A Transe - Chorey

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Depois de alguns meses que Andrea Martins anunciou Pequenos Grandes Universos, mais um EP visual chega à praça. Dessa vez, o novo produto é assinado por A Transe e é intitulado Chorey.


Por milésimos de segundo, os primeiros sonares ondulantes e embriagantes do sintetizador de Fernando Zorzal trazem à memória a melodia introdutória de Everybody Wants To Rule The World, single do Tears For Fears. A bateria de Henrique Paoli é o que desvirtua tal associação ao proporcionar a entrada do violão e o início de uma imersão no campo da MPB. O som do atabaque trazido pela percussão eletrônica de Paoli imprime pitadas de swing na canção que, durante sua introdução, funciona como o primeiro raiar do Sol banhando as águas do mar. Com a chegada do timbre agudo com um leve misto de estridência e acidez de Francesca Pera, a faixa-título vai ganhando uma cadência reggae popeada que imputa uma ambiência tropical à canção. Na ponte entre o primeiro e o segundo verso, o ouvinte tem uma surpresa ao ouvir um timbre suave que ganha estética eletrônica. É Karola Balves trazendo repentes de sutileza e uma ambiência transcendental para uma música em que a contagem do tempo é proporcionada pela zabumba e cujo lirismo narra a experiência sensorial do recomeço, de uma nova chance, de um novo amanhecer. É como a vivência do autoconhecimento, do se perceber na fluidez e na imprevisibilidade das correntes de um rio e do mar. É o amadurecimento de si consigo mesmo.


O baixo groovado e macio de Jackson Pinheiro junto com a bateria de levada solta trazem o reggae com mais evidência que na faixa anterior. Ecoante a partir do efeito de reverb, a guitarra acaba construindo um cenário astral e imagético perante os olhares profundos do ouvinte, que se vê imerso na melodia introdutória. Eis que Francesca, ao lado de Zorzal, traz um dueto leve e agridoce que narra o momento em que o personagem lírico se depara com as intuições obtidas no tarô. E o que Taróloga Pessimista Com Sintomas De Ansiedade traz é uma mensagem realista sobre a vida: uma experiência repleta de desafios, decepções, ilusões e sonhos. Com uma ponte que oferece uma melodia que remete àquela de Amado, single de Vanessa da Mata, Taróloga Pessimista Com Sintomas De Ansiedade evolui para uma conjuntura de versos que, regidos pelo triângulo de Nego Léo, fornece uma ambiência nordestina através da base xote.


É como estar deitado na areia branca da praia observando o céu noturno estrelado em profundo transe. Muito desse ambiente astral é proporcionado pelo sintetizador de Phillip Rios, mas as outras sonoridades trazidas pela programação também oferecem certo devaneio. Fluindo para uma roupagem puramente pop com direito a sons dramáticos do piano e outros acelerados e quase descompassados da percussão vinda da programação, Pela Cidade é uma canção que dialoga sobre a solidão e a sensação de individualidade coletiva frente à multidão metropolitana de maneira a construir um encerramento que soa como se o personagem lírico despertasse de súbito com o Sol já presente esquentando o corpo e a maré alta umedecendo as pernas. É como uma perfeita sequência narrativa com a ambiência imagética criada durante a introdução.


É sem dúvida um EP que passa rápido. Contudo, o passar rápido não significa fraqueza no alicerce melódico ou raso em lirismos. Rápido simplesmente porque o ouvinte é envolvido em todo o contexto e, quase de súbito, é surpreendido com um fim ligeiro. Chorey é nada mais que um trabalho ritmicamente envolvente e liricamente delicado.


Tal delicadeza é, inclusive, um grande mérito de A Transe. Afinal, o duo capixaba transita com humanidade e simplicidade perante os diálogos sobre autoconhecimento, a consciência de si mesmo, o dinamismo da vida e a solidão. Tudo abraçado por uma musicalidade que oferece a MPB moderna, a qual é fundida com o tropical amaciado do reggae, com o regionalismo do xote, com sutis inserções eletrônicas e a empolgação do pop.


Nesse ínterim entra o trabalho de Alexandre Barcelos. Afrente do exercício da mixagem, o profissional executou uma atividade que favoreceu a construção de um som leve, mas firme em seu propósito visual. Afinal, cada acorde, cada levada, cada groove e cada som são como imagens soltas ao vento que, juntas, formam um cenário complementar às melodias.


Tal mixagem sensível ao lado da produção assinada pela própria A Transe faz com que Chorey seja um trabalho profundo, livre criativamente e sem amarras estilísticas. Pois além dos gêneros já citados, é possível perceber, como ritmos secundários, o samba e a new wave.


Fechando a conjuntura do EP vem a arte de capa. Assinada por Marcela Bicalho, ela traz os integrantes do duo unidos, mas escondidos na penumbra. Com uma fresta de luz banhando parte dos rostos, a interpretação que se tem da imagem é a de renascimento. Um conceito que proporciona um perfeito casamento com a mensagem lírica da faixa-título.


Lançado em 13 de maio de 2022 de maneira independente, Chorey é um EP que humaniza os processos do descobrimento de si mesmo e dialoga com a individualidade enquanto integrante da multidão. É a nova MPB trazendo olhares ainda mais sensíveis perante a sociedade e suas emoções.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.