Iggy Pop - Every Loser

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Ele está a alguns meses para completar 76 anos. Porém, a idade não é sinônimo nem sinal de que guardará o microfone, as baquetas ou, ainda, as palhetas. O chamado Padrinho do Punk, ou para os desavisados, Iggy Pop, escolheu os primeiros sinais de luz de 2023 para anunciar seu 21º álbum de estúdio de sua carreira pós-The Stooges. Intitulado Every Loser, o novo trabalho é o primeiro material de inéditas desde Post Pop Depression, divulgado em 2016.


Um chiado típico de amplificador é ouvido de forma rápida. Sem muita demora, a guitarra entra como um relâmpago rasgando um súbito momento de silêncio. Por meio dos comandos de Andrew Watt, ela oferece uma sonoridade grave e lenta, um despertar de doom metal típico daquele criado e propagado pelo Black Sabbath. Acompanhado por um baixo igualmente grave e ácido de Duff McKagan, que insere pitadas de stoner rock à inicial morbidez melódica, o instrumento acaba sendo como uma espécie de guia melódico que permite, inclusive, que a bateria de Chad Smith seja o elemento-chave para informar ao ouvinte qual, de fato, é a cadência rítmica da canção. Parida com uma ambiência punk setentista que curiosamente flerta com a base melódica de Dirty Magic, single do The Offspring, Frenzy traz um vocal de curta extensão, mas de toques ríspidos e levemente graves que completa seu escopo harmônico. É Iggy Pop dando ainda mais ar e aroma dos anos 70 com uma canção que simplesmente deseja, grita, sangra e se contorce por liberdade.


Mantendo a base melódica, mas com uma cadência mais amena, a presente canção traz um alvorecer com um sabor mais entorpecido e adocicado. Com auxílio do teclado dividido entre Watt e Josh Klinghoffer, a faixa tem uma base new wave que rememora clássicos do estilo, como Boys Don’t Cry, single do The Smiths, Dancing With Myself, de Billy Idol, e Let’s Dance, de David Bowie. Tendo no compasso do chimbal o elemento que salta aos ouvidos no que se refere à designação rítmica, Strung Out Johnny é uma canção de cunho autobiográfico que aborda, com o típico timbre de Pop, o vício em drogas, um relacionamento que começa amigável e, logo, passa a ser possessivo e doentio. 


Doce e com pitadas melancólicas, o alvorecer melódico traz uma base embriagante e mareante ofertada pelas teclas do órgão. Com auxílio das marolas da guitarra acústica, New Atlantis vem com uma estética folk que, para muitos, pode ser definida como a mais tradicional base do country. Servindo como cama sonora para um lirismo propriamente narrativo e empostado por parte de Pop, a faixa traz um flerte estilístico com as paletas sonoras trazidas por nomes como Lynyrd Skynyrd e até mesmo ZZ Top. Com picos harmônicos, New Atlantis é, entre indas e vindas, uma declaração de amor a Miami, a terra onde é oferecida a possibilidade de transparência de caráter, a liberdade no amor e, ao mesmo tempo, a realidade da imprevisibilidade da implosão da rotina e do mundo como são conhecidos.


Sensual e provocativo. Em Modern Day Ripoff, Iggy Pop presenteia o ouvinte com um hard rock oitentista de caráter libidinoso, explosivo, elétrico e com flertes, inclusive, do boogie woogie através das notas sincopadas do piano. Saindo da introdução, porém, Modern Day Ripoff traz consigo uma base melódica funkeada que dá mais sensualidade e um ar ainda mais provocativo que rememora a estrutura adotada em Sugar Cane, single de Slash feat. Myles Kennedy & The Conspirators. Notavemente se sentindo o mais à vontade possível, Pop traz um enredo que, assim como o de Frenzy, urra pelo senso de liberdade. Ao mesmo tempo, porém, na presente canção o Padrinho do Punk parece conviver com a consequência dos excessos, mas sem prejudicar ou mesmo diminuir sua sede por intensidade.


A melodia é macia, aconchegante e atraente. Aparentemente, com sua estética bluesada, Morning Show comunica a chegada da primeira balada de Every Loser. Seu despertar é a sonorização tanto do Sol poente em uma tarde praiana de verão quanto a brisa refrescante do entardecer do outono. Com auxílio do veludo da guitarra elétrica e da base da guitarra acústica junto do piano, a canção consegue ter flertes até mesmo com a melodia do hula, o que transmite ainda mais calmaria ao ouvinte. Curiosamente, Morning Show é a descrição de um personagem que assume uma essência fria, mas que, ao mesmo tempo, através da imprevisibilidade do amanhã, ensina a aproveitar ao máximo o momento presente e a agradecer por, dele, poder desfrutar. Morning Show é o perfeito relato de um personagem que vende a imagem de carrasco, mas que, por dentro, é extremamente emocional.


O típico blues ou, inclusive, o típico rock and roll. Pode parecer uma canção do The Doors, mas The News For Andy (Interlude), é uma faixa contagiante cuja base melódica transmite até mesmo um senso cômico estonteante. Tendo o protagonismo do enxuto groove do baixo como elemento que desenha o compasso rítmico, o interlúdio vende o que Pop chamou de Psiquiatria Elevada, uma metodologia de tratamento que oferece rápida melhora no diagnóstico.


