Fractal - O Caminho Do Meio

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (4 Votos)

Um projeto que une conceitos do budismo com a sonoridade do metal. Essa é a aposta do Fractal, projeto formado por Rafhael Jorge e Guilherme Adriano, e que agora, no último mês do segundo trimestre de 2023, ganha uma forma madura. Ela se dá com O Caminho Do Meio, álbum de estreia do duo.


É como uma estação de rádio mal sintonizada. Soando truncada, uma voz metalizada e de compreensão nula é ouvida ao fundo enquanto uma luminosidade vaporosa, úmida e incomodamente morna começa a imergir através da guitarra de Guilherme Adriano. Sem sobreaviso, o ambiente nebuloso ganha contornos trevosos através da maturação daquela luminosidade anteriormente morna. Agora com domínio sobre o espaço, ela evidencia as rochas, o curso dos rios lameados e os gêiseres de fogo que moldam cada curva do cenário. Eclodindo em um rompante azedo, áspero, potente e levemente áspero, Upaya é uma canção que explora a intensidade do grave e a agonia através de uma receita que une death metal e heavy metal a um lirismo curiosamente de cunho positivo que narra a curta trajetória de um homem desgostoso com a vida e que, após experienciar sentimentos profundamente lancinantes, pôde encontrar a possibilidade da superação.


De início semelhante àquele de Upaya, o novo amanhecer segue com o caráter embrionariamente enigmático por meio de vozes cortadas. Mantendo o protagonismo dos sonares graves a partir de um dissecar promovido pelo experiencialismo do metal alternativo, Prajna não traz azedume no que se refere à melodia, mas o oferece por meio da interpretação lírica de Rafhael Jorge. Com seu timbre rasgado e agudo que por vezes beira o gutural, ele faz de Prajna uma canção que estimula a fuga do sofrer a partir do fechamento de um ciclo. O fim do passado e o início do presente cujos olhares estão fixos em um futuro de experiências ainda ofuscadas pelo destino. E é justamente a ideia de imponência e confiança que regem a forma como Prajna propõe encarar o amanhã.


Apesar de trazer uma melodia doce e floral ouvida ao fundo, Adriano não demora a transformar o torpor aromático em algo bruto e obscuro. Com precisão nos bumbos sincopados e um grave nas guitarras que faz com que o ouvinte seja incapaz de não recobrar as melodias propostas pelo Alter Bridge, o músico torna o ambiente explosivo de forma a tornar possível, mesmo em meio ao caos, a degustação das linhas estridentes e excessivamente densas do baixo de maneira a fazer a melodia flertar com a roupagem stoner. Apesar desse embasamento rítmico-melódico, Samsara vem com a singela função de comunicar ao expectador que ele é o único responsável capaz de desenhar caminhos construtivos e positivos no decorrer da vida. O destino está em suas mãos. Samsara é apenas um recado da importância das escolhas na construção do futuro.


É dissonante e agoniante. Os tilintares opacos e de dulçor incômodo eclodem em um rompante bruto e áspero seguido por um rugido gutural e rasgado que corta a escuridão como um aviso de confronto. Entre sobreposições vocais que criam uma noção quase fantasmagórica, Karma é a voz do obsessor agindo sobre o inconsciente de um indivíduo emocionalmente frágil e inconstante. O curioso é perceber que o obsessor é simplesmente a representação do contexto de vida. É como se o presente fosse responsável por consumir toda a essência de bondade e pureza existente no ser humano, um elemento carniceiro que torna necessária uma urgente cicatrização de suas malfeitorias. Não por menos que Jorge surge em tom de um desespero visivelmente cansado e rendido perante a inquebrantável negatividade de um mundo ingrato.


Um vocal de cadência rappeada é ouvido ao fundo sob um tom que soa como se estivesse em algum tipo de manifestação. Sem muita demora, a melodia se transforma por inteiro. Fundindo elementos de nu metal com metal alternativo, a canção faz com que o ouvinte relembre vagamente do mesmo desenho melódico obtido em Hit The Floor, faixa do Linkin Park. Transparecendo agonia, desespero e angústia, a melodia de Bardo representa cada vocal bradado por Jorge em sua narrativa que surge como o típico jargão ‘aqui se faz, aqui se paga’. Refletindo sobre o peso das ações em um momento além-vida, Bardo traz o amanhã como possibilidade de recomeço ao mesmo tempo em que beira o conceito de legado ao inserir os ditos de que as iniciativas tomadas servem para que seus autores sejam lembrados. Em suma, Bardo fala de legado, de imortalidade, mas também de merecimento e da valorização da vida.


