NOTA DO CRÍTICO
Pouco depois de completar um ano de formação, o duo despretensioso Smith/Kotzen volta ao estúdio para compor o sucessor do aclamado e bem-recebido álbum autointitulado. Nomeado Better Days… And Nights, o novo álbum da dupla é preenchido por músicas do EP Better Days com outras faixas apresentadas somente na Trans-Atlantic 22 Tour.
Puxada por uma bateria limpa dominada por Bruno Valverde e um baixo bojudo e cheio de groove, a canção já tem um despertar repleto de swing e sedução. Misturando elementos do folk e do hard rock, Hate And Love chama atenção novamente pela divisão bem-estruturada dos vocais de Adrian Smith e Richie Kotzen. Em clima de festa e de total liberdade, a canção vem com um lirismo excitante que convida o ouvinte a escolher entre o ódio e o amor. Hate And Love é uma canção de cunho romântico que apresenta um personagem que busca a redenção depois que o sistema o corrompeu para inimigo.
Um country folk eletrizante é apresentado logo de início. Repleto de swing trazido pelo uso do lap steel, agressividade provocante pelos gritos da guitarra de Smith, groove de base hard rock pelo baixo de Julia Lage. É assim que, como um chamado, Smith coloca sua voz suave em um tom que exorta um drive forte e treinado. Dividindo com Kotzen e seu timbre mais rouco, a dupla encaminha a canção para uma harmonia hard rock enquanto flui para um refrão cativante, excitante e de energia contagiante. Got A Hold On Me, trazendo uma estética sexy e perigosa que remonta a estrutura de Daddy, Brother, Lover And Little Boy, slingle do Mr. Big, traz um enredo que mistura selvageria e romance com grandes pitadas de sensualidade ao trazer um personagem que se mostra controlado pela pessoa por quem existe a paixão. É aqui que tem também ligeiras menções de manipulação, mas tudo imerso na roupagem da provocante atração física em que nenhuma das partes se vê livre da necessidade uma da outra.
“It’s about a journey for life”, inicia Smith enquanto pronuncia, na guitarra, notas ao acaso que já mostram densidade e um desconforto reflexivo. É assim que a plateia do navio é introduzida à faixa mais dramática de Smith/Kotzen, Scars. Ganhando ainda mais precisão ao vivo, a faixa adquire ares, inclusive, ainda mais sombrios enquanto a visceralidade se torna palpável com as performances de Valverde e Julia. Ao vivo, Scars adquire uma conotação ainda mais intensa e comovente, se tornando um dos pontos altos da apresentação.
“Alright. We’re gonna do a song for you called You Don’t Know Me”, diz novamente Smith ao puxar a introdução de tal música e dando sequência à energia dramática da apresentação iniciada com Scars. Chorosa e dolorosamente sofrida, a canção tem grande corpo entregue pelo baixo e possui, inclusive, frases lacrimais assumidas pela bateria. Tendo em si um lirismo carregado de culpa e remorso, You Don’t Know Me ajuda na construção de uma melancolia intensa e contagiante.
Retomando a sensualidade, a cor e o amornar do Sol, o duo, ao lado de Julia e Valverde introduzem, sem falatórios, a melodicamente romântica Running. Macia e contagiante, a canção narra a trajetória de um personagem em busca do significado e da motivação pela vida. Um personagem que percebe ser seu próprio inimigo no contorno do sofrimento rumo à plenitude do ato de viver. E é assim, entre revesamentos vocais e uma base rítmica sincronizada que a canção tem seu fim.
Better Days… And Nights serviu para mostrar que Adrian Smith e Richie Kotzen não são competentes no que fazem apenas quando protegidos pelas acolchoadas e acústicas paredes do estúdio. Ele mostrou que ambos conseguem reproduzir e se portarem afinados e sincrônicos mesmo ao vivo.
Apresentando ao público as até então inéditas Hate And Love e Gotta Hold On Me, vindas do EP Better Days, a performance de Smith e Kotzen contou com duas figuras novas completando o line up. Os brasileiros Julia Lage e Bruno Valverde mostraram estar sintonizados com o virtuosismo dos músicos e entregaram uma base rítmica sólida, macia e capaz de representar as emoções das canções, principalmente da dupla Scars e You Don’t Know Me.
Com mais esses dois integrantes, fica visível de que os anfitriões se sentiram mais confortáveis e mais à vontade em se deitarem nas rápidas improvisações e na possibilidade de maiores entregas durante a apresentação. E nesse aspecto, Adrian Smith esteve em destaque por conta de seus ousados drives e notável presença vocal.
Kotzen, por outro lado, não apareceu muito. Ainda assim, sua rouquidão e opacidade foram ingredientes indispensáveis na agressividade e consistência nas linhas líricas do álbum. Inclusive, em Scars, música em que tem majoritária participação, não desapontou ao pronunciar o último ato lírico-dramático com seu grito rasgado e de notas altas.
Além disso, Kotzen fez um bom trabalho, ao lado de Smith, assumindo também as funções de produção e engenharia de mixagem. Assim como Smith/Kotzen, Better Days… And Nights soou autêntico e preservou a pressão rítmica que é uma das marcas da sonoridade do duo.
Lançado em 16 de setembro de 2022 via BMG, Better Days… And Nights é um disco que prova que a parceria entre os contemporâneos, mas não conterrâneos, Adrian Smith e Richie Kotzen, não é passageira e não é falsamente glorificada. É uma parceria que, desde seu álbum de estreia, constrói um som consistente que oxigena a nova leva do hard rock global.