Gali Galó - Gali Galó

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Elu veio de Ribeirão Preto. Na capital paulista, descobriu novas possibilidades de liberdade e de expressão. Assim, Gali Galó se anuncia oficialmente no mercado musical brasileiro com seu álbum de estreia homônimo e auxilia no fortalecimento do movimento queernejo nacional.


É como a luz do Sol do amanhecer banhando as gotículas de água do gramado deixadas pelo sereno noturno. Isso ocorre graças ao frescor amaciado com que o violão de Felipe Miranda e Mônica Agena se movimenta em sincronia com a valsante agudez da sanfona de Thaís Andrade. Eis que uma voz de timbre denotativamente agridoce entra em cena, ampliando o escopo melódico. É Gali Galó dando liberdade para que a sonoridade de Lero-Lero encontre seu ápice dançante e contagiante graças ao groove da bateria de Nico em um refrão animado e grudento. É verdade que a sonoridade da canção não é aquele tipo propício e típico das sarradas sertanejas, mas ela permite a dança colada a partir de um lirismo interessante que trata, principalmente, de indecisão.


Com uma paisagem indiscutivelmente sertaneja graças à melodia desenhada pela sanfona desde o amanhecer melódico, a presente canção apresenta, ao fundo, uma voz de timbre grave e fanhoso dando apoio à Galó nos backing vocals de Meu Problema É Te Amar Demais, uma faixa que trata da forma mais doce e pura o que é paixão e o amor que uma pessoa sente pela outra. É o efeito de encontrar a cara-metade.


Mais melancólica e com base rítmica bachata em virtude da movimentação da conga de Rodrigo Corrêa em união ao groove da bateria de ​Bolha, Três Passinhos Da Derrota é a narrativa típica sertaneja que retrata aquele momento de fraqueza em paixões passadas. É quando o senso de autoconfiança e firmeza vão embora assim que a outra metade assume estar sentindo falta daquela relação outrora existente. 


Um rompante bojudo vem do baixo de Érica Silva, Lana Ferreira e Mônica enquanto as guitarras de Theo Charbel e Mônica vão desenhando linhas suaves de uma melodia tropicalmente havaiana. Macia e contagiante, a melodia amadurecida também com o auxílio suave do violão vai oferecendo tons bucólicos e curiosamente nostálgicos à canção. Inicialmente narrada por Gabeu, com sua voz mais madura, Na Frente Dos Bois é um material de fato nostálgico que rememora os tempos de ingenuidade e imaturidade. No entanto, a faixa traz uma mensagem forte de autoconfiança, satisfação com relação a si e, principalmente, a respeitar o tempo e o destino.  Na Frente Dos Bois é uma faixa que salta aos ouvidos por ser aquela mais sincera e autobiográfica até o momento de Gali Galó, pois retrata o desejo de crescer, de se independer e de descobrir novos horizontes. É o diálogo do presente com o passado.


Leve, doce, acústica. Praiana. A sonoridade que emerge do violão oferece uma valsa que remete a estética melódico-rítmica das canções de Colbie Caillat. Ao mesmo tempo, a levada criada pela bateria, em união àquela do violão, cria uma estética folk que rememora, levemente, às melodias do Legião Urbana. Com um gosto de sertão chuvoso, Já Deu tem, inclusive, um sobrevoo choroso, mas não dramaticamente visceral, do violoncelo de Pablo Arruda. E aí, o folk de Já Deu tangencia estéticas rítmicas de nomes como Carrie Underwood, pois há o de fato aquele folk mais raiz com pitadas do country estadunidense. Uma música sobre autovalorização, cheia de rimas e uma pitada de conformação dolorida.


É como o sonar do vento dançando no alvorecer do novo dia. As águas do riacho são preenchidas por uma luminosidade reconfortante enquanto o gramado vai se secando do sereno noturno. A agudez da sanfona, ao lado do viola caipira de Vitória da Viola, porém, dá um toque melodramático penetrante na melodia de Horizonte, uma música de veia sertaneja que fala de autoconfiança e predestinação, mas, acima de tudo, de superação. No presente cenário, é até possível visualizar singelas influências de Paula Fernandes na construção sonora da faixa. Não há medo do passado ou dores de um acontecimento recente. Em Horizonte há, sim, feridas que levaram a um fortalecimento emocional evidente no personagem lírico. 


A doçura segue seu curso, mas agora com um viés fortemente introspectivo e reflexivo como uma tarde chuvosa de outono. Com auxílio da inserção das notas graves de piano a partir do sintetizador de João Deogracias, Aceita oferece um sabor melancólico por meio de uma ambiência intimista como um monólogo mental. De letra forte e visceral, mas com uma interpretação quase calada que representa a repressão moral social, Aceita é uma canção autobiográfica que retrata a descoberta da sexualidade, o desejo de não mais se esconder nas vestes de alguém que não existe e, principalmente, o rompimento do medo da rejeição. Não à toa que “vou sair lá fora pra gritar tudo que lá em casa não chegou”, é a dupla de verso que define a história narrada pela canção, um importante single de Gali Galó.


