Alter Bridge - São Paulo 2023

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4 (1 Votos)

Apesar de a temperatura estar transitando entre os 33 e os 32ºC, a tarde daquele 08 de novembro tinha um clima amistoso na cidade de São Paulo em pleno meio de semana. Naquele dia, as ruas seguiam sua rotina. Movimentadas, empoeiradas, poluídas, esfumaçadas e repletas de transeuntes das mais distintas características.


 Um movimento diferente, porém, era presenciado nos arredores do metrô Barra Funda. Junto do trânsito normal de pessoas indo e vindo entre Uninove e o terminal, as calçadas próximas eram tomadas por um tom enegrecido. E ele, de fato, dava uma conotação destoante para o cotidiano daquele cenário urbano.


Uma fila linear, que se estendia da Rua Tagipurú à Avenida Francisco Matarazzo, apresentava um volume chamativo de pedestres para uma plena quarta-feira de fim de tarde. Era como uma trilha de formigas rumo ao formigueiro. E o ponto central era o Espaço Unimed, local onde, dali a algumas horas, seria recebido, pela segunda vez em terreno paulistano, o Alter Bridge.


O curioso foi notar que o lado de fora da casa de shows exalava uma passividade contagiante a partir das conversas paralelas que, surpreendentemente, não eram rompidas pelos ecos dos vendedores ambulantes. Afinal, na ocasião, era possível contar nos dedos o número de comerciantes oferecendo algum tipo de souvenir do evento.


Dentro do Espaço Unimed, já às 20h, as pistas já se encontravam densamente preenchidas. Inclusive, àquela altura, vários eram os pagantes que optavam pela estratégia de sentar na tentativa de garantir seu metro quadrado, deixando ainda menos espaços livres para circulação.


Às 20h25, aqueles que estavam sentados levantaram, abrindo um confortável espaço e fazendo com que a plateia, no geral, pudesse andar alguns passos para mais perto do palco. Pouco depois, as medidas de segurança e a apresentação da casa foram transmitidas nos telões a um volume razoável, energizando repentinamente o público, que, de súbito, se colocou em um alerta tal como se o show fosse começar naquele momento.


A passagem de som da bateria e da guitarra, realizada naquele instante, poderia ter sido uma alegre distração, não fosse o fato de o palco ainda estar escuro, pelo volume da música ambiente e pela intensidade das conversas paralelas. Nesse ínterim, quanto mais o tempo passava, mais olhos curiosos eram vistos direcionando a visão ao palco.


Às 20h46, qualquer que fosse o burburinho ocorrido nas cortinas do palco causava repentino alvoroço. Minutos mais tarde, os telões se apagam, mantendo apenas a luz branca central acesa. Nisso, apenas a frente das pistas recebia luz, causando a impressão de adoração quase mitológica por figuras que ainda subiriam ao palco.


Foi no último segundo que antecedia a passagem das 20 para às 21h, em uma pontualidade assustadora, que o palco se iluminou com um tom de azul místico. Dali, se seguiu um estrondo de palmas e gritos estridentes enquanto os integrantes se posicionaram ao palanque já introduzindo Silver Tongue, dando início, assim, à apresentação do Alter Bridge. Durante a execução da faixa, cheia de pressão, o público cantou em coro o refrão e se dividia freneticamente entre gritos histéricos e olhares de pura admiração. Aproveitando a situação e sem o mínimo de esforço, Myles Kennedy conseguiu puxar palmas da plateia durante a última repetição do refrão.


Addicted To Pain, recebida aos gritos, teve refrão cantado energicamente pelo público, que levantava, sempre com firmeza e rigidez, as mãos chifradas o mais alto possível. As palmas foram outro artifício novamente utilizado, mas, dessa vez, durante a ponte, que foi seguida por um solo de guitarra que deixou a plateia em um estado de quase entorpecido êxtase.


Sem tempo para deixar o público puxar o ar, Ghost Of Days Gone By chegou também com boa recepção e contando com o compasso das palmas do público, assumindo a forma de cadência rítmica da introdução melódica. Durante a canção, parte da plateia se perdia em delírios sentimentais em virtude da harmonia flertante com o melodramático que transpirava da performance.


