NOTA DO CRÍTICO
Vindo do nordeste e, por isso, andando de mãos dadas com nomes como Isa Roth e Bié dos 8 Baixos, Italo Azevedo completa as gravações de seu disco de estreia e enfim, o lança no mercado. Intitulado Ensaio Sobre o Tempo, o trabalho não apenas é o primeiro álbum de estúdio do fortalezense, mas é também aquele que marca a estreia do cantor e compositor no universo fonográfico nacional.
A guitarra por si só já começa a construir um ambiente dramático por conta de seu tom grave. Com a união dos violões de Matheus Brasil, João Paulo Taleires e do próprio Azevedo, a melancolia invade o ouvinte como um abraço acolhedor. Eis então que uma voz aberta, levemente anasalada e afinada invade a cena com um tom mais colorido e que acaba por entregar mais brilho à atmosfera até então opaca e triste. É Italo Azevedo trazendo mais uma de suas façanhas, vertente essa que possui um timbre muito semelhante ao de Tiago Abravanel. No que tange a melodia, ela passa a assumir uma espécie de torpor nostálgico-melancólico que acaba servindo de base para um lirismo que busca refletir sobre a vida, o processo de crescimento, o ato do conceber. Refletir sobre o ser. É assim que se caminha Antes do Início, uma música que mergulha no universo indie cuja sonoridade é delicada, mas ao mesmo tempo dramática e sentimental. Nela, o teclado assume importante participação, pois são suas notas aveludadas que proporcionam mais do que um clima exotérico, mas algo transcendental. Antes do Início, um mantra que acalma e entorpece.
Logo de início, já há uma energia diferente. Longe da melancolia da canção anterior, existe ânimo e uma atmosfera alegre na melodia em formação, afinal, as cores são mais vivas e o perfume mais estimulante. Curiosamente, a sonoridade possui uma semelhança singela com aquela estruturada nas canções do Los Hermanos. Quando o primeiro verso se inicia, Velho Endereço vai desenhando sua identidade a partir da fusão do indie, pitadas de uma ambiência nordestina e, a partir da cadência vocal, de reggae. Com refrão de sonoridade explosiva e dramática, Velho Endereço fecha a sua receita rítmica com inserção de rock alternativo. Nesse interim, o lirismo reflete sobre insegurança e falta de perspectiva. Mais do que isso. A canção retrata a busca do eu-lírico pela própria identidade e autoconhecimento. Velho Endereço é, sem dúvida, a primeira canção de Ensaio Sobre o Tempo com todos os ingredientes que atendam aos interesses radiofônicos, a tornando um single cativante.
Existe um sabor azedo. Um azedume com surpreendentes toques doces caminhando por entre as papilas gustativas. A saliva vem em abundância e essa sensação de intenso sabor se depara com a completa doçura do primeiro verso. Uma sensualidade sem sexualidade, mas com capacidade de atrair e conquistar o ouvinte é facilmente notada na melodia que recria a estética alternativa de Velho Endereço, com a diferença de se pronunciar em tons mais brandos. No pré-refrão, a melancolia é o sentimento que novamente se faz presente por entre a guitarra de riffs graves e distorcidos e a bateria de punchs enérgicos. É no refrão que Horizonte de Eventos mostra sua faceta pop e indie rock com flertes no metal alternativo. Uma atmosfera melodicamente experimental que, novamente, é acompanhada por um lirismo de autoconhecimento. Desta vez, porém, as descobertas estão sobre os limites de si próprio e pelo conforto perante a tristeza. Enquanto Velho Endereço é um single em toda a sua estrutura, Horizonte de Eventos pode ser considerada como um single lado-b.
