NOTA DO CRÍTICO
Diretamente do Canadá outra banda se une ao vasto mercado fonográfico global. Vindo de Kelowna, uma das melhores cidades no mundo para se viver, o quinteto Post-Modern Connection sai da coxia e anuncia Clustered Umbrella, seu EP de estreia e marcando sua estreia oficial no universo da música.
Contagem regressiva em coro. Uma atmosfera macia, embriagante e levemente alucinógena vai se formando à frente do ouvinte a partir da união de uma guitarra de riff calmo e de notas aveludadas e agudas trazidas pelo sintetizador de Cam. No desenvolver da introdução, existem momentos em que Tega assume a dianteira e faz sua guitarra se sobressair da melodia em construção através de um solo surpreendentemente alegre que abraça e contagia a harmonia da canção. Eis então que uma voz rouca, de timbre entorpecidamente hipnotizante, preenche a estrutura de Folie a Deux. É novamente Tega entregando mais temperos a essa que é uma canção que transita entre o indie, o psicodélico e o folk de uma maneira homogênea e fluída. Entre sobrevoos melancólicos do violino de Mitch, o lirismo que se desenha aborda questões sobre autoconhecimento, noções de pertencimento, contrastes com a imaturidade e a ânsia de viver. A verdade sobre si mesmo parece a busca mais longínqua e difícil de ser encontrada.
Curiosamente ou não, as linhas da bateria de Steven desenham um quadro de samba que entrega à melodia ainda em formação pitadas abundantes de uma malemolência brasileira sedutora. É então que a guitarra entra com um riff de notas azedas trazendo uma ambiência alternativa à estrutura e fazendo com que a bateria desenvolva novos traços sonoros. Mais aceleradas e quebradas, as frases da bateria passam a fugir daquele samba inicial e imprimem uma cadência acelerada que, ao lado do baixo de Georges, ganha ares de um groove sedutor. O interessante é que a melancolia é um ingrediente que segue acompanhando a energia rítmica do Post-Modern Connection em In The Dark, uma música que mistura a atmosfera sonora setentista da new wave com traços de um rock gótico em ascensão no final desse mesmo período. Trazendo um lirismo que esboça conflitos internos e o acesso a pensamentos negativistas, In The Dark é uma música cujo eu-lírico pede companhia ao mesmo tempo em que se contenta com a zona de conforto da solidão e de seu eu interior.
A forma como a guitarra se apresenta, com sua cadência e seu riff de tom entorpecidamente melancólico, acaba por recriar a melodia estruturada por Dado Villa-Lobos em Tempo Perdido, single do Legião Urbana. As notas aveludadas produzidas pelo sintetizador e a ainda mais presente participação do violino fazem com que a melodia que se segue funcione como lágrimas que são derramadas de um olhar penetrante que mira o horizonte chuvoso que é abraçado por raiares momentâneos de luz. Não por acaso, o que se segue é um lirismo que apresenta um eu-lírico que, diferente daquele de In The Dark, quer deixar a loucura de lado e buscar a melhoria pessoal em troca de um bem-estar reconfortante. Aumentando as características surpreendentes de Water St. está um baixo que assume linhas de reggae ao caminhar por entre a melodia indie.
Assim como em Folie a Deux, a guitarra introdutória de Semblance of Normalcy traz consigo uma alegria ingênua e delicada que é amplificada pelo violino de notas agudas e aveludadas. Misturando o pop com o ácido da década de 1970, a faixa tem um ar jovial fortemente perceptível que, com o auxílio do falsete adotado por Tega, é como se a canção fosse uma experimentação sensorial e dramatúrgica para faixas de grupos como Why Don’t We?, The Weekend e, em menor grau, One Direction.
A melodia não engana. Mais do que em qualquer outra canção de Clustered Umbrella, Nostalgic Remains possui a estrutura mais contagiantemente alegre, por mais que isso esteja escondido por trás da melancolia já comum do Post-Modern Connection. Acompanhando esse sentimento estranhamente triste está a nostalgia que se funde na harmonia e tornando a faixa um produto dramático e melancólico-nostálgico cativante pela sua estrutura rítmica sutilmente acelerada. E no que tange a melodia, ainda, é interessante notar a sincronia existente entre a guitarra e o violino, a qual forma, no refrão, uma valsa de trilha sonora caricaturesca que se confunde por entre o indie, o rock alternativo e o pop punk que molda a ponte rítmica. Nostalgic Remains é, sem dúvida, a faixa single mais forte do EP não apenas pela melodia extasiante que por vezes recria a atmosfera de Is This Love, single do Whitesnake, mas também pelo lirismo recheado de saudosismo.
Clustered Umbrella é um produto que deixa difícil a tarefa de categorizar o Post-Modern Connection. Afinal, no EP o quinteto transita por diferentes ambientes sonoros de maneira a combiná-los em harmonias únicas. No entanto, é inegável que a base melódica das cinco faixas é o indie.
É esse estilo musical que, carregado da influência hippie sessentista traduzida em suavidade, sutileza e até exoterismo, abre espaço para que as experimentações com o rock gótico, o reggae, o rock alternativo, o rock psicodélico, o post-punk, o pop punk e até mesmo o samba aconteça por entre as faixas do EP. O ponto de intersecção de toda essa onda experimental é único e sentimental, que é a melancolia.
Por mais que a música assuma uma crescente de ânimo, a melancolia está presente de maneira discreta, mas ainda assim, capaz de penetrar no ouvinte misturada entre os riffs da guitarra, as notas do sintetizador ou o veludo do violino. Não à toa que esse ingrediente é o que define a sonoridade do Post-Modern Connection.
Vale ressaltar, ainda, o vocal híbrido de Tega carrega grande influência do soul. A forma como sua voz ressoa e os melismas por ele adotados são muito característicos desse estilo musical. Por muitas vezes, esse tempero chega a enobrecer a tristeza entorpecida e estranhamente alegre das canções do EP.
Toda essa temática do experimental, do melancólico, do inebriante e do alucinógeno está presente na arte de capa. Feita por Sergio Reyes, ela é regada de cores em tons pastéis que engrandecem e exalam as sensações mistas de nostalgia e melancolia. Enquanto isso, a caricatura dos integrantes do quinteto informa descaradamente a leveza, mas, inconscientemente, comunica também um torpor de fuga da realidade.
Lançado em 14 de outubro de 2021 via Before Sunrise Records, Clustered Umbrella é um EP melancólico regido pela experimentação, pelo torpor, pelo veludo. É um EP em que a luz encontra a sombra ao mesmo tempo em que a lágrima encontra o sorriso. É a tradução dos devaneios mentais que todos vivemos, mas muitos negam.