Mar.iana - AMAR

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Ele nasceu a partir de uma reunião de compositores feita durante três dias em uma casa na capital carioca e outros três em uma casa na capital paulista. Contando ainda com faixas ganhadas de presente e outras já compostas anteriormente, enfim veio à luz AMAR, o álbum de estreia de Mar.iana.


Fresco, suave e macio. O despertar vem como uma brisa serena fazendo os cabelos valsarem na melodia do vento, que traz consigo sabores que vão de uma nostalgia alegre à leveza tátil. Trazendo um indie rock com paisagem praiana, a sintonia entre a levada suave da bateria de Gabriel Salles junto à guitarra de riffs bojudos e sutilmente azedos de Paul Ralphes e o esvoaçante violão de Felipe Bade combina referências que caminham entre Los Hermanos, Banda do Mar e Clarice Falcão. Com cadência linear, a melodia dá passagem a uma voz delicadamente rouca e de sutis graves vinda de Mar.iana que, introduzindo um lirismo iniciado por versos cacófatos, dá à Tchau, Baby! um tom de superação e amadurecimento sofrido. Sendo uma canção que retrata um relacionamento unilateral, em que apenas um lado se entrega e não recebe reciprocidades, Tchau, Baby! é também uma faixa que traz decepções, mas cujo recado final é o fortalecimento emocional. É o renascimento das cinzas de um sofrimento ardente. É o calejar de um coração que não teme o ato de amar, mas que agora se expõe com cautela ao outro alguém.


Swingada e tropical, a forma como a guitarra se movimenta, ao lado de um violão de riffs mudos, comunica a fusão do reggae com o soft rock de maneira amena e contagiante. Enquanto o ouvinte se embriaga pela maciez estonteante que a melodia estruturalmente simples oferece, se percebe que Mar.iana tem companhia nas linhas líricas, pois uma voz mais grave e baseada em singelos falsetes é ouvida. Vinda de Lucas Pierro, ela, com seu timbre parecido ao de Diogo Melim coopera com o escopo harmônico de Vida Leve, uma música que se assemelha à sonoridade proposta por nomes como Lagum, Melim, Natiruts e Braza. Com direito ao sonar de trompete e trombone trazido pelo teclado, um tom solar recai sobre Vida Leve, uma música cheia de rimas simples que trazem a mensagem de viver o presente e dar liberdade para que o destino faça seu curso. Além de trazer um personagem que finalmente se vê livre do passado e pronto para experienciar o agora, a faixa expõe também a força do pensamento e como ela é capaz de transformar pessoas, vivências e lugares. Uma música que simplesmente pede, exala e propõe a leveza na vida do ouvinte como forma de conquistar a brandura de um caminhar sem rigidez.


Com seu sonar mudo, o violão consegue, mesmo assim, trazer um embrionário senso de atração ao ouvinte, que é fisgado pelo amanhecer de uma alegria doce e delicada. Ampliando a doçura, trazendo toques de um gélido floral e promovendo uma ambiência suavemente transcendental, o teclado de Rodrigo Tavares é capaz de fazer a melodia flutuar. Assim é que Sorte Sua se mostra ao ouvinte. Com uma melodia contida, mas de rompantes harmônicos curiosamente brandos, a faixa traz um enredo romântico em que a personagem lírica tenta mostrar à pessoa amada que a paixão e o amor podem ser diferentes daqueles de um passado sofrido. É a ilustração de que, quando há reciprocidade no sentimento, não há dor, decepção ou engano. É apenas a verdade vinda do coração. Como a primeira balada de AMAR, Sorte Sua ainda traz alguns versos que comunicam ligeiras semelhanças melódicas com aquelas de Não Precisa Mudar, single de Ivete Sangalo, comprovando seu viés romântico, mas de caráter evidentemente juvenil.


Doce, serena e fresca. Mantendo a maciez que já se mostra uma marca da sonoridade de Mar.iana, a canção traz uma melodia pop sem estardalhaço. Delicada, ela é estruturada, de início, entre a sincronia entre voz e violão, evoluindo, pouco depois, para algo ligeiramente mais amplo com a entrada de uma guitarra que soa como a entrada de uma luz solar poente amornando a pele da pessoa que admira o horizonte pela janela. Pra Já é uma canção com participação de sobreposições vocais que vem acompanhada de um enredo romântico que beira o meloso, algo diferente daquele oferecido em Sorte Sua.