Olá São Paulo! Wow, what a fuck? This is incredible, thank you so much!”, disse Kennedy entre risos de surpresa e comoção antes de comunicar que, em seguida, Sin After Sin seria a canção a ser introduzida e que, posteriormente, foi assistida com olhares de pura admiração quase ultrarromântica.


Depois de uma introdução improvisada por Kennedy ao modo blues, os pagantes já entravam em um frenesi de choro e excitação por já saberem se tratar de um abre-alas para Broken Wings. Quando os primeiros acordes reais da canção começaram a ser executados, aquilo que tinha sido promessa de lágrimas virou realidade. O Espaço Unimed, como um todo, teve os olhos marejados pela melodia e interpretação da canção, mas também pela emoção que transcendia de cada indivíduo ali presente. Ao comando de Kennedy com seu “sing it!”, o público cantou em uníssono o refrão, enquanto o cantor parecia se movimentar de tal forma a estar regendo uma orquestra. Foi assim que a performance de Broken Wings pareceu uma verdadeira ópera, e, portanto, o primeiro grande ponto alto do show.


Passadas Burn It Down, cantada surpreendentemente por Mark Tremonti, e a explosiva Cry Of Achilles, que teve um público como um só corpo pulsante em seus pulos frenéticos durante o instrumental inicial, o palco ficou com apenas uma branda iluminação na parte frontal.


Tal claridade propositadamente apenas clareava o banco, Kennedy e o violão. Watch Over You, de maneira intimista, se iniciava já com a capacidade de levar às lágrimas do mais novo ao pagante mais velho da plateia. Não havia distinção de sexo, origem ou idade. A água escorria livremente pelo seio da face dos presentes. Não à toa que, em um coro emocional, o público cantou toda a canção junto a Kennedy em uma sincronia quase espiritual.


Seguindo o mesmo caminho e sem deixar as pessoas se recomporem, Tremonti se sentou ao lado de Kennedy e, juntos, tocaram uma versão acústica de In Loving Memory. Sem pudor, vergonha ou timidez. Com esse cenário, o público se sentiu à vontade para externizar nas lágrimas movidas por aquele momento, toda nostalgia e eventual sofrimento que se encontrava nos confins do inconsciente. 


Com introdução bluesada, Kennedy se posicionou afrente do palco e puxou Blackbird, a faixa tida como hino do Alter Bridge. Cantada em coro e dividindo espaço com a infinidade de câmeras de celulares estrategicamente posicionadas na ânsia de capturar o melhor momento da performance, fosse por foto, ou vídeo, ela levou os presentes a um delírio entorpecido. Com refrão cantado em uníssono entre cantor e público, canção ainda teve o instrumental final ecoado por assobios vindos da plateia que tomaram conta reverberando por todo o ambiente.


Outro momento que merece destaque ocorreu logo após a execução brutal de Come To Life, faixa ouvida por uma plateia calada, como em uma seita religiosa. “I don’t even know if I remember this”, disse Kennedy sem jeito, enquanto, a pedido de uma pessoa que se posicionava próximo à grade da pista premium, introduziu, inicialmente apenas acompanhado pela guitarra, Lover. Foi no refrão que os outros músicos entraram, criando um ambiente densamente dramático e inesperado. “It’s a shit show”, falou Kennedy em referência à performance um tanto desajeitada.


Seguiu-se Pawns & Kings até que Isolation entrou em cena com um público entregue aos gritos e coros em alto e bom som durante o refrão. Porém, o que mais se ouvia era a rouquidão dos presentes tentando fazer as pronúncias das palavras ouvidas de alguma forma. Mesmo sem voz, o público fez valer sua entrega.