Maciez. O conforto da marola banhando o corpo. O calor do sol aquecendo a pele. A textura da areia trazendo vida por entre as texturas sentidas pelos pés. A faixa-título surpreende por apresentar ao ouvinte um novo cardápio. Com a nostalgia tomando a vez da melancolia, a canção caminha por entre a reflexão do efeito do tempo na vida e na rotina. A não percepção do passar os dias, a normalidade da rapidez com que os momentos são vividos e as frequentes ocasiões em que as memórias trazem lembranças de algo que possui imagem embaçada por não ter sido vivenciada de maneira vívida. É curioso como aqui, Azevedo traz referências lennianas, em especial com relação à canção Imagine. Definitivamente, uma música que, de maneira suave, convida o ouvinte a refletir sobre a própria forma como a vida é vivida e como o efeito do tempo é encarado.
O teclado devolve a melancolia estacionada em Horizonte de Eventos. Suas notas aveludadas e em tons baixos promovem uma mistura de sentimentos melancólico-cabisbaixos por parte do ouvinte, que facilmente se percebe com lágrimas nos olhos. No primeiro verso, o ouvinte é reconfortado com o timbre de Azevedo, mas ao mesmo tempo é surpreendido por outra voz, mais aguda e com toques agridoces que se assemelham ao timbre de Fiuk. É Gabriel Aragão entregando uma dose extra de doçura à estrutura sonora de Tempo de Partir, uma música que, com pitadas de xote imersas na união da bateria e do baixo, aborda o ato de deixar o ninho e do medo pelo incerto, pelo desconhecido. Assim como Antes do Início, Tempo de Partir é mais uma canção de Ensaio Sobre o Tempo sobre o crescimento.
As onomatopeias ditas por Azevedo nos primeiros instantes da canção remetem ao time de cantores formado por Ana Carolina, Marcelo Falcão e Rogério Flausino. A guitarra distorcida, mas em riff mais alegre, oferece o Sol, o calor, o brilho de um céu azul. É nessa paisagem que o baixo de Iuri Meneses oferece corpo e precisão nos grooves que a preenchem. Os quais, por sinal, entregam uma fusão de funk e ska na mesma medida swingada. De refrão enérgico e excitantemente cativante, Pra Gente Cantar Junto se revela como uma canção de exortação pela arte, a arte da vida. Mais do que isso. A canção recria a proposta do Jota Quest em sua turnê intitulada Músicas Para Cantar Junto, em que a alegria era o principal ingrediente. Pra Gente Cantar Junto acaba por assumir a vice-liderança de single mais atraente de Ensaio Sobre o Tempo, ficando atrás de Velho Endereço.
É como a chuva escorrendo pelo telhado. O céu nublado e acinzentado está com poucos feixes de luz que iluminam o gramado. De longe, a paisagem é observada por entre o vidro embaçado que impede o frio de entrar no ambiente. A pessoa que vê esse cenário é cabisbaixa e está com olhos marejados. Se abraçando como forma de encontrar algum sinal de conforto, ela se refugia em si mesma para a hipnótica sensação de proteção. É isso o que as notas do teclado combinadas com os riffs do violão e a levada sentimental da bateria oferecem ao ouvinte na introdução de Nossa Cidade. Fugindo da alegria embriagante de Pra Gente Cantar Junto, Azevedo propõe na canção a reflexão sobre a rotina e o modo de vida estruturado nas metrópoles, onde a sensação de anonimato é constante e o viver no modo automático um pré-requisito. Intrinsecamente, o que essa obra de adereço melódico misto entre post-punk e new wave propõe é mais um olhar sobre a sensação ausente de pertencimento.
A guitarra cheia de caminhares acelerados por entre escalas e os elementos percussivos criam uma ambiência alegremente confortante de reggae na introdução. No passar para o primeiro verso, porém, a melodia se torna mais introspectiva, com protagonismo do violão e bateria cuja criação sonora recria a estrutura rítmica de Quem de Nós Dois, single de Ana Carolina. De melodia extremamente macia, participação da Banda Reite e lirismo encantadoramente suave e de teor romântico, Seus Movimentos toma a vez de Velho Endereço e se torna o principal single de Ensaio Sobre o Tempo. Pitadas de soul e pop ainda são percebidas na sonoridade da canção, a qual apresenta Brasil em sua melhor desenvoltura na função de baterista e, ainda, oferece um refrão cantado em coro ao lado de Renato Mesquita.