Uma roupagem inédita. Os inexperienciados trap e pop se fundem com folk em uma melodia que, timidamente, tem linhas melódicas que recriam a estrutura do refrão de Unconditional Faith, canção do Gotthard. Entre sobreposições vocais, Caminhoneira evidencia a sede por liberdade, liberdade pela vida, liberdade de ser quem se é. Liberdade dos preceitos moralistas de uma sociedade conservadora e intolerante.


A introdução, em uma mistura dos ritmos pisadinha e forró em união à interpretação lírica, cria uma estética cômica que relembra o amanhecer narrativo feito por Henrique Lima em Dum Dum, single do Virgulóides. Swingada e contagiante, Humor De Furacão tem ainda um flerte com a temática eletrobrega que atiça ainda mais o lirismo que fala sobre azaração, conquista e, até mesmo, desejo.


Na forma de uma serenata que exala romantismo, Amantes já traz um corpo rítmico mais presente a partir das linhas bojudas do baixo e vem com uma tentativa de Gali em mostrar mais de seu alcance vocal, o que aqui é interrompido antes de seu timbre falhar. A partir do arrocha, momento em que Amantes chega na segunda estrofe, a narrativa passa a ser exercida pelo timbre grave e de raspas agudas de Alice Marcone, quem dá um segundo ponto de vista nessa história de amor e paixão. Amantes é a demonstração de afeto de duas pessoas que se amam e, acima de tudo, da força com que o destino age em prol do amor sincero.


Suspense. Dramática. Tendo no vocal de Gali a estruturação da cadência rítmica, a presente canção tem uma melodia de pouca instrumentalização, mas de teor fortemente provocante e sensual. É aí que entra em cena uma temática levemente pisadinha cuja narração lírica é feita pelo timbre grave e aberto de Aíla, Fluxo (Mulher Do Futuro) parece ser outra linha lírica de Aceita, pois aqui, mesmo sem drama e toques viscerais, há menções evidentes sobre a leveza de espírito que causa o momento em que a coadjuvante assume as vestes da própria essência. A euforia aqui funciona como uma metáfora à raiva e à angústia de estar aprisionado em um corpo ou assumindo comportamentos que não condizem com o verdadeiro eu.


O arrocha retorna com relativa força na introdução. Com veias nordestinas do xote que remetem à melodia de Rindo À Toa, single do Falamansa, Louco Apaixonado é uma canção animada e também forrozeada que dialoga sobre decepção, amor e ciúmes com bons toques regionalistas.


Dramática e densa, a melodia traz influências do bolero enquanto Fuga se mostra, assim como Aceita e, em menor grau, Fluxo (Mulher Do Futuro), uma canção autobiográfica e de fundo denso e intenso sobre um alguém em busca de si, em busca de liberdade. Em busca da aceitação. Em busca da assumição da própria identidade e de ser quem é. E por recompensa alguma se diria onde o eu-lírico em sua plenitude se encontra.


Gali Galó é brilhantismo, é ousadia, é referência, é interferência. Acima de tudo, o álbum é resistência e com a função de ser representativo. Porém, diferente de outros produtos musicais LGBTQiA+, o álbum não tem apelação ao sexo, à virilidade ou ao teor fogoso. Ele é simples, puro, direto, mas, também, intenso e cheio de detalhes autobiográficos.


Como referência na vertente do queernejo, o álbum de estreia de Gali Galó chama a atenção pelo teor dançante, mas também dramático de suas canções. Entre regionalismos e melodias cativantes, existem versos carregados de assinaturas autobiográficas que, de alguma forma, contam os desafios e as vivências tensas experienciadas pelu ribeirão-pretane.


Faixas como Na Frente Dos Bois, Aceita, Fluxo (Mulher Do Futuro) e Louco Apaixonado trazem bem uma assinatura da busca pela liberdade de assumir a própria essência, sem medo do conservadorismo, moralismo ou ainda da intolerância. E nesse aspecto, o álbum é recheado de melodias díspares, mas curiosamente complementares.


Mixado por Guigo Berger e Pedro Serapicos, Gali Galó funde o sertanejo com ritmos que caminham pelo trap, bolero, pisadinha, pop, folk, country, forró, xote, eletrobrega, arrocha e a bachata. É aí que entra a interferência, pois o álbum vem para romper o estereótipo de que os trabalhos LGBTQs são pautados por temáticas unilaterais e apelativas. E nesse aspecto, Mônica, com sua produção sensível, conseguiu manter o viés contestador e misturá-lo com entretenimento.


Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Assinada por Mah Matias e Pepe Ferreira, ela traz Gali Galó em evidência. Com topete à la Elvis Presley e uma vestimenta clássica de boiadeiro, há, desde aqui, a mistura da cultura massiva e popular com o regional, representando, assim, todo o viés melódico do álbum.


Lançado em 20 de janeiro de 2023 de maneira independente, Gali Galó é referência na vertente do queernejo, mas não só. É um trabalho que junta resistência e entretenimento. Junta cultura pop com a cultura regional. Une autobiográfica com representatividade. É a inovação da não apelação LGBT.




















Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.