Mestre Madruguinha - Pra Onde A Gente Vai Agora?

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Há nove anos, se formava em Aracaju (SE) o Mestre Madruguinha, um septeto de música tropical. Seu primeiro produto fonográfico iria sair apenas seis anos depois, em 2016. Depois disso, o EP que estreou o conjunto no universo musical brasileiro esteve sozinho na discografia. Porém, seis anos depois, o conjunto anuncia Pra Onde A Gente Vai Agora?, seu primeiro disco de estúdio.


Uma risada. Logo, vem uma energia de descontração e leveza. A guitarra de Alexandre Marreta vem em seguida, suave e de riff limpo, sem distorção. A passos lentos, mas precisos e assumindo a função de contagem do tempo, a bateria de Daniel Nanume aparece no mesmo instante. Lampejos graves e encorpados, como os raios de Sol rompendo a densidade das nuvens de maneira alternada, são trazidos pelo baixo de Vinícius Chukro. É então que, golpeando a caixa e o prato de ataque simultaneamente, Nanume avisa que uma mudança está chegando. A melodia então assume uma crescente até que sua base implode para uma estética forrozeira de intenso swing ao mesmo tempo em que as guitarras bailam corpo a corpo e em sincronia acelerada. Eis que uma voz agridoce e com forte sotaque nordestino invade a cena. É Adão Alencar imprimindo no conjunto estético, com seu tom peculiarmente adocicado de maneira a relembrar aquele de Raul Seixas, um lirismo que retrata o desejo pelo contato, o instinto que pede o toque dos corpos, o prazer, a sensualidade. Lasciva é uma canção em que o swing, melodicamente, é muito evidenciado pelos elementos percussivos que perambulam pela base rítmica, os quais instigam a dança colada, o olho no olho.


Como o Sol do meio dia, a sonoridade entrega calor e swing com uma malemolência singular. Enquanto a bateria vai desenhando, na base rítmica, contornos de songo, as guitarras vão imprimindo uma linearidade séria que sobrevoa o requebrado oferecido pelo groove desempenhado por Nanume. Com sopros de uma evidente mescla entre forró e mambo, a canção vai ganhando uma malemolência gradativamente acentuada que, assim como aconteceu em Lasciva, instiga o ouvinte a dançar. É verdade, também, que a melodia exala uma maciez reconfortante tal como o entardecer de um dia de verão, algo que acompanha o ouvinte entre as passagens estruturais da faixa. Diferente da composição anterior, porém, o que completa o escopo sonoro não é a mesma voz agridoce, mas sim uma de timbre mais rouco e grave, que é creditada a Everton Mesquita. Flor Cor De Rosa é uma música que, metaforicamente ou não, enaltece a beleza feminina e a sutileza do cortejo para ganhar sua atenção. 


O estranhamente melancólico e estridente som do trompete e trombone executado por André Lima despertado na introdução desenha um contorno que, momentaneamente, relembra a melodia feita pelos instrumentos de sopro em Feeling Good, faixa composta por Anthony Newley e Leslie Bricusse. Eis que Mesquita, com seu caricato vocal rouco, surge acompanhado de repiques nos tons da bateria para encaminhar o ouvinte ao ambiente macio e swingado do chá-chá-chá de maneira a refrescar na memória do ouvinte, por conta do adocicado soar das teclas do teclado de Ruan Levy, a melodia construída em Corazón Espinado, single cooperativo entre Santana e Maná. Seu Cangote, assim como Flor Cor De Rosa, exala certa idolatria pela arte da sedução feminina. Porém, aqui há a diferença de serem impressos ares mais românticos em uma estética de pura conquista hipnotizante. É quase como se o eu-lírico estivesse perdidamente apaixonado e bêbado de amor. 


De melodia bem cadenciada em uma velocidade mais acelerada em relação às das canções anteriores, Porquê? surge sem intervalo reservado para o fôlego. Misturando o swing do forró com a pressão do samba-enredo, ela narra um tema muito abordado nos gêneros do sertanejo e sertanejo universitário que é o término de relacionamento. Aqui, porém, há certo deboche que torna o enredo lírico cômico, mesmo que da sonoridade seja exalada um intenso transpirar melancólico. 


Muito diferente de Porquê?, a melodia aqui apresentada parece ter o pé no freio. Com uma melancolia aparentemente até superior àquela da música anterior, nem o swing de uma levada de flerte com o reggaeton consegue aquecer o sangue do ouvinte. Pelo menos, não com a facilidade concedida nas prévias canções. Essa ambiência mais entristecida é principalmente creditada tanto à afinação da guitarra quanto à velocidade que ela e a bateria se movimentam desenhando, em união ao som entorpecente do teclado, a harmonia. É verdade também que há uma textura mais ácida, eletrônica e densa impressa pelo sintetizador de Alex Macedo, ingrediente que faz com que a música flerte, inclusive, com a pisadinha. Liberta-Me talvez seja a canção ritmicamente mais complexa de Pra Onde A Gente Vai Agora?, pois além de trazer o reggaeton, flertar com a pisadinha e trazer elementos do forró, ela inclusive caminha pela estética do manguebeat a partir da inserção pontual de guitarra elétrica. No que tange o enredo, mais ainda que em Flor Cor De Rosa o eu-lírico se vê enfeitiçado por uma mulher. Aqui porém, ele se mostra consciente e clama para que ela esclareça se os sentimentos são recíprocos, mostrando que o personagem principal busca por um amor verdadeiro.


