Fabiano Negri - ZebathY

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Sexta-feira 13 é um dia repleto de superstições negativas. Imaginários medonhos, receios e crenças que se baseiam em folclores seculares, talvez milenares. Porém, tal data é um dia comum e como tal também é propício para receber novos produtos musicais. Não por menos, Fabiano Negri escolheu o dia para lançar ZebathY, um álbum que representa sua primeira imersão solo no campo do heavy metal.


A guitarra de Fabiano Negri surge distorcida, levemente áspera e desenhando contornos de um cenário sombrio. Em suas linhas, é possível notar forte influência da melodia soturna de 13, álbum do Black Sabbath, aqui com especial menção à segunda parte de God Is Dead?. Acompanhando tal riff vem uma bateria forte e em golpes precisos que imprimem consistência e pressão à melodia introdutória. O curioso é notar que, mesmo na brutalidade do som, existe um swing intrigante que entrega certa leva na escuridão. Quando a camada sonora é preenchida por um vocal leve e de áudio que causa a impressão de distância, The Pure And The Damned começa a ganhar significados verbalizados. Novamente sob domínio de Negri e seu timbre que, quando limpo, remete ao de João Kurk, o vocal transita entre o cristalino, o drive e o falsete enquanto vai introduzindo um lirismo sobre os dois lados da sociedade: o bom e o mau ao mesmo tempo em que ilustra a realidade da cultura evolucionista-capitalista de sempre colocar o progresso antes da liberdade.


Mais rápida e ainda mais metalizada, a melodia que se inicia é como uma valsa de raios e trovões rompendo a escuridão com seus clarões estridentes e ensurdecedores. É como se estivessem dando um susto na estranha calmaria da zona de conforto da escuridão. Partindo dos instantes iniciais, a sonoridade flui para frases mais melódicas que oferecem tira-gostos dramático-melancólicos preenchidos por um encorpamento presente que traz um casamento interessante entre tristeza e indignação. Esse ingrediente vem do baixo de Ric Parma, instrumento que oferece mais racionalidade à sonoridade de The Night Stairway, uma música que, fugindo das expectativas, flui para um primeiro verso metalicamente swingado e mais centrado que dá espaço para que o ouvinte perceba o conteúdo lírico da faixa, que representa a relação com a fé e como a sociedade lida perante ilusões e frustrações. O interessante é notar que, além de ter uma ponte entre pré-refrão e refrão com clara influência de Fear Of The Dark, single do Iron Maiden, The Night Stairway surpreende ao possuir um refrão melódico e cativante.


Firmes, solitários e ecoantes, os tons são ressoados perante um ambiente vazio e sem luz. É quase como se estivesse instaurando algum tipo de marcha. Eis que o baixo surge em sua companhia com um groove gordo, mas cujo olhar é de evidente cinismo. Completando o efeito crescente da melodia em construção, a guitarra vem depois da sexta frase transformando a melodia em algo dramático e com flertes com a roupagem thrash metal. Seven Reasons To Die é uma canção em que o eu-lírico dialoga diretamente com o demônio sobre mundo. Nessa conversa, ele tenta mostrar que o Planeta Terra é um bom lugar para se estar, mas salienta que depende do local e das necessidades, mostrando que existe uma heterogeneidade nos interesses e nas motivações. 


O hard rock domina a introdução com sua melodia mais digerível e compassos cativantes. Com groove evidente e frases de uma sonoridade marcante e linear, The Universal Builder é, assim como The Night Stairway, uma canção que trata da fé. Aqui, porém, o assunto é inerente a uma análise sobre a fé cega, a crença inabalável e sem questionamentos daquilo que é possível, digno ou mesmo certo. The Universal Builder é, ainda, sobre o livre arbítrio, mas também sobre a verdade sobre o mundo. Tal qual The Night Stairway, The Universal Builder é, mesmo estruturalmente mais simples, outro importante single de ZebathY.


Áspera e selvagem, a guitarra vem com um instinto provocante que atrai o ouvinte pela sua levada metalizada com flertes no hard rock. Enquanto a bateria entrega um groove levemente sujo que contrabalanceia a acidez do riff, o vocal consegue deixar o ambiente com pitadas dramáticas que se misturam com o sombrio. Envy’s Lust é uma canção que, sob uma roupagem europeia de hard rock, coloca em evidência os sete pegados capitais e traz a sociedade como, nas palavras do próprio Negri: “garbage in this world”. Ao mesmo tempo, porém, a canção tem o intuito de questionar esses comportamentos e instigar as pessoas a rompê-los para seguir rumo à evolução.


