Mopho - Que Fim Levou Meu Sorriso

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4 (3 Votos)

Alagoas. Terra de danças como a de Fita, de São Gonçalo, Toré e Coco Alagoano. Há 25 anos, nasceu no estado uma banda que fugiu dessa conjuntura rítmica latina, com influências africanas e executadas para promover a união entre os pares. Desde Uma Leitura Mineral Incrível, a Mopho vem redifundindo vertentes sessentistas do rock, como a psicodelia. Essa jornada ganha mais um capítulo com o lançamento de Que Fim Levou Meu Sorriso, o novo EP do grupo.


Um ambiente entorpecido como se imerso em um transe alucinógeno. Essa é a apresentação visual e sensorial promovida pelos primeiros raiares de som de Mundo Sem Fim. Baseada na métrica do blues, a canção tem protagonismo absoluto do teclado de notas embriagantes de Dinho Zampier e uma união vocal harmônica que recria a atmosfera musical setentista brasileira. Com um blend entre o timbre agridoce de João Paulo e a doçura extasiante do tom de Júlia Guimarães, a canção perambula por entre temas de relacionamento e superação amorosa. A dor da separação, a melancolia e a nostalgia imersa nas lembranças de uma vida paralisada no tempo dividem sincronicamente o mesmo espaço proporcionado pela faixa.


Macias e melancólicas são as primeiras notas. Lenta, mas ainda imersa na cadência do blues, Nau a Vagar traz um sobrevoo de sentimentos mistos de tristeza e reflexão promovido a partir do singelo, sofrido e contido riff da guitarra. Trazendo, em primeiro plano, profundas reflexões sobre a solidão, a faixa funciona como uma sessão terapêutica que visa auxiliar o ouvinte a encontrar sua alegria, sua vivacidade e sua energia. Mas mais do que isso, visa fortalecer o espectador para que ele consiga identificar o ladrão de sua sede de viver e saiba combate-lo sempre que as trilhas do destino promoverem encontros inesperados. Apesar de a cadência vocal ser um importante acompanhante, são as linhas do baixo de Júnior Bocão que, corpulentas e audíveis, servem como guia durante esse enfrentamento da palidez perante o ato de viver.


É Bocão quem puxa a introdução. Fugindo da tristeza estrutural e enrijecida promovida em Nau a Vagar, Mais Um Dia apresenta uma melodia mais alegre e contagiante apesar de ainda trazer, encrustada em suas bases, aquela psicodelia entorpecida. Enquanto a faixa anterior buscava reencontrar o ânimo pela vida, a presente faixa se mostra como o resultado dessa procura, culminando com um eu-lírico que exala felicidade e satisfação por, enfim, poder viver mais um dia. 


Uma surpresa para os amantes do rock inglês. O que Merri-Go-Round oferece logo de cara é uma roupagem beatleniana mesclada com um swing rockabilly contagiante. Cantada em inglês, a canção apresenta uma conjuntura melódica que transita entre o ambiente indie e um blues ao estilo Elton John. Uma música macia, fluída e de harmonia resplandecente.


É como um sonho. Como uma brisa noturna abraçando o corpo adormecido. A melodia apresentada na introdução funciona como um misto de transcendentalidade, psicodelia e sentimentos de embriagues que acompanham o ouvinte por um ambiente pacificador, tranquilo e de conforto exaltante. Deixa Estar é uma canção que consegue misturar Secos & Molhados com Green Day em sua fase 21st Century Breakdown, especialmente tangenciando a melodia de Last Night on Earth. No que tange o lirismo, é como se o personagem estivesse demonstrando o desejo por um mundo cheio de igualdade, respeito mútuo, aceitação às diferenças. De certo ponto, é quase uma canção LGBTQI, pois emana a mensagem da mistura, da pluralidade, do encontro consigo mesmo.


Contagiante, alegre, fluída e, até de certo ponto, comercial. A estrutura rítmica e melódica dos primeiros instantes de Imaginação tangencia fortemente com a arquitetura sonora do despertar de O Sol, single do Jota Quest. Com falsetes e melismas, Paulo apresenta um lirismo que aborda um eu-lírico que quer entender a sociedade, o que rege as atitudes, e, como ele mesmo cita, o começo, meio e fim. O caos. A sonoridade da faixa atinge seu ápice sensorial no instrumental, momento em que diversas texturas, cheiros e cores são percebidos homogeneamente a partir de uma melodia ampla e bailarina.


O que mais chama a atenção de Que Fim Levou Meu Sorriso é a inconsciente originalidade sonora. Apesar de fundir sonoridades pré-existentes, mas não contemporâneas como o blues, a psicodelia, o rockabilly e o indie, a conjuntura do EP informa brasilidade pelo sotaque do vocalista. A química estruturada entre os integrantes do Mopho é outro fator que engrandece o produto final.


Nesse aspecto, é importante ressaltar que um importante elemento na criação de texturas em ambas as seis faixas foi Hélio Pisca. As linhas criadas por ele proporcionaram quadros pintados pela bateria que ajudaram a traduzir os sentimentos e as angústias dos personagens das faixas. Tudo com sutileza e respeito.


No que tange o som construído em Que Fim Levou Meu Sorriso, ele chama a atenção pela nitidez e equalização entre todos os elementos que o constituem. Como a principal base rítmica é a psicodelia, a melodia deveria ser indiscutivelmente limpa para criar a atmosfera necessária e esse foi um grande feito de Joaquim Prado. Por meio de sua mixagem, qualquer possível ruído foi excluído do horizonte, proporcionando ao ouvinte uma viagem astral e embriagante.


Tratando de temas delicados da sociedade, como aceitação, solidão, depressão e busca de sentido, o eu-lírico do EP busca entender, como próprio nome do trabalho sugere, que fim levou meu sorriso. Essa procura caminha por momentos de desilusão, tristeza e ressurreição. A alegria sempre esteve ali, mas precisava de um auxílio para ser acessada.


Captando toda essa união de elementos vem a atração visual, a arte de capa. Feita em união entre Júnior Bocão e Victor Caesar, ela informa, principalmente a questão da psicodelia. Os traços pretos e brancos promovem um bailar ilusionista que hipnotiza o ouvinte. Já o elemento central, uma círculo que comunica algo semelhante a feitiçaria, funciona como uma bola de cristal. Ou seja, a busca por respostas. De outro lado, ao avaliar o todo, é capaz de identificar fortes semelhanças entre o projeto gráfico de Que Fim Levou Meu Sorriso com aquele construído em In Another World, mais recente disco do Cheap Trick. Afinal, ambas as capas possuem a mesma estrutura de elementos e emanam a noção ilusionista.


Lançado em 25 de junho de 2021 de forma independente, Que Fim Levou Meu Sorriso é um EP puramente psicodélico. De instrumental nítido, é um trabalho cujo personagem central busca o brilho da vida e a força para enfrentar os obstáculos do destino.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.