Foi durante Metallingus, porém, que ocorreu o ápice de interação banda-público. Depois de apresentar o baterista Scott Phillips e o baixista Brian Marshall enquanto esses faziam a melodia introdutória da canção, seguida por um público que se arriscou em efetuar pulos letárgicos, mas com evidente adrenalina nos olhos, Kennedy tomou a plateia para si. Com seu poder de influência, o cantor fez com que cada setor do público gritasse a seu comando de maneira individual a partir da movimentação de seus braços. Quando a execução da faixa foi devidamente retomada, a plateia pareceu revigorada por entregar, dali para a frente, uma participação ainda mais intensa.


Enquanto as luzes do palco se apagavam e os integrantes deixavam o palanque, o público, já com feições entristecidas, se conformava com a iminência de que o bis estava próximo. Foi então que, entre os pedidos frenéticos pelo retorno dos músicos ao espaço, Marshall retornou segurando a bandeira do Brasil na altura do peito e Tremonti puxou a introdução de Open Your Eyes, dando, assim, início à primeira faixa do encore. Nela, o público participou ativamente entre cantorias e valsas braçais amaciadas no compasso da melodia melodramática. O ponto mais marcante dessa performance específica se deu no coro vocálico feito à capella pelo público, seguido pela interpretação visceral de Kennedy nos versos restantes.


Depois de um solo introdutório bluesado, Kennedy fez nascer Rise Today, a saideira. Sem qualquer pedido, público promoveu palmas durante todo o instrumental inicial. Retomando o fôlego, a plateia foi, ainda, instigada por Kennedy a cantar parte do refrão à capella enquanto fazia o compasso rítmico com as palmas. Foi então às 22h54, com os autofalantes reproduzindo My Way, que o segundo show do Alter Bridge em São Paulo e o primeiro da pernada sul-americana da Pawns & Kings World Tour, chegava ao fim.


Pontual, preciso, explosivo. Intenso. O show do Alter Bridge foi marcado por melodias nostálgicas e sentimentais enquanto contrastavam com o bruto. A perfeita mescla entre o antigo e o novo em uma clara evolução de composição e amadurecimento como banda e como coletivo.


A sinergia entre os músicos foi evidente, mesmo que não houvesse interação direta entre eles. Phillips, mesmo nos momentos de insanidade, fazia suas frases com uma suavidade quase valsante. Marshall, por sua vez, fazia suas partes sempre munido de uma feição de bad boy. Já Tremonti, se misturava entre empatia e intensidade. Kennedy, por fim, era a perfeita combinação do carisma com timidez e a gratidão resplandescente pela receptividade calorosa que o grupo recebeu.


Por parte do público, a performance foi como um culto de adoração. É verdade que as interações foram padrões, com suas batidas de palmas, mãos chifradas ao alto, o balançar dos braços e os coros. Ainda assim, era notável a intensidade, a vivacidade e o senso de satisfação da plateia em assistir a um show do Alter Bridge


Em meio ao seu setlist de 17 canções e sua duração de 1h54, apesar de não ter incluído nenhuma canção dos álbuns The Last Hero e Walk The Sky​, a banda promoveu um presente ao público paulistano e, acima de tudo, à plateia brasileira. Afinal, em 19 anos de história, o grupo criou uma forte base de fãs no país, mas que só pôde vê-lo em duas ocasiões.


Especificamente, diferente da performance executada durante o São Paulo Trip, a presente apresentação, assim como aconteceu com o Steel Panther semanas antes, serviu como a primeira passagem do Alter Bridge pelo país como headliner. E a conquista não foi menosprezada.


Com vários pontos altos, destacando as performances de canções como Broken Wings, Watch Over You, In Loving Memory, BlackbirdMetallingus e a improvisação repentina de Lover, o grupo conseguiu excitar, energizar, contagiar e, ao mesmo tempo, emocionar todos os pagantes presentes com um som bem equalizado, vocais e instrumentais fortes e consistentes.


E, assim, a primeira performance da pernada sul-americana da Pawns & Kings World Tour deixou o público paulistano, naquela noite de 08 de novembro, com gosto de quero mais. Ainda assim, a apresentação serviu como um estancamento entorpecido da ânsia e necessidade da plateia brasileira para com o Alter Bridge. Foi como matar a saudade através de um abraço apertado seguido por uma despedida regida por um simples, mas esperançoso ‘até logo’.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.