O baixo grave é quem puxa a introdução por singelos momentos de solidão. Afinal, logo ele é acompanhado por tanto por uma bateria de levada suja desenhada por Ian Pinheiro quanto pela guitarra de riff distorcido, sombrio e trotante tal como as melodias thrashers. De vocal metálico cuja semelhança com o timbre de Ozzy Osbourne é inegável, Negri vai proporcionando um lirismo que, em Bloody Dawn, é sobre a desaprovação de uma parcela da população formada por pessoas que tira a harmonia dos indivíduos. Se dirigindo diretamente aos cafetões, vagabundos e bandidos, o cantor exala um desejo de purificação social no sentido de expurgar toda a maldade do mundo para torná-lo mais benévolo. Referências a faixas como Crazy Train, Bark At The Moon e Zeitgeist, de autorias de Ozzy Osbourne e Black Sabbath, respectivamente, são evidentes na canção através das risadas inseridas por Negri. Bloody Dawn, apesar de ter flertes também com a temática do doom metal, pode ser facilmente incluída, ao lado de The Night Stairway e The Universal Builder, na lista de singles de ZebathY.


Solitária, metalizada e distorcida, a guitarra faz uma valsa cínica e debochada cuja levada persiste mesmo com a uníssona entrada do baixo e da bateria. Dramática, com pitadas sombrias, mas cuja melodia melancólica é evidente, Princess’ Stoned Sleep surpreende o ouvinte ao fluir para uma sonoridade blues que soa quase como uma jam session. Além de ser possível identificar pequenos goles na fonte nordestina a partir de um embrionário xote, a faixa assume engates explosivos entre pré-refrão e refrão que engrandecem sua melodia metalizada. É com essa trilha sonora que Princess’ Stoned Sleep retrata a solidão vencendo a esperança. A morte vencendo a vida. O rito de passagem estimulado por um instinto depreciativo fomentado por uma tristeza interna e nunca extravasada.


Apesar de puxada por uma bateria de quebrada acelerada, a introdução é dominada por uma melancolia regida pelo riff aveludado e triste da guitarra. Contudo, a canção flui para um primeiro verso intimista e de roupagem quase minimalista em que se percebe uma sonoridade mais contida que deixa o protagonismo absoluto para o vocal. Em Zebathy (The Mistress Of Darkness), Negri fala sobre a necessidade de construir uma identidade secundária para se sentir pertencente a uma sociedade regida pelo julgamento, intolerância e sexismo. Contudo, a canção traz o momento da morte como um momento de libertação, de finalmente explodir a verdadeira identidade tão censurada e apagada pela insegurança. 


É inegável, inquestionável, indubitável a imersão melódica no campo do heavy metal. Em Zebathy, Fabiano Negri não apenas reviveu o subgênero, mas também o misturou com outros gêneros dele originados e outras facetas do rock. Entre hard rock, blues, thrash metal e doom metal, o álbum exala honestidade e potência sob a ótica sonora europeia. 


Com oito faixas, o álbum chama a atenção por, entre os temas líricos superficiais das canções, como morte, religião e questões sociais, tópicos tipicamente temáticos do heavy metal, haver também espaço para assuntos mais profundos. Guiados por Negri, os temas têm a intenção de discutir o lugar da mulher não apenas na sociedade, mas também no meio do rock.


Beirando o caos e o terror melódico, Zebathy discute a impunidade, a intolerância, o sexismo, o machismo e, claro a desaprovação da mulher perante uma sociedade majoritariamente masculina. Faixas como Bloody Dawn e Princess’ Stoned Sleep ilustram bem a dialética do conceito do álbum: ambas trazem, de maneira evidente, os ingredientes do preconceito e como ele pode estimular comportamentos destrutivos para o próprio indivíduo que o executa. 


Toda essa construção foi possível graças à união de Parma e Negri na produção do álbum, pois é notável que ambos compraram a mesma ideia e se aliaram na tarefa de trazer o mais puro som do heavy metal para o disco. É isso que faz o trabalho soar tão honesto e fidedigno às temáticas lírico-melódicas de tal subgênero do rock.


Fechando o escopo de ZebathY vem a arte de capa. Feita por Wagner Galesco, ela traz um cenário mórbido e aterrorizantemente incômodo. Preenchida por um tom vermelho sangue envolto em pinceladas de preto, a cena central da obra de um ritual satânico rodeado por várias ossaturas cranianas. Um submundo que choca qualquer um que, indiretamente ou não, esteja ligado às críticas do álbum.


Lançado em 13 de maio de 2022 de maneira independente, ZebathY é um álbum conceitual não apenas em sua motivação melódica de reviver o puro heavy metal, mas também de representar a mulher de maneira a extravasar muitos descontentamentos que passam perante uma sociedade sexista.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.