NOTA DO CRÍTICO
Da mesma terra de Madu, outro nome surge para a cena independente brasileira. Com pouco mais de um ano de existência, o quinteto catarinense Fantástico Caramelo enfim lança, após consecutivos shows em 2020, seu disco de estreia. Intitulado Em Quatro Três Dois, o álbum tem produção assinada por Rafael Rosseto.
É por pouco, mas as primeiras notas da guitarra, tocadas de forma a produzir um som aparentemente truncado, remete ligeiramente à melodia feita por Syd Barrett na introdução de Another Brick In The Wall, single do Pink Floyd. Assumindo uma atmosfera mística de um misto de alucinógenos e ácidos, a estrutura sonora de Pura Conexão traz um elo entre psicodelia, indie rock e rock alternativo cuja ambiência noventista fica evidente. Quando o primeiro verso se instaura, o groove do baixo de Diego Pereira se torna um guia corpulento e quase silencioso da cadência de Pura Conexão, uma música que recebe de braços abertos um vocal de timbre agudo com notas de rouquidão. É Nayara Lamego entregando uma interpretação lírica sensual que transita livremente entre o espanhol e o português. Em meio a um roteiro lírico sincronicamente sensual sobre a atração de dois corpos, Pura Conexão acaba fixando a melodia no campo do post-punk ao estilo U2, cuja atmosfera ácida se mistura com uma melancolia reconfortante e um torpor sedutoramente encantador.
Com um riff ululante, é a guitarra quem puxa a introdução de Tão. Ao lado de um groove de velocidade mais lenta, porém de mesmo desenho, daquele feito por Nicko McBrain na introdução de Run To The Hills, single do Iron Maiden, é Marcelo Sutil quem, desta vez, estipula a cadência melódica. Conforme a música vai se desenvolvendo, contornos com o britpop podem ser percebidos ao passo que um vocal de exortação de qualidades é exposto. No entanto, em meio às cuspidas de virtudes feitas por Nayara, percebe-se que o eu-lírico está sob pressão e imersa em um relacionamento abusivo cujo menosprezo, machismo e auto-censura são elementos comuns na convivência. É quase como um grito de socorro presente nas entrelinhas das palavras expressas.
A guitarra, com seu riff em reverb e ecoante, recria uma ambiência do rock nacional oitentista ao estilo de Lulu Santos que encanta pela sutileza. Macia e com protagonismo do sintetizador de Gabriel Alves, a canção possui pinceladas de new wave que se misturam com o blues, a psicodelia e o pop. A maciez, limpidez e suavidade com que Nayara imputa seus vocais fazem com que a canção seja melodicamente sedutora e harmonicamente reconfortante. Até porque, o lirismo trata de liberdade de pensamento e de espírito. Por essas razões é que Acreditar se torna um importante single lado b de Em Quatro Três Dois.
O som seco e solitário da guitarra é o elemento introdutório. De repente, a bateria entra com um groove lento e sutilmente sujo que, ao lado das notas agudas do sintetizador, cria uma atmosfera que exala melancolia. Construída na sonoridade de rima perfeita, o lirismo de Sempre Quis preenche a atmosfera melancolicamente aconchegante com uma narrativa sobre a necessidade de algo que funcione como um guia na trajetória terrena, uma companhia protetora onipresente que zela pelo bem e pelo desenvolvimento de todos de igual forma. Uma mensagem que é abraçada por um solo de guitarra ácido, mas sem tirar a maciez tão latente na melodia da canção, que assume o posto de balada do álbum.
Com base no blues, a estrutura de Tchuru é contagiante e com doses de ânimo que levantam a energia do ouvinte. Não por acaso, o lirismo possui um conteúdo leve e entrelaçado por uma melodia indie rock amena e de refrão-chiclete sedutoramente cativante. Com uma ambiência rítmica ao estilo K-Sis, o lirismo pode fazer de Tchuru uma irmã de Natasha, single do Capital Inicial, afinal, ambas tratam da dicotomia de personalidades, do amadurecimento, da insegurança e da busca pela própria identidade. Seu ritmo, seu lirismo, a interpretação lírica e estrutura melódica fazem de Tchuru um single radiofônico e grudento de Em Quatro Três Dois.
