JUNE - Crying For Attention

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Ela tem apenas 23 anos, mas já participou e venceu o International Songwriting Competition. Durante a pandemia, foi para Nashville gravar seu EP One Not One, levando JUNE a iniciar uma nova fase na carreira que agora desemboca em Crying For Attention, o sucessor de Diz e seu novo disco de estúdio.


Com ares densos, dramáticos e sombrios, Swimming Back traz uma mescla com a roupagem trap em sua melodia e traz um personagem lírico novamente em caráter de estresse e com um desespero calado pelo desejo do retorno para uma vida comum em que o que se entrega é o suficiente e não apenas uma parte. O esgotamento físico-metal e as dúvidas sobre as escolhas tomadas dividem a personagem, que se vê na inconstante e dolorosa dúvida de voltar para uma vida comum ou continuar na luta pelo reconhecimento anteriormente buscado. 


Assumindo a ambiência da lounge music, Rivers é uma música de melodia curta e linear em cujo lirismo segue a mesma estética. Com movimento amaciado e contagiante, a canção traz uma mistura interpretativa intrigante em que o ouvinte pode identificar traços românticos e tensos. Em verdade, o que Rivers deixa de legado é um contexto de posse em que o personagem lírico se posiciona firme na proposta de manter a integridade de sua alma em uma clara tentativa de não deixar se corromper pelo sistema da cultura do entretenimento. De qualquer forma, é uma mensagem que vale para diversos contextos, o que cabe ao ouvinte identificar o que, em sua realidade, se encaixa melhor.


O amanhecer vem com uma brisa serena em sua levada lounge contagiante. Acompanhada de uma base linearmente preenchida por subgraves, JUNE torna o ambiente com um tom curiosamente triste enquanto dialoga, discreta e subliminarmente, sobre dependência. Uma dependência que se baseia na necessidade do outro para se sentir pleno, vivo e completo. Ou, ainda, como um escudo que protege o indivíduo contra ele próprio. Under The Ocean é uma faixa que fala abertamente, além desse tom de dependência, da grandeza dos sonhos, da ilusão e da triste verdade de que, nem sempre, o desejo é algo possível. Under The Ocean é a perfeita metáfora do ato de estar perdido entre desejos e sonhos que, no mundo real, não existem. 


Entorpecente, de toques ácidos e flertes tímidos com uma new wave setentista, a melodia inicial também comunica a inserção de pitadas de lounge e house music de maneira a fundir sensualidade ao universo da música eletrônica. Se mantendo em um nível de minimalismo rítmico capaz de construir uma melodia contagiante e despropositadamente sensual, Front Door é uma canção que mostra um personagem consciente de sua insegurança, mas que tenta, a todo custo, manter a carapuça de alguém forte e autoconfiante. Com baixos marcantes em suas linhas groovadas e sensuais que introduzem o R&B à melodia, é possível perceber até mesmo traços de um lirismo de base romântica permeada pela presença de bojudos subgraves. 


Entorpecida. Sua levada que mescla ingredientes da new wave ao pop moderno imputa um senso de embriaguez demasiado na melodia que consegue atingir o ouvinte por completo. Entre seus versos pronunciados com a boca quase cerrada, JUNE consegue pincelar tensão, toques curiosamente sombrios e uma despropositada sensualidade que, no decorrer da canção, acaba sendo um ingrediente inserido de forma consciente. Com pinceladas de R&B, Part Time Love tem o relacionamento como tema a suavizar o verdadeiro enredo, que mergulha rumo à insegurança, à instabilidade emocional e à necessidade de se mostrar, aos olhos dos outros, forte, imponente e até mesmo inabalável. Part Time Love é a rapidez e fluidez do tempo, é a sensação constante de um incômodo torpor. É a necessidade do se sentir vivo, presente. É como a fragilidade do cristal em contato com a superfície áspera. A música representa o grito de socorro de alguém preso em uma rotina desgastante e unilateral.


É como abrir os olhos e se perceber flutuando em um líquido viscoso, morno e confortável. Ou, ainda, é como se perceber em uma bolha que serve de transporte pelo inconsciente. Diferente de canções como Under The Ocean e Part Time Love, o presente capítulo traz uma alegria tímida, mas existente. Entre frases melódicas sensuais, Electricity explora o lado positivo não apenas da fama, mas da popularidade que o trabalho da música pode trazer. Excitação, energia, sedução. Êxtase. É como o capítulo final de um longo livro de pedidos sonhadores que, finalmente, se realizaram e que, agora, são vividos com extrema ferocidade e sede.


Com subgraves imitando os batimentos cardíacos ao fundo, a cantora invade a cena com uma sensualidade interpretativa elevada. Com evidentes influências de nomes como, Ariana Grande, Billie Eilish e, em menor grau, de Rihanna e Christina Aguilera, JUNE se apresenta com um vocal mais introspectivo e de pronúncia mais rígida. Melancólica, intimista e de traços sombrios que dão a conotação de um inconsciente repleto de sentimentos ambivalentes, Burn é uma canção cuja base melódica minimalista traz flertes com a estética sonora elaborada em Bad Guy, single de Billie. Trazendo um alicerce de pop moderno, a canção dá seguimento à narrativa da canção anterior, mas aqui com um contexto mais conflitante em que o personagem se percebe frio a partir do ato da criação de personalidades proveniente do mundo do entretenimento. Por trás delas, existem rostos entristecidos por não poderem ser quem são e é aí que vem o desejo da volta para casa, um processo que permite o contato consigo mesmo sem limite de tempo. Burn, uma música que reassume, gradativamente, os ânimos esgotados em Rivers, é um produto que simplesmente exorta o desejo de assumir a própria essência e viver uma vida sem se esconder. Uma vida de plena liberdade em que a expressão não se encaixa como inimiga do progresso. 