Fugindo do viés amaciadamente alegre das canções anteriores, o novo amanhecer vem regido por uma energia curiosamente melancólica através da sintonia entre violão e bateria. Com frases melódicas que promovem a possibilidade de o ouvinte degustar mais claramente as linhas do baixo, a canção ainda tem momentos em que o lap steel insere ambiências ligeiramente havaianas ao pop choroso de Pista De Dança, uma música de lirismo que narra a criação de um cenário ideal e imagética. Uma fantasia que se matura no compasso da melodia, mas que luta para não ser capturado pelo fio da realidade no intuito de, simplesmente, não deixar o sonho morrer.


O violão vem com uma frase curta, mas de movimento que, indiretamente, rememora a finalização da melodia introdutória de Por Onde Andei, single de Nando Reis. Prosseguindo com a queda de alegria iniciada em Pista De Dança, Pra Onde Vai O Amor não é somente melancólica. Ela oferece ao ouvinte a possibilidade quase palpável da lágrima, do pesar e da dor da decepção. De interpretação introspectiva e nitidamente cabisbaixa, Mar.iana surge dando voz a uma personagem que tenta negar a verdade e a se esquivar da inescapável falta de química. Pra Onde Vai O Amor é uma canção que narra o fim do sentimento de reciprocidade e a difícil posição de encarar tal realidade. Ao lado do vocal grave e propositadamente cabisbaixo de Nanno, que dá voz à outra metade da relação, Pra Onde Vai O Amor é o enfrentamento e a conformação de uma realidade triste e desgostosa do fim do amor. É a necessidade do compartilhamento da raiva, da decepção e da dúvida. É a vontade de que o fim não fosse verdade. É a lagrima caindo sobre um rosto entristecido que, durante o último beijo, recria o cenário da primeira troca de olhares.


Enquanto a maciez se cria através das teclas do rhodes e da delicadeza dos riffs do violão, o ouvinte se percebe envolto em uma sensação curiosamente reconfortante, mas que não traz apenas notícias boas. É nesse ínterim que Mar.iana expõe seus sentimentos desgostosos para com a forma como é tratada pelo seu par. Eis que, entre versos de cadência lírica acelerada e com base na estética rap, o refrão de Tô Indo Embora explode em um misto de blues e R&B que exalta uma figura cansada de ser usada e cuja autoestima foi reconquistada e revalorizada. 


Dando reforço aos enredos tristonhos e sofridos iniciados em Pista De Dança, o alvorecer surge cabisbaixo e dramático a partir da sintonia entre voz e teclado. Lacrimal pela conformação de não haver chance de retomar um relacionamento disfuncional, Tá Tudo Bem é uma música que educa o ouvinte a saber que não é errado estar triste e emocionalmente abalado. Afinal, é esse o momento que leva o indivíduo ao amadurecimento, à superação e ao fortalecimento emocional. Tocante pela valsa chorosa criada pelos violinos na base melódica, Tá Tudo Bem é um Adeus como forma de respeitar as duas partes que, juntas, nem ao menos se notavam. Indiscutivelmente a faixa mais visceral de AMAR.


A forma como a voz de Mar.iana se movimenta sunto a um violão de riffs pausados recria a mesma melodia lírica introdutória de Somebody New, faixa de Steven Tyler. Reintroduzindo o reggae na receita melódica e rompendo o marasmo lancinantemente lacrimal, Que Pena tem, na melodia, a quebra entre o sofrer e o ânimo. É ela que serve como uma espécie de conselheiro de um personagem que, assim como aconteceu em Tô Indo Embora, aprende a se valorizar e dá voz à autoestima de forma a se desvencilhar da pessoa cuja convivência nada tem a somar. Principalmente, Que Pena é uma canção em que a liberdade é adquirida para que a verdadeira essência voe para o mundo e mostre quanta cor e brilho ela tem para mostrar.


O novo amanhecer mostra como, com pouco, o ouvinte já se sente fisgado por um contágio que aquece o corpo. O violão, com suas linhas curtas, cria uma melodia solar cuja melodia atrai, conquista e contagia o ouvinte. Macia e de estrutura simples, De Boa tem um enredo casual, de pura despreocupação que flerta com a mesma proposta de The Lazy Song, single de Bruno Mars. De caráter puramente radiofônico, é possível dizer que, desde Vida Leve, De Boa é a primeira faixa de AMAR a ser regida por um frescor que não caminha pelo terreno do relacionamento e que, por isso, surpreende pela proposta de ser simplesmente a voz do acaso e da máxima tranquilidade.