Notas de nostalgia podem ser notadas na introdução de Na Tua Imaginação. Afinal, o som do riff da guitarra combinado com o groove do baixo exalam um sentimento saudosista intenso no ouvinte, mesmo que por um curto período de tempo. Com direito à sobreposições vocais e um lirismo crítico ao comportamento tendencioso e positivista da crítica especializada, Na Tua Imaginação é uma canção de ritmo linear que trata de abstratismo e devaneios. Um potencial single para fazer companhia a Tchuru.
Ânimo, energia, velocidade e cadência contagiante. Essas são características que bem descrevem a introdução de Firefly. Afinal, enquanto a guitarra de Henrique Marquez sobrevoa a estrutura melódica com um solo harmônico calcado em uma dose sutil de reverb, a base rítmica comanda a melodia com um extasiante rock alternativo. Com direito a um pré-refrão de sonoridade reggae, a canção não somente transita entre o português e o espanhol como em Pura Conexão, mas também entre o inglês, a tornando uma faixa cosmopolita. O mais interessante da canção é que, por mais que o refrão não seja tão repetitivo quanto o de Tchuru, ela possui o ritmo, a cadência lírica, a tonalidade vocal, a melodia e as palavras ideais para torná-la facilmente memorizável pelo ouvinte. Por isso, apesar de Tchuru e Na Tua Imaginação serem importantes singles, é Firefly que se torna o principal cartão de visita de Em Quatro Três Dois.
Grave, pausado, preciso. É o baixo que puxa a introdução de Lajotas Amarelas. Ao fundo, a guitarra é ouvida em ondulações aceleradas como se estivesse criando expectativas ao ouvinte sobre uma possível quebra rítmica a ser desenvolvida. O que se segue é uma estrutura sonora macia no compasso 4x4 com forte exortação de melancolia. Tratando sobre o ato de viajar por entre efeito de entorpecentes, a canção tem o lado curioso de ser a melodia a parte registradora na memória do ouvinte e não o lirismo, como é usual. Afinal, ela é macia, reconfortante, extasiante e embriagante na medida certa de atração e empatia.
Suavidade melódica. Tranquilidade e uma sensualização não proposital nos vocais. Ritmos mistos de caminhada livre pelos campos do rock alternativo, reggae, psicodelia, blues e pop. Harmonia embriagante e simples. Essas são características que definem perfeitamente o que é Em Quatro Três Dois.
Porém, o disco possui um detalhe importante a ser dissecado. O Fantástico Caramelo é um quinteto que sabe muito bem desenhar melodias grudentas sem serem comercialmente abusivas, que sabe combinar gêneros sem parecer destoante, que consegue demonstrar química com minimalismos sonoros. Que combina idiomas sem ser entediante.
E sintetizar esses elementos em um produto necessita concentração, precisão e conhecimento teórico, coisas muito bem empregadas por Rosseto. Afinal, ele conseguiu montar uma sonoridade única, por mais que algumas influências estruturais sejam visíveis, como é o caso do Pato Fu e Kid Abelha. Aqui, o suave ganhou novo dono e a amenidade novas melodias. É isso o que faz de Em Quatro Três Dois um disco de roupagem inovadora e contagiante. É isso o que faz de Fantástico Caramelo uma aposta de experimentações.
Além disso, o disco mostra surpreendentemente a sabedoria do quinteto em produzir músicas contagiantes. Nomes como Sempre Quis, Tchuru, Na Tua Imaginação, Firefly e Lajotas Amarelas são grandes exemplos disso. Refrões sedutores, melodias harmônicas e lirismos leves. Uma combinação muito bem administrada pela banda.
Lançado em 11 de outubro de 2021 de maneira independente, Em Quatro Três Dois é um disco que, além de experimentar diferentes texturas melódicas como o post-punk e o reggae, é capaz de encantar com sua simplicidade e veludo sonoros. Um disco que encanta, seduz e aconchega.