NOTA DO CRÍTICO
Após lançar singles subsequentes entre 2023 e o início deste ano, um novo nome entra em definitivo no circuito da música fonográfica nacional. O Verita chega agora, no auge do terceiro trimestre de 2024, com seu álbum de estreia. Autointitulado, o produto consiste em um lançamento independente.
Entre sonares ambientes, aquilo que parece ser um comício difundido radiofonicamente é ouvido ao fundo. Rapidamente, porém, o ambiente é tomado por uma guitarra que se apresenta ácida em sua movimentação borbulhante. Sob domínio de Caio Kirdeika ela se posta em uma pose imponente, de cenhos cerrados e olhos fixos em um detalhe ainda enigmático, mas que já indica se tratar de algo como um levante. Assim que a guitarra base entra em cena dando um ligeiro embasamento melódico, a bateria, ao mesmo tempo, assume seu lugar. Ainda que trazido pela programação de Filipe Coelho, o instrumento vai desenhando uma base rítmica consistente, enquanto demonstra uma sujeira proposital que comunica uma ligeira imersão no campo do post-grunge. Conforme vai se desenvolvendo, a introdução vai ganhando outros elementos. O baixo de Leo Skinner, último instrumento a entrar em cena, despeja uma acidez estridente capaz de inserir, também na receita melódica, generosas doses de stoner rock. Com essa roupagem estrutural, a canção consegue transpirar, por meio dos gritos extasiantes da guitarra, uma sensualidade advinda do hard rock que contamina todo o seu aparato rítmico-melódico. Ganhando, portanto, uma silhueta libidinosa provocante, (R)evolução acaba se dividindo entre a agressão e a sensualidade, enquanto seu primeiro verso enfim tem início. Nele, uma voz aveludada e ligeiramente aguda assume o comando do microfone. Fernando Coelho, nesse contexto, vem como um elemento a entregar um contraponto sensorial perante à sujeira e a raiva enraizada na melodia, a qual, conforme se matura, acaba apresentando uma interessante similaridade para com aquelas de Two Sides Of Me, single do Hinder, e Pense E Dance, single do Barão Vermelho. Contagiante, elétrica, excitante e levemente sombria, (R)evolução é uma faixa que, entre rimas pobres, destaca uma sociedade presa em seus próprios medos. Medos esses que a impede de assumir uma postura questionadora, reflexiva. Medos esses que, portanto, a faz ser um simples refém das mais diversas ordens manipulativas. Essa insegurança motriz é o verdadeiro motivo de a evolução como comunidade ser barrada.
A guitarra retoma sua forma áspera e grave, enquanto o baixo de Felipe Fornachari surge entre relâmpagos bojudos e a bateria vai desenhando uma base rítmica fluida de caráter curiosamente sensual. De estrutura rítmico-melódica mais acessível à massa popular, mas sem guardar sua pose ríspida e confiante, a sonoridade é capaz de fazer o ouvinte montar em seu inconsciente a imagem de um viajante solitário lidando com um universo de incertezas que o levam rumo ao autoconhecimento. Em uma sintonia linear com tal percepção sensitiva, o enredo de Caminhos apresenta um indivíduo que, de fato, lida com o fator autoconhecimento, enquanto deposita sua confiança no destino como meio de descobrir a melhor direção para seguir. As incertezas, os desafios, as quedas, a inveja, mas também o amor, a compaixão, o apoio e o sonhar são fatores que auxiliam na formação de uma essência madura e autoconfiante. Essa é a percepção que o personagem não apenas segue, mas tenta difundir ao ouvinte que também estiver preparado para a identificar.
Mais agressiva, mas também mais sensual e excitante, a canção tem seu início desenhado por uma guitarra áspero-melódica ondulante e uma bateria explosiva a partir de seus sons secos. Conseguindo ser imponente, mas também fresca, ela se desenvolve de forma a destacar tanto seu caráter solar quanto seu ímpeto melodioso. Caminhando livremente no limiar entre hard rock e heavy metal de forma a favorecer uma singela semelhança sonora para com Pariah, faixa do Black Sabbath, a canção apresenta, em seu amanhecer, uma sonoridade equilibrada, forte e madura. Fluindo para um primeiro verso de base singelamente popeada, Validade Sem Prazo traz um baixo que, nas mãos de Coelho, soa sutil, mas com um corpo gordo e aveludado que fornece uma base melódica consequentemente macia, mas também fluida. Misturando um amornado e contagiante rock alternativo, a canção traz como base de enredo a frase de Santo Agostinho na Gêneis 3:19 na qual diz ‘(...) és pó e em pó retornarás’. Ainda assim, sua mensagem se aprofunda no intuito de estimular e ensinar o ouvinte a viver da melhor forma, sempre com respeito, moderação e entendendo, principalmente, que a ideia do tempo acelerado só maltrata aqueles que não compreenderam o valor do simples.
