Médicos Cubanos - Meu Próprio Clube Da Luta

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (4 Votos)

O trio nasceu em 2013 estimulado, principalmente, pelo recrutamento de médicos cubanos fomentado pelo programa governamental Mais Médicos, ação que levou mais de 15 mil profissionais da área da saúde para cidades interioranas que apresentavam fraqueza em tal mão de obra. Porém, foi só seis anos depois que um início oficial foi dado na carreira da banda. Esse é o Médicos Cubanos, uma banda que, após três EPs, alcançou o objetivo de poder apresentar Meu Próprio Clube Da Luta, seu primeiro disco de estúdio..


O início é ensolarado, contagiante e, ao mesmo tempo, amaciado. O ouvinte consegue degustar notas de um indie rock ao estilo Los Hermanos e um embrionário pop punk em uma interessante fusão rítmica proporcionada pela guitarra de Duh Bellotto. Mesmo já distorcida, o amplificador faz ressoar o som da distorção como se estivesse indicando uma virada na estrutura sonora. Eis que a bateria de Victor Reis entra com a função de ponte entre introdução e primeiro verso a partir de uma frase crua e de cadência mais lenta. E no que tange o aspecto cru, a forma como Bellotto se posiciona afrente dos vocais com um timbre rasgado e em estética ao vivo entrega à faixa um caráter de garagem que lhe confere certo ar de originalidade. Respaldado por uma sonoridade acalorada e estimulante, o cantor acaba por introduzir, em Para A Paz, um lirismo que traz a conformação de que tudo na vida tem um propósito de ser e estar, além de expor uma intensa confiança de que o destino é o artifício que preserva os momentos bons a serem vividos em um futuro temporalmente imensurável. Interessante ainda é notar o corpo bojudo e grave do baixo de Tati Carmelo em uma solitária frase que, apesar de curta, leva o ouvinte para a ponte lírica que é agraciada pelos backing vocals de Helena Hennemann e Vinícius Favaretto que funciona como ecos quase fantasmagóricos.


A mesma energia pop punkeada segue firme na introdução do novo cenário em construção. Ondulante, contagiante e capaz de incentivar sorrisos sem motivo, a canção assume uma linearidade rítmica que traz nas linhas vocais o principal tempero. Afinal, o que Eu Não Falo Emoji Fluente oferece é uma melodia em que o verdadeiro entretenimento recai sobre a narrativa verbal. Cômica e capaz de criar um elo de proximidade com o ouvinte, ela discute o imediatismo enquanto trata da falta de paciência, da hiperconectividade e de um novo contexto comunicacional que, de certa forma, casa com o viés de In Stride, single de Myles Kennedy. Em verdade, Eu Não Falo Emoji Fluente é uma canção que, apesar de engraçada e divertida, traz uma forte crítica sobre a forma como o mundo virtual está moldando um novo comportamento e uma nova cultura comunicativa global.


Mesmo distorcida, a guitarra oferece um amanhecer macio e reconfortante. Trazendo aquele contágio que já se mostra ser uma importante marca da sonoridade do Médicos Cubanos, ela vem acompanhada de uma levada de bateria quebrada, mas que a acompanha na mesma simetria amena. Fluindo para um segundo verso mais presente e de cadência melódica mais suja e estimulante, Namastreta segue o cômico-crítico de Eu Não Falo Emoji Fluente ao evidenciar, com a adição da guitarra de Carlos Eduardo Freitas, um lirismo que condena sensos sociais egoísticas e personalistas. Isso faz de Namastreta outra importante faixa de Meu Próprio Clube Da Luta.


Um ar praiano, swingado e ainda mais estimulante surge no alvorecer da nova melodia. Nesses primeiros instantes e possível que o ouvinte, inclusive, consiga associar tais lapsos sonoros com a introdução de A Cera, single do O Surto. Passado esse lapso, uma alegre levada indie rock vai tomando certa maturidade que acaba dando passagem para um lirismo de versos enxutos, mas cuja somatória de palavras cria um diálogo crítico. Diferente das canções anteriores que são imbuídas de humor como forma de suavizar a densidade das mensagens, em A Dinamarca Não É Aqui o Médicos Cubanos traz uma atmosfera dramática e até entristecida que rechaça a corrupção, a impunidade e até mesmo a obstrução de justiça.


