NOTA DO CRÍTICO
A cena independente está tendo um crescimento considerável no Brasil já no início deste ano. Depois de exemplos como Fábio Cardelli, Liférika, Hit the Noise, Stoned Hare e Cali lançarem seus produtos sem auxílio de gravadoras, mais um grupo veio integrar esse time. Com dois EPs já em sua bagagem discográfica, o Skinner Project apresenta Sound Connections, seu primeiro disco de estúdio.
Um ambiente que mistura o transcendental com o astrológico. Uma voz feminina e metálica surge como um guia turístico dizendo, em um inglês claro e pausado, o que o ouvinte está prestes a descobrir e qual a melhor maneira de fazer tal ação. Logo em seguida, uma voz masculina se apresenta. Em tom igualmente metálico, mas curiosamente mais harmônico, essa voz, também calcada no inglês, surge com frases sutilmente rápidas que dão passagem para um instrumental anestesiante, cujo protagonismo é de Alexandre Ferronato, quem imprime, na guitarra, um riff sutil, quase nostálgico, e com dedilhados rápidos pontuais. A melodia de Phantom Pain em si, um eletrônico que remete às melodias apresentadas nas canções dos últimos álbuns do Linkin Park, é calma e tranquila. Mas ela guarda algo que surpreende o ouvinte. Entre a primeira e a segunda estrofe surge uma guitarra áspera e cuja agressividade parece ter sido controlada por morfina. Afinal, ela é percebida, mas de uma maneira aveludada, como se uma doma protegesse o ouvinte de seus efeitos destrutivos. Eis então que, do eletrônico, surge a imersão em um tipo de progressivo que conquista a partir de um swing curioso e um groove aparentemente próprio. Um single baseado na estética sonora europeia, cuja semelhança cai para bandas como Europe, que possui crédito inteiramente de Leo Skinner.
O synth pop toma conta da base rítmica de A Broken Window, uma música que, mesmo com uma guitarra de riff groovado, prevalece a estética do pop eletrônico. É verdade, porém, que existe uma dualidade rítmica bastante forte na estrutura da canção. Afinal, o pop eletrônico está ali, presente, ao mesmo tempo em que um groove de brechas que dão passagem a riffs distorcidos, os quais, por meio de Fernando Coelho, entregam uma coloração mais viva e altiva para uma paleta constituída por tons pastéis e, por vezes, sem punch.
Ao contrário do que já vinha parecendo uma estrutura padrão, Reliable Things não começa com linhas melódicas inclinadas para a estética pop ou synthwave. Ela já vem com traços do rock alternativo trazidos por Gui Beltrame que se mistura a elementos do progressivo. Esses últimos conseguem construir uma hegemonia tamanha que passam a dominar toda a questão melódica da canção, a tornando inteiramente um produto progressivo. De baixo bastante presente, a música possui ainda linhas de bateria bastante elaboradas e cheias de repiques, criando um movimento mais fluente.
Com uma estética que beira o artpop desde sua introdução minimalista, The Missing Song possui uma melodia de ares melancólicos. Mesmo assim, a canção possui um pré-refrão tão melódico e sedutor que, junto com o refrão, faz o ouvinte se libertar, mesmo que por alguns segundos, dessa veia sofrida. É em meio à estrutura contagiante e triste do baixo que surge uma voz feminina, forte e aguda com leves toques de grave. É Lais Gonzalez imprimindo uma potencia que, ao mesmo tempo, beira o sutil. As cores entregues por ela acabam casando muito bem com a estética melódica da música.
O synthpop assume a dianteira com força na introdução de Danger. Saindo daquela energia mais sofrida e triste trazida por The Missing Song, o que a presente faixa oferece ao ouvinte é um remédio para ajudar a elevar os ânimos. O som do teclado perambula pelas coxias da melodia, enquanto a aguitarra imprime traços do pop alternativos que remetem a sonoridade do David Guetta. Curiosamente, a harmonia construída pelo baixo se assemelha com a roupagem de canções da Banda do Mar.
Contagiante e sedutora desde seus momentos iniciais. Celebration é uma canção de sonoridade linear que possui um groove de movimento suave, mas capaz de conquistar o ouvinte com sua simplicidade. Existem momentos, contudo, que as frases melódicas pendem para o metal e suas respectivas precisão e força. Em verdade, a canção possui um poder de atração ainda maior do que aquele apresentado em The Missing Song. Auxiliando nesse processo está Filipe Coelho, que comanda os riffs de guitarra e lhes entrega uma temática mista entre o indie e o alternativo.
A melodia mais pesada e, talvez, também a mais agressiva dentre todas aquelas apresentadas nas canções anteriores. Sem brecha para artopop, synthwave, synthpop ou mesmo o eletrônico, Algorythm é uma música de estética puramente metalizada. Grande contribuição para o feito está no dinamismo, na cadência e na agressividade dos grooves da bateria feitos por Lorena Coelho. Combinando com esse ambiente, Skinner surge com uma voz de tom mais azedo e com momentos de drive para casar com a agressividade melódica. É verdade, também, que a canção guarda momentos em que o punch convive harmonicamente com elementos eletrônicos que perambulam na base rítmica, o que entrega uma musicalidade interessante.
Alternativa e nostálgica. Essas são as características que definem, de início, a melodia de Instafame, a saideira de Sound Connections. Com uma complexidade sonora interessante, a música possui uma bateria cheia de repiques, uma guitarra que se comunica por meio de vaivéns entre as escalas e o som de teclado que fica na base como um auxílio onipresente. Com o maior groove e a maior complexidade harmônica dentre todas as outras canções, a presente faixa beira o funk. Mas não só isso, a melodia apresentada possui grandes semelhanças com aquela criada em Let’s Dance, single de David Bowie. Em sua, Instafame é o principal cartão de visita de todo o álbum do Skinner Project.
Como o próprio nome do álbum sugere, cada uma de suas oito músicas respeitam a premissa de conexão entre sons. Afinal, as faixas não possuem apenas um gênero musical. Elas são divididas em partes de tal forma que cada uma dessas fatias, mesmo que de estilos diferentes, se comuniquem e acabem criando, no último verso, uma sonoridade única.
É exatamente esse o processo que é realizado nas canções de Sound Connections: os gêneros se apresentam de forma solo e vão se fundindo aos poucos. É verdade, porém, que existem aqueles estilos com supremacia, tais como o progressivo, o synthopop e o eletrônico. Esses são os gêneros musicais que aparecem mais vezes entre as melodias, deixando o álbum com uma energia que beira o pop metalizado.
De toda a forma, a essência do álbum é a democracia entre os gêneros. E é essa a essência que foi captada pela arte de capa. Feita por Clara Luz Romagnolli, ela traz a questão da fusão e até a ideia do eclético a partir do personagem central que, por meio de um capacete cheio de fios, parece estar recebendo as diversas sonoridades do álbum. Além disso, conceito da capa apresenta, ainda, por meio de seus tons que beiram o frio e o suave, a ideia de leveza, do astral e do transcendental.
Lançado em 15 de março de 2021 de forma independente, Sound Connections é progressivo, mas também eletrônico. É synthpop, mas também alternativo. É artpop mas também metal. É uma fusão que defende o eclético e a união das tribos. Um trabalho experimental de e para todos os públicos.