De melodia levemente mais complexa, a canção oferece uma leveza macia criada pela guitarra de riff agudo e por um violão confortavelmente sereno. Porém, o que chama a atenção é que, ao fundo, o sonar ácido do hammond vai entregando uma base melódica sólida que deixa mais visível e palpável um outro ponto de vista daquela mesma paisagem praiana admirada em pontos específicos do diálogo proposto no álbum. Com direito a batuques de agogô que dão um ar ainda mais tropical à sonoridade, Vista Pro Mar segue com a leveza reenergizante de Vida Leve, mas também traz consigo o descompromisso de De Boa. Podendo até mesmo ser confundida como sendo uma faixa do Chimaruts pela sua maciez reggaera, a canção brinca com a junção da sonoridade de algumas palavras enquanto o diálogo se deleita na plenitude do bem-estar consigo mesmo. Portanto, Vista Pro Mar é, assim como Tô Indo Embora e Que Pena, a harmonia da autoestima e a satisfação da valorização da própria essência.


Introduzindo o folk em sua receita de base pop a partir da sinergia criada entre o violão de Sebastião Reis e o baixo, a canção é de uma harmonia bela e tocante que soa como a criação de uma paisagem calorosamente infinita e pronta para ser explorada. Passarinho não é apenas uma canção de amadurecimento e crescimento, é uma canção de inspira a liberdade, o conhecimento, a experiência e a descoberta do novo. Ainda que com um olhar imaturo e ingênuo, é essa pureza que encanta no contexto lírico-melódico de Passarinho, que voa seguindo o Sol para além das montanhas banhadas por um céu de paletas crepusculares e poentes em busca de luz e de vida. Assim como Tá Tudo Bem, ela é outra faixa melodicamente emocionante de AMAR.


Doce, floral e refrescante como a brisa do entardecer primaveiresco. Apesar da maciez estonteante e quase hipnótica do violão, Mar.iana faz do suavizar melódico uma ambiência que beira o melancólico, mas sem dor ou sofrimento lascivo. Entre sobreposições vocais e uma harmonia minimalista, de maneira educada e gentil a melodia vai crescendo em elementos até eclodir em um pop rock de essência confortavelmente branda. Borboletas Azuis é a faixa em que a cantora finalmente acessa o ápice do autoconhecimento e percebe que depende somente dela a aquisição da felicidade plena e do bem-estar. De refrão monossilábico, mas de alto apelo comercial, a canção encanta com seu dulçor delicado e com sua maciez generosa, a tornando a faixa mais marcante de AMAR. Com influências claras de Nando Reis, a composição fala do trajeto da vida, da persistência, de liberdade e da certeza de que o destino fará seu curso. O respeito à vida e a si mesma.


Difícil escolher um tema que não seja trivial para embasar as composições de um disco. Mais difícil ainda é fazer do trivial algo inédito e com perspectivas pouco exploradas. Em AMAR, Mar.iana recorre à arte do amor, da paixão, da atração. Mas é a partir desse sentimento que ela sai da paleta cor-de-rosa e oferece ao público um viés mais reflexivo.


Por meio de melodias macias, frescas e contagiantes, a cantora vai caminhando pelos campos alegres que tangenciam o ato de amar até chegar onde poucos gostam de falar, que é o fim do amor, da reciprocidade, do carinho e da atenção. E é curioso perceber que, das 13 faixas do álbum, cinco oferecem aromas tristonhos, melancólicos ou mesmo introspectivos.


Ainda que o que fique de memória de AMAR são faixas alegres e contagiantes, como Tchau, Baby!, Vida Leve, De Boa e Vista Pro Mar, o álbum surge com um único intuito: o de promover no ouvinte o autorrespeito, a autovalorização, a estimular a autoestima, de ressaltar que cada indivíduo é importante e o de destacar que não é errado chorar.


É por isso que, durante toda a trajetória do disco, Mar.iana aspira por uma liberdade física e emocional encontrada em sua plenitude somente na faixa Passarinho. Não à toa que, com sua máxima delicadeza, a faixa explora não apenas a força, mas o desejo de ter a alma e o coração livres para viver o que a maré oferece.


Assim, o recrutamento de Alex Reis na tarefa da mixagem foi importante para sintetizar, em melodia, todas as emoções exploradas no disco. Com essa tarefa, o profissional deixou nítido as influências rap e R&B, mas também evidenciou a base pop, as referências da nova MPB e as raízes do folk. O pop rock, o soft rock, o rap, indie rock e o reggae fecham a conta como ingredientes a trazerem cores vivas, frescor e leveza para enredos majoritariamente sentimentais.


Lançado em 08 de junho de 2023 via Universal Music, AMAR é a explosão de sentimentos que surgem do ato de amar. Um álbum que exala frescor, maciez e contemporaneidade, características respaldadas pelo intuito máximo do álbum que é educar o ouvinte a se respeitar. Respeitar suas emoções, suas vontades, sua essência, mas principalmente: se valorizar e estar bem consigo mesmo. 




















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.