Carbônica - Apartamento 41

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Do concreto para o mar. Da poluição para o ar puro. Do calor de tempo seco para a maresia. Só houve um detalhe que não mudou: o gênero musical. De Guarulhos, o Carbônica escolheu Itanhaém como berço de seu novo álbum. Intitulado Apartamento 41, ele não é reggae, não é ska, não é surf music. É rock, reafirmando o solo de concreto da cidade de origem do grupo.


Incomum e ousado, o disco tem início de maneira inusitada. Não é a guitarra, o baixo ou qualquer outro instrumento de corda que puxa a introdução. Pressa Sempre ou Sempre Sem Pressa? tem seu despertar imediato consagrado por um groove limpo e linear da bateria executado por Leandro Sousa. Esse mesmo desenho percussivo possui forte semelhança, inclusive, com aquele executado por Travis Barker em I Miss You, single do Blink-1.8.2. De repente, um uníssono explosivo. Um ambiente arquitetado, a partir de uma distorção grave da guitarra, na métrica alternativa-grunge se faz surgir à frente dos olhos do ouvinte. Guiada por linhas lineares, encorpadas e pontuais do baixo de Vini Carbônica, a música assume um compasso contagiante recheado de sobreposições de guitarra que encaminha o ouvinte ao primeiro verso da canção. É aí que uma voz de timbre agridoce entra em cena temperando a melodia. Trazendo à tona uma interrogação latente na vida daqueles que vivem em grandes centros: a pressa domina a rotina ou a rotina domina a pressa?, Will Carbônica se influencia nitidamente no pensamento do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau quando este reflete que, em suas palavras, “O homem nasce bom. A sociedade o corrompe”. Melodicamente, a faixa evolui para um indie rock ao estilo Franz Ferdinand, subgênero que se mantêm como guia harmônico até o fim da canção.


A bateria segue sendo o instrumento de abre-alas. Porém, aqui ela recebe a companhia dos chacoalhares do pandeiro na criação de uma melodia mais cadenciada. A distorção desenhada pela guitarra, elemento que vem em seguida, permeia a estrutura do rock alternativo de tal maneira que o som criado crie um elo singelo de semelhança com aquela métrica presente na introdução de My Religion, single do Skillet. Apesar de a bateria ficar em primeiro plano no verso, quem sobressai é o baixo que, aqui, possui linhas mais elaboradas que emanam o verdadeiro significado da palavra ‘groove’. No que tange o lirismo, rimas pobres permeiam uma letra cômico-analítica em que, por meio da metáfora, os filtros de aplicativos funcionam como métodos paliativos para esconder as imperfeições da vida. Há ainda, no quesito melódico, uma mista imersão nos campos do indie rock e do hard rock tanto no pré-refrão quanto no refrão que amplifica ainda mais a energia sedutora de A Cidade Parou (Junto Com Meu Coração). Realmente, um forte candidato a single de Apartamento 41.


Riffs graves e distorcidos. Andamento lento no compasso 4x4. Sutilmente sombria, ... e Nesta Noite a Mesma História é uma exaltação do id, termo caracterizado e criado pelo psicanalista Sigmund Freud. O puro desejo, o desimpedimento. No entanto, ao se afastar da primeira camada lírica, o que se tem é um conteúdo sobre autoaceitação e a busca pelo amor próprio com uma roupagem que vai, guardadas as devidas semelhanças sonoras, de Billy Idol, Guns and Roses e Audioslave.


Pelo compasso estruturado em união entre baixo e bateria, poderia ser dito que aí está a sequência de Seven Nation Army, single do The White Stripes. A verdade é que a simplicidade e contágio de Dez Centímetros Acima do Chão chamam a atenção pela execução limpa e clara do indie rock. Recheada de rimas perfeitas, o conteúdo lírico aborda as diferentes maneiras que as pessoas usam o corpo para chamar atenção, como alimentação ou falsas posturas que comunicam segurança. 


Uma nova proposta. Aguçar as percepções sensoriais parece ser o objetivo. Com a sonoridade, diferentes texturas são palpáveis ao ouvinte, que se encontra em uma espécie de transe exotérico a partir do exercício da programação de Dennis Rogonha. Por outro lado, a guitarra imprime na conjuntura melódica uma sensualidade tímida, mas perceptível. E para acessar a mesma energia, W. Carbônica se pronuncia com um vocal sussurrado que, antagonicamente à tranquilidade rítmica, expõe um lirismo sobre falta de ânimo e de estímulo. Sobre depressão. Com frases acalentadoras e de ajuda, o eu-lírico de Quase Não Abro os Olhos sugere “Senta e espera o tempo passar” para que essa sensação vá embora.