A melancolia vem na companhia de um curioso senso nauseante. Não que o céu esteja banhado por uma tonalidade monocromática acinzentada, mas, ainda que esteja em seu esplendor azul, existe, nele, curiosas noções de uma introspecção ainda enigmática. Melodicamente gélida e generosamente reflexivo-entristecida, a canção nasce sob a forma de um produto minimalista fresco por entre suas cicatrizes de dores entorpecentes. Surpreendentemente, porém, a entrada do sonar repicante da bateria, além de sugerir um abraço, um acalento que dá passagem para uma sonoridade branda que, a partir do violão, sugere delicadeza e um senso tocante de compaixão. Bem trabalhada e ganhando uma notável harmonia conforme vai atingindo seu pré-refrão, Me Diga, Por Quê? é uma canção que critica os falsos sensos de democracia e tolerância. Critica a falsa imagem de igualdade e altruísmo. Uma obra que, de forma tocante, evidencia a ausência de esperança e representatividade travestida em conformismo. Ainda assim, para o personagem lírico, ainda existe força para sonhar com um amanhã melhor do que o ontem.
O Sol está, calmamente, surgindo por detrás das montanhas ao longe. Sua iluminação, apesar de fraca, evidencia a aridez de um cenário inóspito, silencioso e desalmado. Lá não existe dono, dó ou perdão. É apenas o calor, a secura e a sede. O deserto e seu tom monocromático deixa qualquer indivíduo à própria sorte, alucinando em seus devaneios mais insanos. Essa é a paisagem suscitada pelo violão, que surge com um riff dedilhado em tonalidade levemente aguda. Surpreendentemente, porém, a canção flui para uma melodia latina rebolante repleta de elementos percussivos que deixam a energia sensual, enquanto a flauta de Tatiane Bonfim desfila uma agudez no limiar entre o veludo e a estridência, conforme contribui com a inserção de pitadas de bossa nova. Como uma faixa instrumental cuja estruturação rítmico-melódica recai sobre a lambada de aroma sertanejo hipnotizante, Sancho não é um interlúdio, mas uma obra que, com ambiências curiosamente mexicanas por meio de suas rápidas imersões no huapango, tenta mostrar a beleza multiculturalidade musical.
Não existe, aqui, uma introdução tradicional, daquelas em que o instrumental vem de forma gradativa e ausente de linhas líricas. Sem delongas, a canção já começa com um primeiro verso contagiante por meio de uma cadência rítmica em 4x4 em cuja melodia se emaranha na mistura de indie rock, pop e rock alternativo. Fresca e macia, Palácio De Cristal é a canção com o maior apelo radiofônico de todo Verita até então. De fácil acesso às massas, mas sem ser apelativo em seu escopo mainstream rítmico-melódico, a faixa, durante a ponte, apresenta uma ambiência curiosamente esotérica a partir do som agudo, gélido e refrescante produzido pela programação. Com direito, ainda, a lapsos de emocore, Palácio De Cristal é imbuída em uma dramaturgia latente, enquanto traz, no lirismo, um indivíduo cuja ganância é um escudo comportamental que mascara sua essência insegura, carente, maltratada e raivosa.
É como a luz do Sol amornando a pele do rosto no auge de uma manhã de outono, fazendo com que as flores sazonais espalhem seu perfume pelo ambiente através da evaporação do orvalho. Doce e delicada, portanto, a introdução exercida pela guitarra, ainda que fresca, vai, gradativamente, pincelando gotas de suspense que, suavemente, vai transformando por completo a energia do cenário. Mergulhando em um primeiro verso em que o efeito lap steel da guitarra não sugere apenas o veludo, mas também uma latente noção de melancolia, Homem Sem Face tem uma base rítmica consistente e se matura sob uma essência dramática. Surpreendentemente, quando o ouvinte parece ter entendido e degustado todas as suas nuances, a faixa escorrega em um turning point pleonasmaticamente transformador. Se tornando ríspida, agressiva e até mesmo ácida sob uma melodia que comunica um inquestionável flerte com a estética thrash metal, Homem Sem Face passa a reamadurecer sob uma silhueta metalizada como forma de representar o caos interior de um indivíduo. Um indivíduo que retrata toda uma sociedade sonâmbula em seu próprio estado de desmotivação e morbidade em meio a uma rotina que escraviza através da mesmice.