Lúdico é o que define a estrutura geral de Cosmos nº2. Afinal, com o apoio da levada xote desenhada pela bateria, o lirismo conta de maneira animada e pitoresca de descrever os processos do anoitecer e amanhecer. De certa forma, Azevedo conseguiu recriar a leveza, a humanidade, a calmaria e a simplicidade com a qual Chaps Melo apresenta as canções do Mundo Bita. Com capacidade de arrancar arrepios e marejar os olhos do ouvinte, o refrão possui uma estética crescente em cuja combinação sonora cria uma paisagem que exorta beleza e harmonia. Esses ingredientes fazem de Cosmos nº2 a balada de Ensaio Sobre o Tempo.
Minimalista, introspectivo e sentimental. A introdução evoca uma atmosfera reflexiva que já mostrou ser a marca de Italo Azevedo. De maneira inferior, com capacidade latente, a presente faixa, assim como em Cosmos nº2, consegue deixar o ouvinte com olhos marejados perante a melodia e harmonia da canção, a qual, na companhia de Claudine Albuquerque nos vocais, acaba possuindo uma sinfonia de cores pasteis que embriagam o espectador. Com pitadas de psicodelia, Depois do Fim e uma dramaticidade estonteante, a canção traz em seu lirismo uma narrativa sobre o sofrer, a invasão confortável e encantadora da depressão e o ato agressivo do auto-desligamento terreno. É assim que o álbum encontra o fim da narrativa de uma vida. Começando com Antes do Início, uma faixa que fala sobre o nascer e o renascer, Ensaio Sobre o Tempo caminha por diversas questões pessoais até que reflete, em Depois do Fim, sobre o encerramento, sobre o vazio.
Inteligente é a palavra que define Italo Azevedo. Afinal, por meio de 10 faixas, ele conseguiu refletir sobre diversos anseios e dragões da sociedade de maneira respeitosa, mas sempre evocando a reflexão. O começo, o fim, o meio. A vida é feita de escolhas e cada escolha possui seu momento no espaço tempo. Parafraseando Egypcio, “o tempo é uma questão de sim ou não”.
Ensaio Sobre o Tempo é um disco que caminha pela vida, pelo medo, pela angústia, pela alegria. É um disco que exorta a melancolia e a nostalgia do ser humano ao retratar as incertezas, as inseguranças e o automatismo com que se baseia a vida atual. É um disco que quer ajudar cada ouvinte a olhar para si e reencontrar os verdadeiros ‘eu’.
Essa empreitada ganha facilidade a partir da adoção de gêneros mais introspectivos e entorpecidos, como o indie, o post-punk, o rock psicodélico e, em menor grau, o rock alternativo. A perfeição está na forma como esses estilos foram fundidos de tal maneira a criar o clima reflexivo ideal, um grande feito da produção de Matheus Brasil.
Esse tom reflexivo foi, inclusive capturado pela arte de capa. Feita por João Lauro Fonte, ela traz um degrade de cores em uma clara alusão ao ato do passar do tempo. Inclusive, cada tonalidade comunica os sentimentos sociais: tristeza, alegria, excitação, raiva, ódio, amor. É o tempo na tentativa de ser um aliado e deixar de ser um rival.
Lançado em 15 de outubro de 2021 via Rockambole, Ensaio Sobre o Tempo é um disco que reflete, de maneira transparente, o ato de viver. A vida é feita de altos e baixos, mas a superação anda de mãos dadas com a depressão. Assim como disse Gonzaginha em O Que É, O Que É, “Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um belo aprendiz”.