Despertar sedutor. Do baixo para a bateria, o groove logo se instaura. É como se ouvinte se visse em um cenário de Velho Oeste estadunidense, com bolas de poeira rolando por entre as ruas de terra. Eis então que a voz de W. Carbônica se coloca firme, forte e indiscutivelmente em primeiro plano para contar a história de dependência parental e da consequente busca por liberdade e confiança. Com ou Sem Você (Um Vício) é uma canção que, melodicamente, sai da linearidade e caminha entre ambientes indies e alternativos, mas também flerta timidamente com o metal.


Uma levada MPB surge a partir das notas do violão. É como se o Sol estivesse banhando a areia de Ipanema. Os ventos bailando no compasso das notas proferidas de maneira suave, mas capaz de exalar uma musicalidade tranquila cujo andamento instiga o ouvinte pela sua cadência, são visualizados nitidamente pelo ouvinte que se encontra atento nos dedilhares. Curiosamente, o lirismo foge dessa sensação de suavidade. Afinal, a história narrada pelo vocalista é de uma mulher que, afogada na depressão, possui uma vida desregrada, sem boa alimentação, banho de Sol e muito menos socialização. Com uma voz ligeiramente mais grave e rasgada, W. Carbônica extravasa todos os sentimentos da personagem de Ela Só Sabe que Precisa Gritar: Raiva, angústia e, claro, como o próprio nome da faixa comunica, gritar. A faixa, por conta do minimalismo instrumental, da força da mensagem e do peso do conteúdo lírico, se torna, ao lado de A Cidade Parou (Junto Com Meu Coração), um grande single de Apartamento 41. É bom, porém, que o ouvinte perceba que a presente faixa funciona, inclusive, como um alerta. Alerta para que amigos e familiares fiquem atentos com os comportamentos e atitudes de pessoas próximas para que a ajuda seja dada a tempo. Afinal, a negligência em identificar os pedidos de socorro é um dos principais fatores responsável por suicídios. E no caso da personagem lírica, assim como W. Carbônica canta, ela só sabe gritar. E o grito é, aqui, um pedido de socorro. Ouvir também é um remédio.


Groove é uma palavra que bem define a melodia de Quanto Vale. A harmonia existente entre baixo, guitarra e bateria é, inclusive, o fator que explica essa sinergia que une o groove propriamente dito com precisão e melodia em uma métrica mista de funk e hard rock. No que tange o conteúdo lírico de Quanto Vale, existe uma reflexão sobre o impacto da pandemia na vida das pessoas. Mais do que isso. O lirismo se estende até mesmo pelas questões socioculturais brasileiras, como a pobreza, a má distribuição de renda e, intrinsecamente, ainda, a meritocracia. E o questionamento feito pelo eu-lírico instiga a reflexão mais profunda, a qual, raramente possui uma resposta palpável. Afinal, quanto vale a sua vida?.


É como um vizinho. Aquele vizinho que se inclina na janela e fica observando a vida daqueles que o cercam do alto de seu apartamento. Mas não. Esse vizinho não é fofoqueiro, fuxiqueiro. Ele é analiticamente observador. Ele percebe as nuances comportamentais, a moda jovem, o efeito dos relacionamentos e a rotina automática e cega dos grandes centros urbanos. Ele é como um guru ou aquela pessoa que exala sabedoria e maturidade com relação a vida. Esta é a persona de Apartamento 41.


Melodicamente, o trabalho do Carbônica é um produto amplo. Afinal, ele transita livre e suavemente por entre o indie, o alternativo, o hard rock, o funk. É um produto groovado, sedutor, contagiante e, até mesmo, consciente. Consciente pela forma de enxergar o mundo e consciente na maneira que ele o traduz. 


O ouvinte consegue, inclusive, detectar a química entre os integrantes a partir da harmonia criada e muito bem capturada pela produção do duo ao lado de Leandro Sousa. Precisão, mixagem e equalização redondas, instrumentos audivelmente claros e nítidos. Um trabalho de som bastante lapidado, mas sem tirar a energia e traços da sujeira necessários para criar o peso que as letras pedem.


O mais interessante é que a arte de capa traduz, além da persona de Apartamento 41, a mensagem que o disco deixa de legado. Feita entre Daiana Oliveira Lopes e W. Carbônica, ela exala um sentimento melancólico a partir da captura do pôr do Sol. Ao mesmo tempo, esse cenário sugere o anseio por mudanças, por um novo dia, uma nova chance. Oportunidades extremamente solicitadas principalmente pelos personagens de Quase Não Abro os Olhos, Com ou Sem Você (Um Vício) e A Cidade Parou (Junto Com Meu Coração).


Lançado em 11 de junho de 2021 de maneira independente, Apartamento 41 é um disco que pode narrar a vida do outro. Mas, na verdade, os acontecimentos e eventos nele presentes certamente já ocorreram ou irão ocorrer na vida de todos. O que ele sugere, portanto, é que o ouvinte esteja preparado para agir prontamente e da melhor forma. A consciência e a maturidade para a vida devem andar de mãos dadas.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.