The Way, faixa em que o público já se encontrava fisicamente cansado e cuja participação se manteve apenas à base de palmas e cantos sincronizados, o Rise Against ofereceu um tempo de respiro com Swing Life Away. Enquanto Zach Blair, Joe Principe e Brandon Barnes deixavam o palco, Tim McIlrath pegou o violão, ajeitou o banco no centro do palanque e performou a canção sob temática intimista. Foi então que a harmonia sincrônica entre público e banda atingiu seu ápice, pois os coros eram soaram como uma linha vocal clássica, engrandecendo aquilo que Mcllrath cantava.


Com um desenho de set curioso, após a calmaria de Swing Life Way, Blair, Principe e Barnes retornam ao palco e, juntos a Mcllrath, puxam Give It All. Quebrando brutalmente a suavidade e a calmaria oferecidas a partir da faixa anterior, a presente canção serviu como uma injeção cavalar de adrenalina, promovendo, inclusive, o renascer de moshpits intensas pontuais. Give It All foi ainda responsável por fazer o público pular como um só corpo durante todo o refrão, fazendo o chão do Cine Joia presenciar novos tremores.


Como propaganda de seu novo material de inéditas, o Rise Against optou por apresentar Nowhere Generation, a faixa-título de seu álbum mais recente. Com boa receptividade, a plateia, junto ao cantor, cantou todos os refrões em um coro uníssono, o que mostrou uma surpreendente aprovação popular frente ao novo conteúdo do grupo.

Survive e Prayers Of The Refugee tiveram grandes coros, mas foi apenas na segunda canção que a cantoria foi tão intensa que mal conseguia se ouvir aquilo que estava sendo proferido pelo próprio cantor. Ambas as canções, inclusive, fecharam o set principal, fazendo com que toda a banda se retirasse do palco após as execuções.


Deixando o público ainda com sede e fome por mais música, não demorou mais de cinco minutos para que o Rise Against reassumisse seu posto. E isso foi acontecer após o playback de coro infantil introdutório de Make It Stop, música que deu início ao bis. Dramática, toda a vez que os ‘ooohs’ eram executados no playback, a canção recebia a participação do público em coros vocálicos.


Paper Wings veio em seguida com uma performance mais intensa e explosiva por parte da banda. Porém, como o público se encontrava ainda mais esgotado em relação ao momento em que Help Is On The Way foi apresentada, a faixa conseguiu arrancar coros, mãos chifradas ao alto e palmas generalizadas puxadas pelo vocalista.


Foi em Savior, canção escolhida como saideira de um set de 17 músicas, que uma mudança de chave aconteceu. Oferecendo uma nova reenergização generalizada, a canção foi responsável por fazer o público cantar a plenos pulmões toda a linha lírica, criar novas e maiores moshpits, além de promover coros tão altos que, assim como aconteceu em Prayers Of The Refugee, mal se conseguia ouvir o cantor. Foram os ingredientes necessários para fazer o Cine Joia quase ir ao chão mais uma vez. 


Às 22h42, o side show do Rise Against tinha chegado ao fim. Como um loopíng narrativo-melódico, a performance do quarteto de Chicago teve seu encerramento tão intenso, visceral e explosivo quanto o seu despertar. Não à toa que, a caminho da saída, muitos pagantes caminhavam sem camiseta e pingando de suor.


A performance do grupo realmente surpreendeu as expectativas, tendo resultado no rápido esgotamento dos 1200 ingressos disponíveis para a ocasião. De grande e intensa receptividade, o show fez com que muitos integrantes do público se questionassem sobre a hipótese de o show ter sido realizado na Audio Club.


Com sua capacidade de 3200 pessoas e tendo como base o sold out no show do dia 22/03, de fato é de se pensar que, em um lugar maior como a Audio Club e com mais ingressos disponíveis, o Rise Against conseguiria bater as vendas do hipotético lote de ingressos. Ainda assim, o Cine Joia comportou bem o volume de pessoas ali presentes.


A única coisa que ficou a desejar foi a mesma que também afetou o show do Statues On Fire: a equalização de som. Com volume dos instrumentos bem superior ao do vocal, a sonoridade geral da performance ficou estourada em virtude da potência melódica do Rise Against. Isso dificultou, em muitos momentos, ouvir a voz de Mcllrath com mais clareza e nitidez.


Isso faz perceber que a acústica do Cine Joia não foi feita para receber performances de tal calibre. Talvez bandas menores e de sonoridade mais amena, mas bandas de intensidade, como foi com Statues On Fire e Rise Against, a casa não oferece um tratamento sonoro adequado.


Ainda assim, seis anos depois de sua última passagem pelo Brasil e 12 anos após sua primeira performance solo no país, o Rise Against refaz o feito de um show cheio de ativismo, frases de ordem e engajamento socio-político-ambiental. Em melodia, ele reafirmou sua maestria em fundir potência, intensidade, visceralidade e energia.


Para uma próxima vez, seria aceitável que o grupo não se apresentasse em casas pequenas como o Cine Joia e o Carioca Club, casa responsável por apresentar o público brasileiro à banda. Quem sabe, numa próxima, a produtora os coloque, de fato, na Audio Club ou ousasse arriscar um Espaço Unimed.


A julgar pelo fato de que seus dois shows solos no país tiveram sold out, qualquer aposta de aumentar o público é válida. Por agora, o público fica com adrenalina correndo pelas veias como uma intensa memória do único show solo que o Rise Against realizou no Brasil durante sua Nowhere Generation World Tour. E para quem comprou ingressos para o dia 24/03 do Lollapalooza, a certeza de que ao menos um show bom será assistido é garantida.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.