Com uma introdução de estilo lírico semelhante àquele de The Prisioner, single do Iron Maiden, a canção é logo reintroduzida à densa pressão através de golpes sequenciais da caixa da bateria que levam o ouvinte para rompantes uníssonos tão graves que chegam a beirar a estridência. Tornando clara a também influência do metalcore na receita melódica proposta em O Caminho Do Meio, Dukka apresenta o metal alternativo em sua forma mais crua, o que o torna receptivo à fusão com outros subgêneros. Não à toa que, além do metalcore, a canção também apresenta raspas de um grunge ao estilo Stone Temple Pilots enquanto o pedal do bumbo vai ditando a pressão melódica. Assim, Dukka aparece como uma música que incentiva a ação, a proatividade e a fuga da zona de conforto do comodismo. No entanto, assim como em Upaya, Dukka dialoga sobre superação, mas também sobre a constante transformação da essência em prol de um certo senso de elevação espiritual.


É como o eco repercutindo por todo o ambiente. Entre as pedras e as paredes de caráter egípcio, a poeira que sopra das rebarbas das rochas milenares uivam por si só uma espécie de sofrimento entorpecido. Quando a guitarra começa a produzir seus sonares de forma mais espaçada vem os trovões, os relâmpagos e a chuva torrencial. Raivosa, precisa e de olhares sisudos, a sonoridade de Anicca surpreende por ter momentos melódicos que soam como o acesso à redenção em meio ao caos carniceiro. É assim que a faixa busca comunicar ao ouvinte que tudo na vida é passageiro e que a vida é uma obra em constante movimento transformador que carrega consigo somente as lições aprendidas por um povo que, essencialmente, busca a sensação de pertencimento.


Sua proposta é inovadora. Quanto a isso, não existem contestações. Fundir conceitos de uma religião oriental a um modelo melódico ocidental já demanda uma generosa ousadia. Budismo e todo o aparato que circunda o metal, quando ditas de forma solta, parecem intangíveis, mas o Fractal mostrou, em O Caminho Do Meio que eles são elementos completamente congruentes.


Com agressividade, azedume e uma intensa brutalidade, o duo se utilizou do choque melódico para chamar a atenção do ouvinte para questões construtivistas e existencialistas. Mostrar que a vida não é brincadeira e que tudo o que é feito inevitavelmente terá uma conta a ser paga são apenas alguns elementos de reflexão propostos no álbum.


Sempre fazendo um movimento entre passado e futuro no que tangencia o conceito de legado, O Caminho Do Meio ensina a gratidão, a ter consciência perante os atos feitos, a ter consciência que a vida é algo em constante movimento e que a vida pode ser também o gatilho para diversos sofrimentos graças às suas inconstâncias.


Para dar embasamento a essas narrativas, o Fractal se apoiou em uma miscelânea de subgêneros que transita pelo metal alternativo, o nu metal, o stoner rock, o metalcore, o death metal, o grunge e até mesmo o avant-garde metal. Graças à mixagem de Adriano, cada estilo é percebido sem dificuldade em meio à sombria brutalidade palpável de O Caminho Do Meio.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por AI Fantasy Art, ela surge como uma flor morta e cujas pétalas são visíveis apenas pelo que restou de sua estrutura óssea. Curiosamente, seu tom dourado ainda possui vivacidade e, de maneira quase hipnótica, leva o ouvinte para seu centro, uma espécie de buraco negro cujo centro luminoso comunica a continuidade da vida, tema central do álbum.


Lançado em 06 de junho de 2023 de maneira independente, O Caminho Do Meio é uma aula de como lidar com o destino e de como usufruir da arte de viver da forma mais plena possível. Afinal, como o próprio álbum frisou em diversos momentos, toda a ação tem uma reação e o amanhã é apenas uma forma de fazer um novo começo às lições deixadas no ontem, legados esses que nem sempre são motivos de admiração.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.