Saxon - Carpe Diem

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

No auge de seus 45 anos de idade, o grupo de heavy metal inglês Saxon ainda segue produzindo e lançando músicas. Não por acaso, demorou quatro anos para que o quarteto anunciasse o sucessor de Thunderbolt. Intitulado Carpe Diem, o novo trabalho é também o 23º álbum de estúdio do quinteto. 


O tenebroso e o sombrio fazem a espinha esfriar. As gotas geladas de um suor incontrolável começam a escorrer pela face. As pupilas se dilatam como em posição de alerta. Os músculos, tensionados, aguardam qualquer ruído próximo para descarregar sua eletricidade explosiva em nome da autodefesa. É curioso que, ao mesmo tempo em que há uma tensão evidente, o despertar sonoro traz consigo interessantes pitadas de melancolia que capturam o ouvinte de uma maneira a lhe trazer um torpor entristecido e lamentoso. É então que os primeiros sonares instrumentais vão surgindo gradativamente. A bateria, a partir do batuque de seus surdos, é quem comanda o verso melódico introdutório enquanto a guitarra se faz presente como um sopro que refresca os rostos repletos de suor jorrados pela adrenalina da incerteza. Eis que o som gutural, que já vinha acompanhando o ouvinte como um personagem fúnebre, cresce em intensidade até o ponto que Nigel Glockler surge com um repique acelerado que serve como sinal de libertação para que a energia até então represada em pose de defesa se reverta, enfim, em ataque. Com o grito afiado, afinado e de toques igualmente guturais de Biff Byford, a melodia que implode é um heavy metal grave, denso, áspero, mas que carrega um swing que amacia tanta agressividade recém-despertada. É fácil perceber, de imediato, o parentesco sonoro que existe entre as roupagens assumidas por nomes como o próprio Saxon, Iron Maiden e o Judas Priest, os quais constroem uma espécie de tripé para a chamada New Wave Of British Heavy Metal, movimento que contou com outros nomes como Motörhead, Venon e o Deff Leppard. Emaranhada por uma temática medieval, Carpe Diem (Seize The Day) é uma canção que narra persistência, a memória como sinônimo da imortalidade e proteção da identidade.


O riff da guitarra solo de Paul Quinn vem recheada de dramaticidade repleta de um desapontamento entristecido mesmo que se pronuncie com uma cadência sutilmente acelerada. Ganhando ares épicos e densos, a melodia entra em uma crescente em que as lágrimas se confundem entre as feições de rebeldia, de raiva e também de incredulidade. Sem um aviso prévio tal como aconteceu na faixa anterior, Age Of Steam entra com sua totalidade melódica apresentando uma imersão no campo do metalcore de uma sonoridade típica daquela empregada por Dee Snider em For The Love Of Metal e Leave A Scar, seus dois mais recentes álbuns solo. Mantendo a adrenalina no ponto enérgico, a canção entra em seu primeiro verso acelerada e, de certa maneira, extasiante. Ao contrário de Carpe Diem (Seize The Day), Age Of Steam não vem com uma ambiência medieval. Seu contexto histórico, apesar de pescar o início da Revolução Industrial, é atual e, inclusive, reflexivo. Trazendo uma avaliação socioeconômica perante a fome pelo lucro, pelo sucesso e pelo consequente empobrecimento do senso de humanidade, o lirismo da canção também questiona, de maneira sutil, até onde vai a evolução tecnológica e quem dela poderá se beneficiar.


Uma sonoridade gutural que beira ecos catedrálicos preenche o ambiente com certo requinte de incerteza e insegurança. Temeroso e tenso, o ouvinte caminha por entre o chão de pedras sem um rumo certo. A escuridão é rompida por vagas labaredas e luminárias de fogo posicionadas sem critério perante a dimensão do local cujo aspecto é de uma contemporaneidade cristã. É então que, controlada e consciente, a guitarra solo surge como se estivesse trazendo proteção de cunho paternal que é interrompida por súbitos explosivos da guitarra base de Doug Scarratt ao lado da bateria. Existe uma densidade melódica diferente em relação àquela apresentada na canção anterior, porém. Em The Pilgrimage, a sonoridade vem como se estivesse recrutando seguidores, ouvintes ou mesmo críticos. O importante é ter atenção. Curiosamente se assemelhando com o som criado pelo AC/DC em especial com relação à canção Hells Bells, a canção assinada pelo Saxon vem com um teor avaliativo demasiadamente superior àquele de Age Of Steam. Afinal, aqui existe a forte crítica perante a cultura do mito vivenciada tanto em âmbito sociopolítico quanto sociocultural, a necessidade que as pessoas apresentam de serem regidas por um propósito maior, tudo como uma forma de mostrar uma direção para que os peregrinos da vida possam seguir. 