De amanhecer entristecido que acaba por flertar com a sonoridade de Múmias, single de Biquini Cavadão e Renato Russo, a melodia consegue capturar o ouvinte com seu dulçor melancólico proporcionado pelo sobrevoo quase choroso do sintetizador. Sob essa atmosfera, o trio se utiliza de um breve suavizar humorado com Nícolas Cage para falar de baixa autoestima e falta de pertencimento. Ainda assim, é possível dizer que Mau Bebedor é uma música que se enraíza em um sentimento desolador de falta de união verdadeiramente empática.


É verdade que, caminhando pelas últimas cinco músicas, o ouvinte possa ter percebido forte influência do CPM 22 não apenas nas melodias como também na forma como Bellotto posiciona seu vocal. Contudo, em nenhuma faixa isso fica tão evidente como em Para Ir Além. Flertando com o hardcore, a faixa traz uma melodia que se aproxima muito àquela de Dias Atrás, single do hoje quinteto paulistano. De base acústica e grande presença do baixo na construção sonora, a canção traz uma energia melancólica e ao mesmo tempo motivacional que estimula o ouvinte a conquistar uma série de benefícios que vai da gratidão ao viver o presente de maneira a ter, no passado, a lembrança de grandes aprendizados. 


A bateria surge solitária e concisa. Sua levada traz, inclusive, o mesmo desenho daquela feita por Liminha em Haiti, single de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Em seguida o baixo surge trazendo uma felicidade embrionária e levemente contagiante que eclode em um refrão macio, estimulante e tão motivacional quanto o enredo de Para Ir Além. Falando de aceitação como forma de autoconhecimento, Bom Dia é uma canção que ainda insere questões antíteses como ingenuidade e maturidade como forma de ilustrar o processo de desenvolvimento de uma pessoa. Com direito a um assobio contagiante após o refrão e um solo de guitarra emocional oferecido por Pepo Ishikawa, Bom Dia é uma canção que ainda fala de perdão e amor em um tom sensível e comovente. Definitivamente a verdadeira balada de Meu Próprio Clube Da Luta.


A bateria vem suave e cadenciada desenhando uma estrutura até então inovadora no disco. Com levada baseada no samba, ela serve de base para uma melodia amaciada e swingada que, curiosamente, oferece lapsos de memória relacionados à sonoridade de Dammit, single do Blink-182 e, também a Independência, single do Capital Inicial. Com uma guitarra de riff reconfortante e swingada,  Zé Gotinha é outra música do álbum a tratar sobre o autoconhecimento sob uma ótica positivista da vida e da aquisição da capacidade de enxergar, na decepção, uma forma de fugir de se desvincilhar de realidades ilusórias. De caráter lúdico trazido pelo triângulo de Favaretto, Zé Gotinha tenta ampliar sua mensagem para outros públicos e horizontes conforme flerta, inclusive, com o xote. Isso faz dela uma música contagiante e motivacional que incentiva momentos de introspecção para conhecer melhor determinados sentimentos e saber interpretá-los de melhores formas. 


De um amornar reconfortante, mas ao mesmo tempo de caráter melancólico, o riff da guitarra abraça calorosamente o ouvinte e o convida para imergir na nova narrativa que se inicia. Surpreendentemente e sinergicamente, um sincrônico piano elétrico despeja um deleite melancólico-nostálgico na melodia introdutória que lhe confere até mesmo um ar dramático.. Podendo notar referências à Legião Urbana na sonoridade que segue no despertar do primeiro verso, Planta Morta é uma canção fortemente metafórica que aborda um comportamento defensivo, impaciente e até mesmo depreciativo. 


