Seu início é floral, suave e refrescante. Indicando a criação de um ambiente romântico, a forma como o piano se movimenta causa, inclusive, a impressão de se estar imergindo no mundo maravilhoso do inconsciente através do sonho. No entanto, assim que a bateria de Luckas Oliver entra com um golpe certeiro e explosivo, o torpor é rompido e o ouvinte se dá conta de que a paisagem observada até então não é ilusória, mas, sim, realista.
Conforme Ray Lacerda vai inserindo educadamente sua voz de timbre empostado nas camadas líricas, a canção vai amadurecendo sua melodia a ponto de ela assumir contornos aveludadamente sensuais pertencentes ao soul. Delicada e extasiante, a sonoridade passa a assumir uma arquitetura linear capaz de manter a energia de sedução e desejo que dela é transpirada.
Graças ao instrumental frágil em sua sensualidade afofada e inebriante formada pela união sincrônica de guitarra, baixo e bateria, a canção consegue atrair o ouvinte com facilidade para si. Porém, é com a delicadeza do sonar ácido e adocicado do hammond que Desejo adquire seu caráter harmônico.
Com essa roupagem quase libidinosa, Desejo é uma canção cujo enredo lírico traz um personagem perdido de amor e tentação por outro alguém capaz de lhe tirar a lucidez. De essência aromaticamente romântica, a faixa consegue seduzir o ouvinte desde a sua melodia e chega a transferir, ao espectador, toda a ânsia, a excitação, a inquietação e o nervosismo de estar na presença daquele indivíduo por quem se nutre tanta volúpia.
O interessante é que essa essência foi muito bem sintetizada pela arte de capa. Assinada pelo próprio Lacerda, ela consiste em um lábio de tom vermelho vivo sendo mordiscado em uma pose que denota o fogoso, o tesão, o desejo. O curioso é que, a partir dela, o cantor se assemelhou às logomarcas de bandas como The Rolling Stones e Dirty Honey, mas nada que interfira em sua praticidade.