Entre interpretações tão introspectivas que soam quase sussurrantes, JUNE novamente mergulha em uma viagem à consciência da inconsciência buscando se encontrar. A rotina d trabalho tira do eixo, estressa. A necessidade molda a base rotineira da pessoa e por vezes questiona a própria essência do indivíduo. Esse é o labirinto narrado em Stressed Out, uma música pop e introspectiva que busca respostas e um alento à consciência já atordoada de alguém que só quer ser ela mesma. 


É como uma brisa floral carregada de um swing em processo de despertar flutuando pelo ambiente. Frescas e macias, as notas do piano dão um tom suave ao amanhecer da melodia, a qual já comunica a imersão no campo do R&B. É então que uma voz aguda surge em melismas como se fossem um personagem onipresente falando através da consciência. É JUNE invadindo o ambiente com uma interpretação lírica cheia de intimidade e de uma sensualidade despropositada a partir das pausas nas pronúncias das últimas sílabas. Apesar disso, o que o pop-R&B I Doubt traz é um personagem perdido em dúvidas sobre si mesmo. Inseguro em relação à sua capacidade, conhecimento, força, fé e sentidos, ele se percebe mentindo para si mesmo e sem meios de impedir tal comportamento. É como o amadurecimento, o descobrimento de sua própria essência, mas também é a evidência de como o ambiente consegue afetar, questionar e transformar a forma como a pessoa se enxerga como indivíduo. Não é algo fácil e prazeroso de se experienciar, mas é o conflito que JUNE vive em I Doubt, uma música com um fundo que beira um pedido de ajuda ainda tímido em consequência da ainda ausência de percepção da seriedade de tal situação vivenciada.


O sonar choroso puxado pelas notas aveludadas do fender rhodes confere uma conotação de intensa dramaticidade à introdução, algo muito diferente daquilo que JUNE tem experienciado até então. Curiosamente, a canção é aquela em que a cantora consegue expor toda a sua sensibilidade e seu lado afetuoso ao apresentar um enredo que, diferente daquele de Front Door, é puramente romance. Moldado como uma declaração de amor em que a cantora exorta o sentir protegida, acolhida e amparada na presença de outro alguém. Haven't Felt So Good é a balada introspectivo-romântica de demonstração de que basta um momento de compaixão e reciprocidade sentimental para que o emocional reassuma o equilíbrio. 


O veludo do fender rhodes retoma protagonismo durante a introdução, a qual já mostra imersões profundas na música pop. Entre subgraves e sonares agudos pincelados na atmosfera melódica,  So High acompanha um personagem em busca de uma vida melhor, algo que às vezes é feito a todo o custo. Seja na luta contínua para a melhoria da qualidade de vida ou como escapismo imediato, o eu-lírico se encontra na sina de um meio de suavizar os conflitos e as peculiaridades do viver.


Visceral, introspectivo e autobiográfico, Crying For Attention é um álbum que acompanha JUNE em sua incessante luta interna pelas dicotomias emocionais insurgidas a partir de sua entrada no mundo da música e entretenimento. É um disco que traz os prós e os contras de um universo estereotipadamente glamourizado sob a ótica de uma jovem catarinense que se percebe em uma nova jornada rumo ao autoconhecimento.


Não é fácil para um artista abrir seu coração e expelir todos os demônios que dialogam livremente em suas consciências, mas JUNE mostrou maturidade precoce em saber identificá-los e perceber como trabalhá-los. No entanto, essa não é uma tarefa fácil nem para os astros mais experientes. Não à toa que a artista marca o trabalho como um pedido de ajuda.


Essa ajuda não é apenas para lidar com as ambivalências emocionais, mas também para perceber quem de fato é a JUNE, quais são suas vontades, qual sua essência e como se manter firme à sua identidade mesmo diante de um mundo que molda o indivíduo em prol do lucro, do reconhecimento e da fama.


Mixado por nomes como Guigo Berger e Nico Braganholo, Crying For Attention  é um disco cujas linhas melódicas misturam R&B, pop, trap, house music e lounge music de maneira a soar jovial e o mais importante: musicalmente atual. Mas os produtores, por sua vez, cooperaram para o ressaltar de maturidade da cantora catarinense.


Lucs Romero, Gianlucca Pernechele, Pedro Soares, Felipe Pessoa e a própria Julia Sicone, ou melhor, JUNE, assinaram o processo de produção, tornando o álbum autêntico, emocional e por vezes angustiante. O álbum definitivamente é um marco na carreira da cantora, que tão precocemente, já tem noção de como funciona o mercado e quais são os esforços necessários para chegar e se manter no topo.


Por fim, vem a arte de capa. Assinada entre Rocket 9 Design e Flavio Malgarejo, a obra não tem virtuosismo. Trata-se apenas do rosto de JUNE em completa evidência com uma feição hipnoticamente entorpecida em seu desespero calado. Um retrato de alguém forte, mas que precisa de ajuda para se levantar nos momentos de tensão. 


Lançado em 20 de setembro de 2022 via PWR Records, Crying For Attention é um grito choroso não apenas por atenção, mas pela sensação do afeto transmitida pelo cuidado, pelo amparo e pela compaixão. É um disco bruto em essência e visceral em suas mensagens que exortam uma angústia biográfica de alguém que só quer dar, envolto em um abraço reconfortante, um forte e aliviante suspirar.
















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.