Resp - ESCAMA

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Dois anos depois do bem avaliado 2x (2020), o Resp, projeto idealizado por Lorenzo Molossi, anuncia um novo material. Vendido pela imagem de ser ainda mais pesado que seu antecessor, ESCAMA chega com seus primeiros dias de vida já com turnê de divulgação em cidades como São Paulo (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Joinville (SC).


Um som agudo, ecoante e hipnoticamente tilintante se faz ressoar pelo ambiente silencioso. Junto ao curioso sonar borbulhante, ele dá passagem para um groove macio, mas acelerado, que é preenchido por uma guitarra sucinta, mas de riff propositadamente ácido. Como se perdido em seu próprio devaneio mental, Resp coloca sua voz nitidamente mergulhada em um intenso estado de torpor desenhando a tela construída pela melodia industrial. Entre rompantes bojudos do baixo, Bordas, cujo timbre e interpretação vocais criam total sinergia com aquela proposta por Resp, auxilia na absorção de uma intensa e tátil melancolia. Não à toa que Outra Pele usa o tom entristecido para falar do desejo de recomeço ao mesmo tempo em que parece dialogar tanto sobre amadurecimento quanto insegurança e uma insana vergonha de mostrar a própria essência - ou a coragem de assumi-la.


De início desarmônico e estridente, existe uma mistura de trap e rap na criação sonora da presente faixa. Cheia de coloquialismos, Snake Spirit tem a participação da voz folgada e ácida de d4crvz na construção lírica, quem, inclusive, deixa evidente qual é a verdadeira mensagem deixada de legado pela canção. Metaforizando a inveja, o julgamento e o orgulho ferido, Snake Spirit é também a representação do ato esnobe e de negação dos mais favorecidos perante os menos afortunados, aqueles que distorcem a paisagem urbana da perfeição. De outro ângulo, Snake Spirit é também uma canção que dialoga sobre falsidade de maneira ríspida e direta.


De amanhecer swingado que logo é esmagado por uma frase suja, áspera e ácida que flerta com a estética do grunge, a canção engana em relação à energia que se dispõe a disseminar. Afinal, enquanto ela segue estridente em sua precisão cadenciada, Resp já entra com um vocal mole e melancólico que é seguido de uma estrofe rappeada e cheia de rimas. A partir dela, ministrada pelo vocal de Omar, é que Teus Olhos tem seu enredo enfim evidenciado. Trazendo à tona a relação com a fé, a irresponsabilidade associada à imprudência, e o estado de insensibilidade, Teus Olhos é um diálogo sobre o luto, sobre a memória e sobre a vontade insana de se livrar da dor.


De início entorpecidamente melancólico a partir do riff ondulante da guitarra, o beat da bateria traz velocidade, movimento e uma cadência ritmada que abraça e convida o ouvinte para caminhar nessa nova jornada proposta por Resp, que aqui entra com um timbre nitidamente mais grave. Assim como Snake Spirit, Cosmorigem RMX vem preenchida por variados coloquialismos que incitam o desejo pela tranquilidade, pela paz e por uma vida sem problemas. Com um fundo romântico tal como em Teus Olhos, a presente faixa tem a companhia de Joca e seu timbre grave-agudo cariocado, um ingrediente que auxilia na ampliação da densidade do sensível. Afinal, Cosmorigem RMX fala sobre inseguranças, incertezas, medos e a vontade de trilhar o caminho daquilo que é certo. É uma canção que, além de instigar o enfrentamento das adversidades da vida, ensina e incita a não desistência do que quer que seja.


Chiados introduzem o lo-fi em meio à base rappeadamente sensual. Ganhando uma maciez palpável a partir dos cantarolares serenos vindos do vocal aveludado de Fernanda Coral, Outro Nome flerta com o trap enquanto dialoga sobre a perda da sanidade, o experienciar de eventos dramático-chocantes. Com auxílio de Fernanda, que aqui é como se assumisse o personagem da voz da consciência, ensina não apenas o personagem lírico, mas também o ouvinte, a conseguir se encontrar em momentos de tensão que pedem controle emocional e resistência. A imprevisibilidade da vida, a liquidez do destino, a rapidez do tempo. O viver não é fácil, mas assim como mostrou Cosmorigem RMX, a força para seguir está dentro de cada um. E é aí que entra Outro Nome, pois ela mostra a possibilidade de criar uma firme ligação com a força interior e a perseverança para entender o caminho que a vida está construindo.


Os golpes precisos e intensos da bateria são os ingredientes que puxam uma visceral, dramática e ácida melodia. Curioso notar que os sobrevoos quase angelicais do vocal agudo de Eduarda Hipólito ajudam a suavizar essa dor enigmática destilada pela sonoridade sem qualquer tipo de aviso. Com base rítmica bem cadenciada e entristecida em suas frases raps, A Queda é como um enredo que sonoriza a lei da ação e reação. Muito mais do que isso, a música traz a agonia de um personagem perdido em sua própria ausência de identidade, de noção de pertencimento. A Queda segue o conceito de perseverança mantido em Snake Spirit, Cosmorigem RMX e Outro Nome e mostra que enquanto o coração bater ainda há um motivo para lutar não apenas pela vida, mas pela construção da autoconfiança alicerçada pela aquisição do amor-próprio.