Som ambiente. A descontração é evidente entre as conversas cruzadas. O ritmo já surge alegre e contagiante respaldado por um verso que repete o título da canção: Bar E Lanche. Uma música enxuta em melodia e versos líricos. É quase como um interlúdio final, que se encerra com o vocal interrogativo “vocês não têm festa, não?”de Dona Edi comicamente deixado no vácuo.


Divertido, versátil, analítico, reflexivo. Meu Próprio Clube Da Luta é um álbum que entretém, no sentido mais estrito da palavra. É um produto que, reciclando a sonoridade do rock brasileiro dos anos 80 e a misturando com a nova vertente do gênero, convida o ouvinte para pensar o viver, a sociedade e a política.


É verdade que em muitos momentos, o ouvinte se percebe com risos frouxos e sorrisos formados de maneira involuntária e inconsciente graças aos conteúdos líricos somados às melodias igualmente alegres, mas o Médicos Cubanos não é apenas um ‘grupo de comédia’.


Ainda que Meu Próprio Clube Da Luta traga hinos cômicos como Eu Não Falo Emoji Fluente e Namastreta, e outras de humor raso como Mau Bebedor, ele é um álbum de forte teor motivacional que chama o ouvinte a pensar sobre suas próprias emoções e o convida para um processo de autoconhecimento regido por uma ilustração de caminhos que o leva para a sinceridade de sentimentos como agradecimento, perdão e empatia. 


Esses temas estão intrincados até mesmo nos títulos Para A Paz, Para Ir Além, Bom Dia e Zé Gotinha, músicas que, mesmo sem humor, mas de estruturas melódicas contagiantes, conseguem capturar a atenção do ouvinte. Contudo, o álbum não é só reflexão introspectiva.


Com direito a críticas ferrenhas à política nacional, assunto que rege a narrativa de A Dinamarca Não É Aqui, o Médicos Cubanos ainda mostra capacidade em imergir em ambientes mais densos e dramáticos com o intuito de chamar a atenção para a seriedade do tema em questão.


Caminhando entre indie rock, pop punk, xote, samba e até mesmo um hardcore acústico, Meu Próprio Clube Da Luta, sob mixagem de Alexandre Oliveira, proporcionou ao ouvinte não somente um som cru e de garagem, mas também ofertou conhecimento rítmico ao ofertar diferentes roupagens melódicas de maneira a se combinarem. 


Já Carlos Eduardo Freitas teve a capacidade de unir todas essas questões, somadas até mesmo às influências que a banda possui, para criar um álbum que mostra que o trio tem maturidade, consciência e sabedoria em fundir humor, crítica e análises introspectivas. É assim que o álbum consegue ser versátil. 


O que mais chama a atenção é a forma como a arte de capa conseguiu captar tão profundamente a moral-base de Meu Próprio Clube Da Luta. Assinada pelo próprio vocalista e guitarrista Duh Bellotto, ela é repleta de um azul forte e frio que recebe a vida e a paz oferecidas por singelas, mas notáveis presenças do branco e do vermelho. Só no que tange as cores se vê introspecção, vida e excitação. Quando se observa o todo, a profundidade da mensagem aumenta. Dois homens estão, de mãos dadas, ao centro reverenciando a paisagem além das janelas de vidro. Suas sobras, porém, estão separadas. Essa é a perfeita metáfora do desejo ante a realidade. A vontade da união e a ausência de interação e empatia foram coisas que muito regeram a fase severa de isolamento da pandemia, mas são questões que ainda persistem em determinados graus. É quase como um legado pandêmico.


Lançado erm 08 de julho de 2022 de maneira independente, Meu Próprio Clube Da Luta é cômico, contagiante, alegre e bem-humorado. Também introspectivo e melancólico, ele é um álbum que consegue, com maestria, ser motivacional, crítico e ainda oferecer o verdadeiro entretenimento. É a antítese dos novos tempos em que a sociedade vive entre a conformação da seriedade e a saudade do sorriso sem motivo regido simplesmente pela alegria.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.