Gustavo Bertoni - A More Translucent Haze

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Seis anos se aventurando em carreira solo. Nesse meio tempo, três discos de estúdio foram anunciados. Pouco mais de um ano desde sua última aventura, Gustavo Bertoni retornou aos estúdios para, enfim, anunciar seu novo trabalho. Intitulado A More Translucent Haze, lançamento é o primeiro EP do músico.


A névoa noturna ainda toca o chão no raiar do dia. A grama segue úmida e o céu está em um bailar de tons crepusculares. O astral e o transcendental dividem harmonicamente o mesmo espaço criado pelo som inebriante dos sintetizadores de Apeles, Lucas Mayer e Bertoni. Em seguida, um vocal de tom mediano e suave se une ao montante sonoro aumentando ainda mais a noção do transcendental com sua interpretação lírica intimista e sensitiva. Conforme as palavras dançam em sincronia com as cores do amanhecer, um sentimento de gratidão paira pelo ar como se estivesse abraçando o ouvinte calorosamente. Afinal, o que a mensagem lírica sugere é o ato da superação, do vencer as angústias, os medos, os receios. De enxergar uma saída para as aflições e dar chance à vida. O que chama a atenção em Old Ghosts, New Skin é a sutileza e o lapidar cuidadoso da melodia. Complexa no montante de elementos, ela possui uma dramaticidade aveludada oferecida através do sobrevoo de notas aconchegantes do violino de Felipe Pacheco Ventura. No que tange o refrão, ele exala delicadeza e possui uma estrutura harmônico-melódica que muito se assemelha àquela estruturada no pré-refrão de Halo, single de Beyoncé. Porém, é apenas a partir da segunda estrofe que Old Ghosts, New Skin finalmente atinge seu ápice sensorial. Trazendo mais elementos de corda como a viola e o baixo, ela ganha uma cadência mais ritmada a partir do groove sutil da bateria de Kabé Pinheiro.


A luz do Sol já está amornando as frestas da janela. Uma sensação de vivacidade e energia positiva passa a dominar o ouvinte a partir do despertar de uma melodia alegre e confortavelmente estimulante criada pelos dedilhares do violão e os sopros do sintetizador. Existe, em Ricochet, uma mistura de ares bucólicos com atmosfera rítmica folk. Com trechos em que o vocal grave e áspero de Apeles acompanha Bertoni ao microfone, a faixa possui a mesma proposta reenergizante de Old Ghosts, mas, aqui, a gana pela chegada de um novo dia é exacerbada. Uma faixa com linearidade inebriante e com uma melodia cheia de texturas que são preenchidas, em seus últimos suspiros pelos sopros vivos do trombone de Diego Calderoni Nogueira.


Leveza. Uma arquitetura tropical com ventos praianos funcionam como boas-vindas. O bailar do violão com as tablas de Raimund Engelhardt cria uma cadência até então inexplorada em A More Translucent Haze que encanta pela simplicidade. É interessante e curioso notar que, por um breve momento, a melodia apresentada até o momento faz o ouvinte relembrar o compasso estruturado na introdução de Chop Suey!, single do System Of A Down. Com divisões bem definidas, Moon Bath caminha por entre um misto de folk e indie para algo mais dramático a partir das notas sentimentais da dupla de violinos formada por Luiz Amaro e Amanda Martins. O refrão da canção, por sua vez, parece ter um movimentar particular. Sua fluidez é contagiante e promove a união do ouvinte com Bertoni nas pronúncias das palavras proferidas. Abordando desilusão e a falta do ânimo pela vida, a faixa conta uma trajetória sofrida a partir de um narrador em terceira pessoa. E nesse cenário, o peso dramático ainda é amplificado a partir do violoncelo de Adriana Holtz.


Introspectiva como se tocada para si mesmo entre quatro paredes. Delicada tanto nas pronúncias orais quanto tocadas. Uma melodia indie cativante e sutil. River Dry (Audio Note) é recheada de sons ambientes e oferece um lirismo que beira o romântico. Sua estrutura sonora se baseia no flerte do folk com o blues cuja atmosfera muito se assemelha àquela criada em Ukulele Songs, disco solo de Eddie Vedder, e, no que tange o intimismo, flerta com a proposta de Year Of The Tiger, disco solo de estreia de Myles Kennedy.


A More Translucent Haze é, sem delongas, aquele trabalho que impressiona pelo intimismo, pelas sutilezas melódicas e bela beleza de arranjos. Misturando ambiências do folk, do blues e do indie, o EP oferece lirismos de temas delicados, mas apresentados com o devido respeito e leveza. E nesse aspecto, Bertoni se mostra com uma pronúncia e uma cadência vocais muito próprias, o que enriquece a conjuntura melódica.


É importante mencionar, inclusive, a gentileza de, a partir da proficiência dos músicos recrutados para criar as linhas sonoras das faixas, dos quais ainda faz parte Max Van Dusen e Ricardo Kubala, o ouvinte poder experimentar diferentes texturas, aromas, temperaturas e cores. Cada música é um mundo novo. Cada novo mundo com sua realidade. Cada realidade com o seu perfume. Tudo proporcionado pela equalização bem executada através da mixagem de Rodrigo Deltoro e Ricardo Ponte, os quais proporcionaram, acima de tudo, uma degustação em que todos os sabores puderam ser sentidos tanto individualmente quanto em conjunto.


Esse conjunto melódico ofereceu dramaticidade, sorrisos, alegrias e tristezas. Afinal, A More Translucent Haze fala sobre realidades que qualquer um pode experimentar. Perigos que, nem sempre, podem ser evitados. É essa a ideia capturada pela arte de capa. Feita por Mateus Augusto Rubim, ela transmite toques de desespero, como se alguém estivesse correndo em busca de soluções para seus problemas. O turvo e a paisagem tremida traduzem a pressa. Pressa por ajuda. Pressa por resolutivas.


Lançado em 25 de junho de 2021 via Slap, A More Translucent Haze é um EP dramático, experimental e cheio de texturas. Seus arranjos impressionam tanto quanto suas melodias de delicadeza palpáveis.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.