Áspera e com uma velocidade ainda mais acelerada, a guitarra funciona como um alvorecer violento. Pedais duplos, riffs trotantes, velocidade, sem brecha para respirar. Intensidade, imediatismo, treino ante o improviso é o que a sonoridade comunica. Afinal, Dambusters narra um ataque das forças britânicas. Um ataque que tem significados e assimilações subjetivas que pairam pelo contexto palpável da Segunda Guerra Mundial quanto um cenário imagético regido pela reflexão perante a imponência do governo inglês. Com dois solos de guitarra selvagens e impulsivos, existe um exalante aroma de revanche, sucesso e sacrifício. É fato que todas as faixas anteriores são poderosas e com melodias indiscutivelmente marcantes, mas o que é apresentado em Dambusters faz da faixa um produto com potencial radiofônico inquestionável, o que a torna um single de peso de Carpe Diem.


Áspera, solitária e com um veludo distorcido a guitarra base surge comunicando algo preciso e explosivo. Com um golpe sutil da bateria, a guitarra principal emerge das sombras e revela um solo gritante e swingado, como se estivesse suavizando, ao mesmo tempo que alertando, que uma realidade repleta de preocupação iria se firmar. Com uma levada em 4x4, Remember The Fallen não é uma canção macia em lirismo apesar de sua melodia apresentar, de fato, um veludo que é escondido pela distorção. De todo Carpe Diem, a presente faixa é, até agora, a de temática mais atual. Refletindo sobre a Covid-19 e avaliando a forma como instituições e governos lidaram com o surgimento desse novo vírus. Os versos “all the warnings came too late” e “the battle started slow and sealed their fate” traduzem bem esse indicativo. Ao mesmo tempo, Remember The Fallen é também aquela canção que visa preservar a memória daqueles que estão na linha de frente de combate contra a pandemia e que vieram a falecer, mas também a memória de todos aqueles habitantes comuns que foram sucumbidos pela agressividade do vírus. Uma faixa explosiva, swingada, melódica, sentimental e de forte homenagem e representatividade que transita livremente entre o heavy metal e o hard rock. Uma canção em que o casamento da importância do enredo lírico com a melodia fazem com que seu peso perante as demais faixas do álbum supere até mesmo aquele de Dambusters, a tornando o principal single de Carpe Diem. Como Byford diz a plenos pulmões, “remember the heroes, remember the fallen”.


Como os raios de Sol dando o sinal do amanhecer, o som ecoante do ressoar do amplificador perante o bruto da guitarra base ao fundo avisam a chegada de uma explosão cósmica. Com os golpeares da bateria, a melodia assume um curso de grande flerte com a temática do speed metal com seu groove trotante e seu riff acelerado que desembocam em um solar em que a guitarra principal grita sem propósito, apenas como um extravasar de energia acumulada. Interessante notar que, na base, o estridente, grave e linear som do baixo de Nibbs Carter é facilmente perceptível entregando ainda mais densidade à melodia. Super Nova é uma música de instrumental penetrante, mas de lirismo simplista baseado na temática astrológica de um astro imprevisível e de alto potencial destrutivo.


Assim como em Age Of Steam, o metalcore é um subgênero que se faz fortemente presente. Aqui, porém, ele se pronuncia desde os primeiros sonares da guitarra. Com repiques lentos da bateria, a canção acaba fazendo com que o ouvinte adentre em um ambiente regido por sons guturais que constroem uma atmosfera fantasmagórica arrepiante. É assim que, fluindo para uma roupagem de superfície sombria, Lady In Gray mergulha na temática lírica paranormal. Uma paranormalidade que narra a presença de uma mulher, nomeada como Mulher em Cinza, que caminha pelos interiores de uma casa buscando por elementos que expliquem sua partida ao mesmo tempo que permitem recordações de sua vida terrena. Lady In Gray não é apenas a história de uma alma penada, é a história de um espírito que não quer ser esquecido.


