La'Vella - Elementos

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4 (7 Votos)

O ano de 2021 está sendo repleto de lançamentos no universo fonográfico tanto internacional como nacional. Bandas como Twenty One Pilots, Counting Crows, AFI, Sonora Fantasma, Carbônica e Mopho são apenas alguns exemplos desse cenário fértil. Essa realidade fértil também fez surgir, na cidade de São Paulo, a banda La’Vella, a qual se anuncia no universo do showbiz com Elementos, seu EP de estreia.


Distorção. Sujeira. Aspereza. Pinceladas de raiva são percebidas através de um riff lento, mas cuja ousadia já se percebe. Calcadas na métrica grunge, as linhas proferidas em uníssono por Guilherme Moz e Matheus Lopes entregam peso e precisão para a introdução de Ciclos. Quando ocorre a chegada do primeiro verso, uma voz mole e folgada cuja mistura de sotaques é evidente, preenche a conjuntura melódica com seu tom mediano e agridoce. De certo ponto, o timbre trazido por Lucas Damazio apresenta uma tangibilidade de semelhanças entre aquele trazido por Will e por Vicente Anacleto. Com toques rasgados, Damazio insere pitadas de uma angústia ao retratar um eu-lírico que se mostra à beira da desesperança, da falta de perspectiva ao mesmo tempo em que tenta se convencer da ausência de culpa de situações passadas. No campo melódico, ainda existe uma rudez exacerbada, algo muito característico do stoner rock.


Roger Ceregato é o responsável por puxar a introdução através de uma bateria de repiques sutilmente acelerados. É como um Sol de calor aconchegante e animador. A estrutura que se forma em seguida recria uma atmosfera mista de Los Angeles com Seattle dos anos 80. É melódica e imprime tons de malandragem à roupagem rítmica de Fila de Espera, uma faixa que, acima de tudo, capta inclusive a essência do rock brasileiro oitentista através de similaridades sonoras com Lulu Santos, Blitz e Barão Vermelho. Sobre o lirismo, a faixa parece ser uma continuidade de Ciclos, afinal, traz lamentações e angústias do eu-lírico sobre um passado de vida longe da plenitude e um futuro incerto que, por essa mesma razão, causa medo e insegurança. Mas acima de tudo, o que Fila de Espera deixa em evidência é a rigidez e a autocobrança. A busca desenfreada por uma perfeição que não existe.


Explosiva. Melódica. Uníssona. Enérgica. Essas são algumas das definições que podem facilmente ser atribuídas à introdução de Instinto Compulsivo, uma música que possui um baixo marcante, de linhas fortes, groovadas e presentes. Interpretadas por Ramon Ribamar, elas fazem do instrumento um protagonista que entrega cadência e corpulência à estrutura. Mas mais do que isso. É na presente faixa que fica nítido que o ingrediente stoner é exalado inquestionavelmente pelas influências impressas por Ribamar. Se em Fila de Espera pôde-se notar flertes com a melodia arquitetada pelo Barão Vermelho, aqui esse detalhe se tornou constatação. Afinal, o movimento das subdivisões da faixa apresenta grande similaridade com aquele criado em Amor, Meu Grande Amor. Há ainda imersões no campo do hard rock que denotam um leve swing à canção a partir do solo. De fato, Instinto Compulsivo é uma grande candidata a single de Elementos.


Sem dúvida, Em Busca do Equilíbrio é uma faixa com base stoner. Suja, grave, de movimento mais pausado ela traz uma sonoridade de garagem que, inclusive, é típica do grunge, pai do stoner rock. Esse tom de garagem vem acompanhado de aspereza, distorção e afinação mais grave por parte dos instrumentos de corda. O que ela traduz, apenas com o instrumental introdutório, é um caos intimista sentido pelo eu-lírico. Curiosamente, a estrutura lírica traz uma cadência vocal e uma letra que muito possuem de influência da interpretação de Chorão para seus próprios poemas musicados transformados, posteriormente, em hits do Charlie Brown Jr.. Afinal, Damazio insere na presente faixa um lirismo consciente com toques de melancolia que é acompanhado por uma melodia que transita entre stoner e o hardcore, criando uma melodia heterogênea atraente. 


É como uma consulta psicológica em que o paciente cria consciência de seus problemas através de suas próprias lentes. Elementos é uma divagação do eu-lírico sobre a percepção de si mesmo, de suas próprias características, sofrimentos e vontades. É um EP que, acima de tudo, possui um lirismo sequencial que aborda o autoconhecimento de maneira transparente.


Como todo o processo de autoconhecimento, existem momentos de alegria extasiante, de uma melancolia encantadora e de uma explosão de raiva necessária para extravasar os autobloqueios. E esses momentos são, melodicamente, muito bem representados a partir do caminhar por entre solos grunge, stoner, hard rock, rock alternativo e o hardcore.


De certa maneira, a conjuntura da obra proporcionou ao ouvinte um som majoritariamente sujo que criou um ambiente de garagem próprio dos subgêneros que mais dominam as linhas melódicas de Elementos. Esse foi um ponto alto da mixagem de Andria Busic e Ivan Busic. O ponto negativo é que a equalização sonora proporcionou um som baixo, mas sem dificuldades interpretativas.


Já a arte de capa, assim como o conteúdo lírico-melódico, é outro aspecto de Elementos que merece atenção. Feita por Ribamar, ela apresenta bem os conflitos expostos pelo personagem do EP. As árvores simbolizam os pulmões. Um respira o ar puro, limpo, imune de intervenções. O outro, capta um ar hostil, cheio de imperfeições e faíscas indetectáveis. É a dicotomia entre o bem e o mal. O desejo e o autocontrole. A hostilidade com a passividade. A mudança e o comodismo. A evolução e a retardação.


Lançado em 28 de maio de 2021 de maneira independente, Elementos é um EP liricamente sobre autoconhecimento. Melodicamente sobre amadurecimento e conjunturalmente sobre amor e respeito. Amor e respeito a si próprio. Um trabalho consciente e maduro que, pela música, proporciona a autorreflexão.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.