As guitarras criam uma sincronia estonteante. É como se o ouvinte estivesse até mesmo mareado, com notável dificuldade de concentração. Ao mesmo tempo, existe na sonoridade da dupla uma maciez confortável e adocicada que abraçada pelo oco som dos tons. É quando a guitarra solo cria uma sonoridade que remete à melodia do canto de Cássia Eller em seu single Vá Morar Com O Diabo que Todo Mundo Doido É Um Chamego Só encontra o ápice do veludo. Nesse momento, há inclusive texturas mais sólidas proporcionadas pelo chacoalho do caxixi entregando um movimento macio à melodia. O mais interessante nesse instrumental é que quando o ouvinte pensava já ter degustado todos os sabores que ele poderia oferecer, a faixa surpreende. Dando um intervalo de poucos segundos de silêncio, Todo Mundo Doido É Um Chamego Só encaminha o ouvinte para uma roupagem reggae a partir do swing da bateria. No entanto, esse reggae né regido pelo som entorpecido do trompete e do trombone e pelo swing da bateria.


A guitarra pronuncia um riff simples e ecoante. Sua cadência e afinação criam um sutil parentesco com aquele feito por David Gilmour na introdução de Another Brick In The Wall, single do Pink Floyd. É então que um dulçor estridente se revela. A sanfona surge como um instrumento que desempenha a função de ponte entre a introdução e o primeiro verso, momento em que a canção se deleita em uma atmosfera reggae por conta do amaciar do riff da guitarra. No trecho, o som do atabaque ao fundo cria, além de um aroma latino, um perfume tropical que abraça o ouvinte que se vê atento na narrativa lírica trazida. Forró De Dengo é uma canção em que poesia e música se unem como metáforas e associações ao encontro dos corpos e ao desejo de união de um casal. Contando com backing vocals na segunda parte do refrão, a canção ainda conta com um swing amaciado na forma de sutis inclinações com o forró e, inclusive, possui a presença de Manoel Cordeiro na guitarra. 


O aroma do mato. A textura das folhas. O horizonte esverdeado. Os batuques ocos no atabaque dão uma ambiência de mata, de natureza, de origem à canção que inicia seu processo de despertar. É então que a guitarra entra com um riff levemente salgado que amplia os sentidos da melodia em construção. Ao fundo, o chacoalhar do caxixi oferece uma malemolência que instiga uma dança amaciada. Tudo com um aroma intensamente tropical. É então que o batuque do timbal faz a sonoridade escorrer para uma ambiência viva, alegre e cheia de cores. A dupla de sopro trompete e trombone jorra quentura sobre a base rítmica do reggaeton, a qual, enfim, serve de guia para a faixa lírica que segue sob o comando de Alencar. Pessoa Comum é uma música que, como o próprio nome sugere, imerge sobre a avaliação do que é ser uma pessoa comum. Aquela que, colocada sobre o conceito da mesmice, sofre, chora, ri, sente, sorri. Aquela que vive. Aquela que cala. Apesar de curta duração, os trechos cantados se deleitam sobre a crítica de que essa parcela da população é mais facilmente comandada e coagida. Mas, no fim, é ela, com sua quantidade de vozes, tem mais poder.


Uma melancolia trazida pelos instrumentos de sopro esconde a cadência acelerada do sertanejo universitário introduzida pela bateria. Fornecendo uma melodia linear, Contraluz vem oferecendo um tema lírico já comum e até mesmo típico do Mestre Madruguinha, que é o romantismo perante a figura feminina. O que muda, sempre, é a sua descrição. E aqui, existe a menção da beleza da silhueta desenhada, como o próprio nome da canção sugere, na contra luz. No que tange as artes plásticas, mais do que a proximidade com Caravaggio trazida pelo narrador, há a questão do embelezamento do corpo pelo contraste de luz e sombra, técnica muito utilizada durante o estilo Barroco. Para contrastar o ponto de vista masculino ou mesmo suas intenções frente ao cortejo de uma mulher, a argentina Dai Odeja surge com seu timbre grave trazendo suas percepções referentes à beleza masculina.


Misturando piseiro com synth-pop, Pra Tonho se mostra desde o início uma canção de melodia nauseante e embriagante. Curiosamente e surpreendentemente, essa é uma canção que foge do enredo lírico tradicional do septeto e se torna, nesse quesito, se torna uma agulha no palheiro de Pra Onde A Gente Vai Agora?. Surgindo como um rito carinhoso de preparação para a vida e o mundo em que o personagem Antônio está inserido, a faixa tem, inclusive, um tom parental. 