É possível de se observar, palpavelmente, a existência de uma agressividade amplamente sexual nos riffs das guitarras que preenchem a melodia introdutória. Guardadas as devidas proporções, a melodia que a dupla de guitarras constrói faz surgir um breve parentesco com a sonoridade criada por Dave Murray na introdução de 2 Minutes To Midnight, single do Iron Maiden. Apesar da menção ao outro grupo inglês, a melodia que abraça All For One oferece mais peso, precisão e densidade cujo protagonismo velado recai sobre o baixo, que entrega grande parte da potência rítmica ao forrar a base com uma linearidade intensa e de notável pressão. Interessante notar que, aqui, até mesmo Byford se pronuncia com um vocal diferenciado por conta da inserção de drive em alguns momentos. Assim como Carpe Diem (Seize The Day), a caracterização medieval chega com considerável presença no lirismo de All For One, uma canção que narra a importância da lealdade perante o reino e seu consequente senso de responsabilidade.


Misturando elementos do groove metal e do metalcore, a introdução vem preenchida de uma melodia que mantem a aspereza da distorção das guitarras e a estridência do baixo, mas também traz uma novidade: é possível notar flertes com a temática do thrash metal durante o desenvolver sonoro do primeiro verso. Com um misto de dramaticidade e senso de urgência, Black Is The Night oferece ao ouvinte dois tipos de interpretação. A primeira é mais social e humanizada justamente por tentar chamar a atenção para o tema do aquecimento global e seu consequente efeito nas calotas polares. De outro lado, o que se tem é algo muito mais simplista, sobre a relação com o depreciativo, com a falta de luz e alegria. Com a falta de sentido. No mais, Black Is The Night também conta com um solo de guitarra bluesado que chega a exalar notas sofredoras cuja sonoridade e ambiência muito remetem à sincronia existente entre Myles Kennedy e Mark Tremonti no solo de Blackbird, single do Alter Bridge.


Acelerada, áspera, elétrica, excitante. A melodia introdutória da canção traz, assim como aconteceu em alguns momentos da faixa anterior, um ingrediente até então desconhecido em Carpe Diem. A partir do groove idealizado por Carter, Living On The Limit se deleita sob uma cama de hardcore com interessantes repentes de pedal duplo. Dando significado à esse ambiente, está, curiosamente, um lirismo de ambiência indiscutivelmente hard rock por tratar de desejos, impulsividade, intensidade, adrenalina. A sede por viver profundamente o que a vida tem a oferecer. 


Tudo bem o intervalo de quatro anos para que Carpe Diem finalmente visse a luz do dia. Seu longo período de incubação certamente foi justificado. Afinal, ele é um disco potente que reafirma a força do heavy metal inglês e, claramente, a competência dos cinco integrantes do Saxon. Sobre imortalidade, lealdade e memória, o 24º álbum se encerra com o claro recado de viver intensamente.


Não que tivesse um diálogo pré-estruturado entre suas 10 faixas, mas o fato é que algumas delas podem se unir em uma perfeita narrativa linear. A exemplo disso estão Remember The Fallen, Lady In Gray, The Pilgrimage e All For One. Esse quarteto, apesar de não ser formada por singles ditos oficiais e serem citadas foram de sua ordem de execução, traz consigo certa união de enredo. Enquanto a primeira e a segunda trazem fortemente a questão da memória, da recordação, a terceira preza pelo encontro de um incentivador para a vida. A quarta, por sua vez, estimula o gosto pela vida. 


No que tange o escopo instrumental, o comando de Andy Sneap na produção fez com que Carpe Diem abrangesse subgêneros como o heavy metal, o hard rock, o metalcore, o speed metal, o groove metal, o thrash metal e mesmo o hardcore. Tudo de maneira a soar intenso, preciso e melodicamente competente.


Lançado em 04 de fevereiro de 2022 via Silver Lining Music, Carpe Diem é um disco sexy, áspero, denso, preciso. É um disco com senso de urgência e humanidade. É um disco reflexivo e, ao mesmo tempo, festeiro. É um disco que une passado e presente. É um disco com assinatura definitiva do Saxon.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.