Apesar da textura de veludo, existe um aroma floral de intensa e comovente dramaticidade que capta o ouvinte logo em seus primeiros instantes de sonorização. Trazendo uma espécie de quebra enérgico-melódica, Resp se insere no contexto com uma voz grave e em versos quase falados. Assim como Snake Spirit e Cosmorigem RMX, o enredo vem recheado de coloquialismos e uma informalidade popular latente que representa a linguagem do dia-a-dia como mais um artifício na criação do elo músico-ouvinte. Novamente trazendo um ecossistema de superação e persistência, 3:33AM é como o acordar na madrugada com o cérebro fervendo de tanto pensar. Um pensar que nem o aquecer do cobertor, o afofar do travesseiro e a maciez do colchão são suficientes para promover o mínimo de relaxamento. É nesse ponto que o personagem de 3:33AM se encontra: no momento em que reflete sobre seus atos e percebe que, não importa quanto tempo passa, as emoções sempre retornam para inserir a angústia na rotina. Emocional, 3:33AM é uma faixa que, assim como Teus Olhos, traz o personagem se apoiando na fé como um alicerce de força, motivação e inspiração para enfrentar a agonia e o incessante desconforto de se perceber perdido em culpas de um passado atormentante.


Crescente em seu torpor em meio a uma sonoridade pop moderna, a nova canção traz um lirismo pronunciado de forma macia e quase sussurrada. De todas as canções presentes em ESCAMA, Noite Infinita se apresenta como sendo aquela mais consciente da própria realidade do cantor. Sem tristeza, melancolia, remorso ou qualquer tipo de sofrimento, a canção é um diálogo com o presente, com a gratidão associada à humildade e simplicidade. Apresentando uma camada madura de Resp, Noite Infinita, com sua mistura de trap e house music, traz alguém sedento pela vida, aquém de certos comportamentos atiçados pela fama, como ambição e ganância. É o momento em que Resp finalmente se encontra, se compreende e se aceita.


Apesar de Noite Infinita ter sido um salto rumo à autoconsciência e aceitação da própria realidade, o novo cenário amanhece novamente cabisbaixo e entristecido. Puxado por notas tímidas, mas lamentosas da guitarra, BIOS vem, inclusive, com um aroma adocicadamente dramático. Dando vida à angústia sentida pelo personagem lírico, a música acaba sendo como a sequência de Noite Infinita, mas sob uma ótica mais realista. A decepção e o cansaço da entrega como última cartada para atingir o sucesso desejado é algo latente no enredo, assim como a saudade de um passado regado pela possibilidade de ser quem se é, uma nostalgia visceralmente dialogada também em Burn, single de JUNE. Sem comemorações, sem sorrisos, sem gana, sem êxtase. O fim de ESCAMA, pela ótica de BIOS, representa o canibalismo agressivo do mundo do entretenimento e seu efeito perante aqueles que entram nesse universo apenas com a intenção de ganhar o pão de cada dia sem mudar sua essência.


Por vezes dissonante e desarmônico, ESCAMA é um trabalho que se utiliza de todos os atributos que estão ao seu alcance para falar da vida, da fama, da rotina e, principalmente, exortar as emoções mais doloridas como forma de aliviar a consciência. É por isso que o álbum soa ácido, ríspido e agressivo em suas narrativas repletas de coloquialismos e informalidades.


Autobiográfico, ESCAMA é o livro da vida de Resp, ou Lorenzo Molossi. É onde ele consegue exalar suas angústias, suas decepções, suas agonias, seus medos e suas inseguranças. É por onde ele consegue exercitar o ato de falar consigo mesmo no intuito de entrar em sintonia com sua própria essência e fugir dos pensamentos negativistas e depreciativos.


Vendido pela melancolia, o álbum traz alguns capítulos importantes para a construção não apenas de seu conceito, mas sobre quem Resp é e o que procura ser. A Queda, Snake Spirit, Cosmorigem RMX e Outro Nome dialogam sobre a motivação para continuar na luta pela vida. Já em Teus Olhos e 3:33AM, descreve a fé como elemento principal na construção de uma base sólida para tal motivação pela vida.


Contudo, as duas principais faixas de ESCAMA são as sequenciais Noite Infinita e BIOS. Afinal, enquanto uma traz maturidade, consciência e aceitação da realidade sob uma ótica nitidamente regida pela excitação, BIOS vem mais realista e traz as verdades inerentes ao mundo do entretenimento, motivo de desejo de Resp.


Autoproduzido, ESCAMA é banhado por uma conjuntura rítmica que transita pelo trap, o rap, o pop e a house music como método de conseguir comunicar, da melhor forma, as emoções sentidas por Resp em cada assunto tratado por entre as nove faixas que banham o álbum.


Finalizando o escopo técnico do disco, vem a arte de capa. Assinada por Eduarda Hipólito e Jordy Kuster, ela surge simples em sua estrutura, mas de visual significativamente sincrônico com os conteúdos do álbum. Trazendo o rosto de Resp em evidência, com uma feição séria, mas que não esconde a tristeza, a obra é banhada pela mescla de luz e sombra, preto e branco. Pode ser um luto pelo passado não mais alcançado ou, também, a representação da dor pela morte de um antigo Lorenzo Molossi que hoje se vê transformado pelo mercado da música.


Lançado em 15 de setembro de 2022 de maneira independente, ESCAMA é um álbum autobiográfico ácido em sua melancolia. Um trabalho conceitual que representa as dores, a saudade, o medo e a insegurança de um indivíduo longe de si mesmo, mas perto do alcance daquilo que um dia foi seu maior objetivo de vida: a fama.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.