NOTA DO CRÍTICO
Ele começou a compor aos 19 anos. Depois de anunciar alguns singles, sua estreia no mercado musical independente brasileiro foi enfim acontecer em 2021 com o anúncio de É Só Um Ponto De Vista. Pouco mais de um ano depois, o cantautor gaúcho Pedro Dupuy deu continuidade à sua discografia com Perfeitamente Mutável, seu segundo e mais recente EP.
Um ambiente entristecido, cabisbaixo e até mesmo lacrimal vai sendo evidenciado por trás das densas camadas de nuvens acinzentadas. A união do som do piano trazido pelo sintetizador e as notas agudas e bem espaçadas da guitarra ajudam a amplificar essa sensação de torpor melancólico. Nesse cenário, a voz doce e singela de Pedro Dupuy entra como um artifício que serve como um abraço de consolo, um personagem onipresente que acompanha, com zelo, o personagem lírico que se encontra solitário e excluído. De maneira gradativa e até mesmo educada, a canção cresce em harmonia com a entrada do baixo de Denner Gomes, que delicadamente se insere no corpo melódico, entregando corpo e consistência ao ritmo que se matura como uma expressão nostálgica do momento da mais alta felicidade e sensação de plenitude. Bela Balada é uma canção que, indiscutivelmente, tem na voz de Dupuy seu grande ingrediente catalisador de emoções. Com sua interpretação intimista e interna, o cantor faz sua voz soar de maneira tão leve que realça o grave e as nuances de seus falsetes e sobrevoos ásperos que, cuidadosamente, colocam textura na narrativa de uma balada romântica MPB-bluesada que, entre instantes dramáticos, verbaliza e sonoriza a pureza do amor com uma levada regimentada pela bateria de Marquinhos Fê, a qual dá ainda mais vida à esfera blues dessa canção emocional e floral.
Com harmonia bem trabalhada desde seus primeiros sonares, Sinceros Sorrisos vem com swing e um ritmo delicadamente acelerado que dão mais energia e conseguem atrair com mais facilidade o público de sua melodia, mesmo ela ainda estando em processo de construção. Sinceros Sorrisos é a simples narrativa do eu-lírico pela busca da felicidade e do bem-estar, do estar bem consigo mesmo e, consequentemente, do autoconhecimento. É possível até mesmo dizer que, mesmo com a inserção de palavras pouco melódicas, Sinceros Sorrisos consegue atingir as diretrizes radiofônicas daquilo que se define um produto musical com apelo popular. Nesse ínterim, o ouvinte pode identificar até mesmo singelas semelhanças com certos sonares ou com a base rítmica da presente canção com aquela de Se…, single de Djavan.
Macia, mas melancólica. A forma como a guitarra se movimenta, juntamente ao compasso rítmico construído através do estalar de dedos, evidencia um ambiente que, além de intimista, é minimalista. Nesse ínterim, Dupuy entra com uma interpretação mais nostálgica e até mesmo sofrida, capaz de criar uma perfeita sinergia entre as palavras proferidas e o ouvinte. Como uma perfeita antítese de Bela Balada, Temo Que Fuja oferece o relato do rompimento, da dúvida, do remorso. Do inevitável. Com drama mais latente, a canção é como um temporal de instabilidade emocional sonorizado de uma maneira bastante visceral. Tudo para dar voz à dor e à incredulidade do fim de algo bom.
Com inserção de sobrevoos sincrônicos de violinos, a harmonia introdutória não traz dramaticidade, mas um classicismo disenyresco que vai além do sonar de tais instrumentos. Regimentada como uma espécie de pó de pirlimpimpim, um ingrediente-base da melodia, esse tom Disney se mantêm durante toda a canção de maneira a construir uma melodia estimulante, enérgica e contagiante. Rememorando a faixa Estranhos Como Eu, single de Ed Motta e pertencente à trilha sonora da animação Tarzan, Por Onde Começar mostra Dupuy alçando voos que mostram mais de seu potencial vocal enquanto dialoga sobre amadurecimento, mudanças de comportamento e os desafios dos novos estágios da vida.
Delicado, melódico e harmônico. Perfeitamente Mutável não poderia ter outro nome. Afinal, o EP é um produto que, com muita delicadeza, mas também com evidente visceralidade, dialoga sobre sofrimento, medo, felicidade, pureza, plenitude e amadurecimento. O crescer e o criar consciência são a mutabilidade do caráter.
Com musicalidade e uma singeleza estonteante, Pedro Dupuy consegue misturar drama, ânimo, contágio, melancolia e sofrimento em medidas cuidadosamente equilibradas. Tudo a partir da mistura da MPB, blues, folk e, inclusive, pitadas de classicismo. Claro que, nesse aspecto, o gaúcho teve auxílio de Frank Solari e Victor Nery.
Os profissionais, se dividindo entre produção e mixagem, conseguiram, juntamente à ideologia de Dupuy, dar vida e nitidez a todas as emoções propostas em cada um dos quatro capítulos de Perfeitamente Mutável, um EP que identifica seu compositor em fase de mudança.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada pelo próprio Dupuy, ela tem um ar barroco pela escolha de tonalidades mais escuras para colorir a obra. Evidenciando o cantautor com feição de pensador em meio ao mato alto repleto de pequenas flores, a reflexão e o incitar de tomada de decisão podem ser percebidos. São detalhes que casam com a mensagem do EP, de amadurecimento e consciência de mundo.
Lançado em 16 de dezembro de 2022 de forma independente, Perfeitamente Mutável é, simplesmente, os desafios da vida em forma de melodia. Representando a fase de vida de seu compositor, o EP é uma obra que evidencia as dicotomias emocionais por sonoridades que transitam entre o delicado e o visceral.