NOTA DO CRÍTICO
Nordeste, uma região que, nacionalmente, não é referida por ter dado luz a grandes nomes da música brasileira. Um grande engano, uma vez que, de lá, saíram, personalidades como Pitty, Raul Seixas, Novos Baianos e, mais recentemente, Mago Trio e Bié dos 8 Baixos. Agora, porém, ela divulga para o mercado musical global o Headspawn, power trio paraibano que se anuncia com Pretty Ugly People, seu EP de estreia.
Repiques acelerados da bateria dão um despertar compassivo. Limpo e nítido, o groove produzido por Marconi Jr. leva o ouvinte para um primeiro verso metalizado, cuja sonoridade sombria funciona como um caminhar por entre grutas escuras e pegajosas que gotejam desespero de seus poros. Um vocal cujo timbre mistura toques guturais e rasgados preenche a cena com uma interpretação lírica que exala angústia e ódio. Por meio de Alf Cantalice, o ouvinte é submetido a momentos em que o desejo impetuoso, supera o bom senso. Satan Goss é uma faixa que, apesar de tangenciar a série de animação japonesa Jaspion, muito traz da desesperança impregnada na sociedade global através da pandemia. No que tange a sonoridade, a faixa é dividida entre momentos de pura brutalidade com outros em que a estrutura possui sonoridade mais clara e melódica. O interessante nesse aspecto é notar que, aquém do que é comum na indústria fonográfica, o que se tem em Satan Goss é um solo de baixo que, feito por J.P. Cordeiro, possui a mesma estrutura daquela construída na introdução de Still Remains, single do Alter Bridge.
A guitarra segue guiada pela distorção, porém, sua afinação se coloca em tons mais alegres e melódicos, mesmo que ainda ásperos. Com sonoridade mais mastigável que a anterior, Worthless Piece of Shit não foge de uma mensagem de peso no que tange o lirismo. A partir de uma harmonia que transita por entre o nu metal, o stoner rock, o heavy metal e até mesmo o thrash metal, o que Cantalice apresenta é uma latente indignação por aqueles que, seja de maneira política, religiosa, empresarial ou social, possuem poderes sobre os mais fracos. De todos os momentos, a ponte talvez seja o momento mais emblemático da faixa. Não apenas por conta da cadência contagiante do riff da guitarra, mas por conta das palavras e da forma como elas são proferidas pelo vocalista. Claramente Worthless Piece of Shit é um single tragicômico-agressivo de Pretty Ugly People.
A sonoridade é alternativa. Mas o azedume e o suspense que exalam da mesma movem a caracterização estrutural para outros campos. Groovada, instigante e com uma cadência contagiante, a faixa causa estranheza no ouvinte devido à drástica mudança melódica. Quando menos se espera, porém, o peso característico do EP é retomado com um uníssono áspero e distorcido. Uma coisa que se torna clara em Voices é a versatilidade de Cantalice em transitar, através das subdivisões das músicas, por diferentes técnicas vocais de uma maneira tal como faz Corey Taylor quando assume o microfone do Slipknot. Outra coisa é a cadência formada na faixa. Diferente de Worthless Piece of Shit, o movimento aqui instaurado possui características de amplitude que possibilitam uma maior atração de fãs, além de proporcionar o ambiente propício para a Mosh e o headbanging. Por essa razão, Voices acaba assumindo o posto de single enquanto a faixa anterior passa a se tornar um single lado b.
Distorção e agressividade sempre fazem parte dos pratos servidos pelo Headspawn em Pretty Ugly People. Em Satellite, porém, a afinação e a forma como as notas do baixo são exaladas por Cordeiro pincelam na melodia da faixa toques de stoner rock que imputam mais aspereza e uma noção de garagem à conjuntura sonora. Na presente faixa, não há impressões como houveram em Worthless Piece of Shit. O thrash metal é um subgênero que, assim como o stoner, está nitidamente presente a partir das frases da guitarra. Esses fatores, por si sós, já fazem de Satellite um blend rítmico extasiante. Essa noção de mix aumenta ainda mais quando surge um vocal limpo, sem efeitos ou brutalidade. Porém, o peso está na mensagem lírica, a qual traz a sociedade como um catalizador, um conjunto de formigas operárias reféns de uma elite privilegiada que pouco olha para a base de seus lucros. Uma realidade que, tendo o Brasil como ponto de partida, é a privatização contra a comunidade. É dinheiro ante a saúde. É o poder ante a harmonia.
Como o próprio nome do EP sugere, Pretty Ugly People é um EP sobre algumas parcelas da população, que manipulam, que se usam do poder para persuadir e angariar mais lucros. Um EP com forte viés político e conscientes críticas sociais. Um trabalho maduro e ousado para uma banda nordestina, mas mais do que isso, para uma banda estreante no mercado.
Trazendo um som pesado, raivoso, áspero e azedo, mas ao mesmo tempo claro e legível, o EP apresenta um Headspawn cuja química entre os integrantes é facilmente perceptível. Um power trio em que todos os integrantes possuem seus momentos de protagonismo e cuja liberdade de inserir influências é assegurada.
Toda essa união de gostos, influências e tendências foram muito bem capturadas pela produção de Victor Hugo Targino. Foi ele que, inclusive, foi o responsável por, a partir da mixagem, trazer uma equalização capaz de transmitir o peso e a dinâmica dos instrumentos de uma maneira que o ouvinte degustasse a conjuntura de uma maneira harmônica e até mesmo sensorial.
Canalizando todos esses elementos vem a arte de capa. Feita por Rafael Passos, ela traduz bem tanto as mensagens das faixas quanto o próprio título do EP. É como se a personagem central evidenciasse o lado dicotômico da sociedade. As duas faces de um mesmo espectro. Bonito por fora, mas malévolo por dentro.
Lançado em 25 de junho de 2021 de maneira independente, Pretty Ugly People é como um aviso. Um aviso de que não existe apenas um Lázaro Barbosa. Mas várias pessoas que são capazes de dar uma face e entregar a outra. Em uma sociedade de interesses, todo o cuidado é pouco e é isso o que Headspawn tenta informar com o EP.