O tilintar das baquetas ecoam no ambiente inóspito, mas já informam uma cadência mais acelerada que a de costume. Entre gritos de ordem que explanam a palavra ‘punk’, Neo Punk é uma faixa que não somente flerta com o estilo melódico das canções do Green Day, é uma faixa que, com auxílio de Travis Barker no comando da bateria, tem uma base rítmica nos moldes do pop punk. Tal estilo rítmico adotado na canção é a perfeita forma de Pop comunicar sonoramente o ouvinte de que Neo Punk é uma canção que questiona a cultura dos chamados neo punks. Em tom de deboche, é como se o Padrinho do Punk estivesse chamando a nova geração punk como ‘geração punk Nutella’. Afinal, o cantor questiona a elitização dos novos representantes do punk, bem como a influência midiática na estética de tais seguidores. Neo Punk, enquanto menospreza e desvaloriza a nova geração punk, é uma canção que, nas entrelinhas, vangloria a década de 70, época em que o subgênero atingiu seu pico de popularidade.


Atraente, harmônica e contagiante. Com grande frescor, All The Way Down traz uma melodia macia que mistura o boogie woogie através das notas sincopadas do piano com um embrionário rock alternativo. Fluindo para uma estética indie rock em seu primeiro verso, momento em que o baixo ganha notável protagonismo com suas linhas curtas e graves, All The Way Down é uma música que, trazendo minúsculos flertes com a tonalidade de pronúncia assumida por Myles Kennedy em Sick And Wrong, single do The Mayfield Four, discute os excessos mundanos, a ganância, a futilidade, a manipulação. Se Morning Show foi a balada, All The Way Down, com seu contágio melódico e seu refrão-chiclete possível graças à união da guitarra extra de Stone Gossard, assume, de maneira indiscutível e perfeita, a posição de single radiofônico de Every Loser.


O baixo, solitário e grave de Eric Avery, é quem puxa a sonoridade introdutória. Nauseante, ela traz uma cadência que, oferecida pela bateria de Taylor Hawkins, indica que uma repentina aceleração pode ser esperada. Embriagante e com lampejos de sonorizações eletrônicas que pincelam a new wave em sua melodia, Comments mantém a estética embriagante e entorpecida enquanto oficializa a new wave como gênero norteador de seu som. Sem qualquer tipo de virtuosismo, a faixa ganha qualidade ao introduzir um lirismo analítico sobre a cultura Facebook, sobre a cultura do julgamento alheio. Ao mesmo tempo, Comments é um produto que incentiva o ouvinte a se desvencilhar do ambiente virtual oferecido pelas redes sociais e viver o mundo real e sentir a pureza e originalidade das sensações que ele traz.


Colocado acima de uma melodia de cunho transcendental, a voz grave e falada de Pop traz, em My Animus (Interlude), o segundo interlúdio de Every Loser, fala sutilmente sobre insanidade e ganância. É assim que se faz a transição, após um silêncio incômodo, para um capítulo que se inicia melancólico e inebriante. Trazendo uma base melódica simples no compasso 4x4 criada entre a bateria de Hawkins e o baixo de Chris Chaney, a presente faixa tem um agravante nessa sinergia entristecida e entorpecida através do sobrevoo vocálico de Watt na função de backing vocal. Contudo, o ouvinte é surpreendido com uma quebra rítmica que rompe ligeiramente esse inebriar morfinesco enquanto desenha linhas melódicas sutilmente mais enérgicas. Banhadas por um groove de baixo mais presente, Fuck The Regency tem um refrão repetitivo que, infelizmente, falha na tentativa de penetrar na mente do ouvinte. Ainda assim, a faixa tem como mensagem final a soberania, o senso indestrutível e até mesmo insensível e sínico de um homem que rompeu a regência e estruturou um legado de intensidade.


Ele é um trabalho que de fato surpreende pelo frescor, mas não um frescor comum. Seu aroma se mistura com passado e presente enquanto transpira intensidade, vida e insanidade. É um trabalho que revisita estéticas setentistas enquanto zomba daqueles que, hoje, dizem defender um estilo que nada se assemelha com a nova cultura. Every Loser é um recado de que o batizado James Newell Osterberg definitivamente ainda não se aposentou.


É um produto que fala de intensidade, insanidade, liberdade e menospreza, em forma de deboche, as pessoas que, atualmente, se dizem expoentes do punk, como acontece em Neo Punk. Pondo em cheque comportamentos sociais regidos pela ganância e manipulação com grande jovialidade e futilidade, o álbum é um produto enérgico que divide espaço também com a melancolia, o torpor e a sensualidade provocativa.


Trazendo um time de convidados de peso, Every Loser, de certa forma, entra no mesmo rol que os dois últimos álbuns de Ozzy Osbourne: Ordinary Man e Patient Number 9. Afinal, ele funciona como uma espécie de comemoração, uma homenagem e uma despedida não-anunciada de Iggy Pop. 


Ainda assim, o álbum é um material rico em experimentações e revisitações. Ao lado do produtor Watt, Pop desfila o punk setentista de maneira a homenagear indiretamente seu contemporâneo Billy Idol enquanto mistura a new wave com hard rock, boogie woogie, funk, folk, blues, doom metal, stoner rock e o indie rock.


Graças a Alan Moulder, Every Loser, mesmo com essa miscelânea melódica, soa como um material típico de Iggy Pop. A essência do Padrinho do Punk está bem conservada e ainda com rompantes de energia que, para muitos, não seriam mais vistos por parte do músico que, ainda, surpreende ao trazer Strung Out Johnny, um capítulo autobiográfico ao enredo que marca o álbum em definitivo.


Lançado em 06 de janeiro de 2023 via Gold Tooth Records e Atlantic Records, Every Loser é o acalentador retorno, depois de sete anos, do Padrinho do Punk. É um trabalho que mostra a irreverência, a força e a capacidade que o roqueiro de Michigan ainda tem em oferecer músicas que quebram limites e qualquer tipo de expectativa, mas que, ao mesmo tempo, não fogem de sua zona de conforto.

















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.