Com uma guitarra em seu riff levemente azedo sob uma movimentação soluçante, a qual é capaz de rememorar aquele efeito assumido por Myles Kennedy na introdução de My Champion, single do Alter Bridge, a canção rapidamente tem sua introdução preenchida por golpes pontuais e uníssonos entre a bateria e o baixo em seu groove bojudo de notas secas. Como única canção a apresentar uma bateria orgânica, …No Fim Do Túnel traz Diogo Magdaleno no comando das baquetas de forma a trazer mais alma, vivacidade e, principalmente, precisão à base rítmica. Evoluindo para uma frase melódica progressiva capaz de evidenciar a influência do Rush sobre o Verita, trazendo, mais especificamente, similaridades estéticas para com Tom Sawyer e The Spirit Of Radio, singles do grupo canadense, …No Fim Do Túnel é capaz, ainda, de comunicar, também, a influência estética do Ira! através de imersões de rock alternativo e post-punk na melodia. Com essa arquitetura, a faixa conta a história de um indivíduo de alma velha em virtude de sua ampla consciência e maturidade. Um personagem que encara a vida como um aprendizado constante rodeado de memórias e legados. Um protagonista grato pela vida e pronto para a morte.
Consciência e sensatez. Essas duas palavras podem ser usadas para começar a estudar o que o Verita trouxe em seu álbum autointitulado. Repleto de ensinamentos sobre a vida, mas também cheio de atitudes progressistas e contestadoras, o álbum é um material que pensa e que sonha. Que torce e que sofre. Que luta. Que diz não ao conformismo e à manipulação. Um álbum que sabe ser bruto, mas que não esconde sua alma doce e pura.
Visto isso, é possível dizer que o disco é um produto de emoções antagônicas, uma vez que ele pode suscitar tanto no relaxamento quanto na efervescência da imponência. Contudo, é errôneo dizer que Verita seja um produto sem uma personalidade definida. Afinal, ele, em todo o momento, destaca sua postura confiante, firme e soberba. Ainda assim, por mais que seu exterior informe tais características, o álbum é completo por uma paleta emocional sensitiva que contrabalanceia tanta rigidez.
Por meio dela, o Verita consegue ser uma escola didática capaz de mostrar ao ouvinte os caminhos rumo ao autoconhecimento e autoconfiança. Ao mesmo tempo, ele ensina a ter senso crítico, a alcançar o altruísmo e, principalmente, a lutar pelos seus direitos e igualdade. É assim que o grupo consegue misturar, de forma equilibrada, assuntos relacionados à política, à sociedade e autopercepção.
Para representar essa amplitude temática, o Verita se aliou também a Coelho para os trabalhos de produção e mixagem. Por estar imerso também no campo criativo, o profissional soube guiar bem o grupo em suas respectivas propostas de atitudes e assuntos a serem tratados.
No campo sonoro, Fernando Coelho sintetizou bem as emoções transcendidas pelos lirismos em melodias que soam firmes, precisas e consistentes. Dessa forma, a sonoridade consegue passar desde as noções de raiva à compreensão através de uma gama melódica que caminha pelo post-punk, rock alternativo, rock progressivo, stoner rock, heavy metal, hard rock e até mesmo pitadas de lo-fi e indie rock com brisas de bossa nova e huapango.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Ancelmo de Castro e Thais Guedes, ela evidencia o nome do grupo sobre uma superfície amadeirada com pouca iluminação. Com uma grafia que suscita desde o folk à atmosfera nórdica, o título, tal qual está posicionado, parece assumir a pose de um personagem teatral em um monólogo de único ato. O ato do pensar. Simples e evidenciando uma grafia delicada, a obra é o puro drama ultrarromântico.
Lançado em 03 de agosto de 2024 de maneira independente, Verita é um álbum de mente questionadora e reflexiva, de postura firme e imponente, mas de coração dócil e delicado. Um álbum melodicamente multicultural que ensina a arte da gratidão e do autoconhecimento ao mesmo tempo em que instiga os sensos necessários de inconformismo e reivindicação.