Dramática e densa. O suspense está no ar. Afinal, a fumaça impede que o ouvinte consiga enxergar o horizonte localizado a alguns metros de distância. É então que a poeira se dissipa bruscamente e um ambiente que pede cautela imerge. Com um movimentar cadenciado pela bateria unido a uma maciez sutil trazida pelo Fender Rhodes e por um guia surgido por meio do quase onipresente groove do baixo, Veredas E Caminhos tem um quê de dramaticidade por trazer, no enredo lírico, um dilema vivido pelos personagens entre continuarem juntos ou desfazer a relação. Aumentando o clima de discussão, uma voz grave, forte e de sotaque arrastadamente nordestino se insere na melodia. É a conterrânea Táia suas opiniões acerca do assunto tratado na canção.


É como se um sorriso aberto de escancarar os dentes tomasse conta do rosto. A alegria entrou na corrente sanguínea. O êxtase do ânimo coloca até mesmo brilho nos olhos. A adrenalina já tomando conta dos impulsos corporais faz com que uma grande vontade de se mexer irrompa a calmaria. É assim, como o Sol do meio dia, como o clima carnavalesco, como o aroma do verão, que Vamos Abraçar O Sol se apresenta em pleno ritmo do frevo. Como uma marchinha de carnaval, a canção traz descontração, humor e leveza de maneira intensamente contagiante, algo que se concretiza com a hilária brincadeira com a fonética e a estratégica pausa de pronúncia no verso “todo mundo no meio da rua”. Proporcionando mais ânimo e swing, Vamos Abraçar O Sol é agraciada com solos de guitarra executados pelo baiano Chibatinha e pelo conterrâneo Júlio Andrade. Vamos Abraçar O Sol é nada mais nada menos que uma festa.


Alegre, romântico, contagiante, plural. Latino. Pra Onde A Gente Vai Agora? é um disco abrangente e ritmicamente complexo. Alegre, ele é constantemente um trabalho que enaltece a beleza feminina sob uma visão romanceada de personagens que se veem hipnotizados pela arte da sedução. 


No que tange as melodias impressas no decorrer de suas 12 faixas, o disco é necessariamente um trabalho complexo e musicalmente competente principalmente pelo número de gêneros latinos desenhados por seu competente corpo de músicos. São estilos variados que abrangem do norte ao sul da frondosa América Latina como forró, songo, chá-chá-chá, samba-enredo, reggaeton, reggae, pisadinha, piseiro, frevo, manguebeat e sertanejo universitário.


Mais do que a amplitude de ritmos está a abrangência de texturas e ambiências que Pra Onde A Gente Vai Agora? oferece. Tem melancolia, tem paixão, tem romance, tem o cômico e tem alegria. Essas sensações dominam o emocional do ouvinte do começo ao fim, mas a melhor delas fica no final, que é aquela alegria de sorriso descontrolado. Um grande presente de Vamos Abraçar O Sol.


O que chama a atenção no disco é também o pé nas origens rítmicas. A percussão não denota apenas uma variedade de instrumentos que oferece condução. Ela é o escopo instrumental que muitas vezes traz em seu DNA um som de natureza que beira até a sonoridade indígena e africana. Esse é o grande feito do trio formado por Alencar, Mesquita e Macedo. 


Para fazer tudo soar de maneira equilibrada, o trabalho é minucioso. Afinal, o septeto Mestre Madruguinha possui instrumentos aquém dos convencionais e, claramente, todos devem ser ouvidos, sentidos e, principalmente, percebidos. É aí que entra a atividade de Leo Airplane, quem fez a mixagem de maneira a tornar cada sonar audível em suas sutis individualidades. E sintetizando influências rítmicas, comportamento e identidade está o tripé da produção feita por Chukro ao lado do Allen Alencar e Rafael Aragão. Existe, nela, um grande senso de trabalho e, principalmente, de liberdade criativa. É isso que fez Pra Onde A Gente Vai Agora? soar tão leve e original.


Para fechar o contexto do álbum vem o fator que salta aos olhos, aquele que instiga o ouvinte a querer saber mais sobre o trabalho, que é a arte de capa. Feita por Ananda Barreto, o que ela mais transmite é misticismo, algo impresso principalmente pelas cores adotadas. Como objeto principal, os contornos de uma carta de baralho pesca a atenção. Ao centro, uma bússola se posiciona de maneira a indicar, tanto ao norte quanto ao sul, o amor que ali é representado por corações. Como item de cartomante, a carta, em união às cores, informa o quão imprevisível e necessariamente místico é o amor, tema que abraça enorme parte do álbum.


Lançado em 02 de fevereiro de 2022 de maneira independente, Pra Onde A Gente Vai Agora? é um disco alegre, romântico e festivo. É a musicalidade latina dando voz ao amor, à sedução, à paixão e à conquista. É a festa do sorriso, a alegria da festa. O calor do verão. É um álbum que, acima de tudo, é nordestino e brasileiro.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.