Madu - Estudando Tom Zé

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Desde seu segundo álbum, parece que uma faísca se ascendeu a respeito de Tom Zé. Tudo a partir do auxílio intermediador do produtor Guilherme Gê para que o compositor baiano participasse do trabalho, esforço que culminou na parceria em Vai. Assim se deu Estudando Tom Zé, o terceiro produto e primeiro EP da carreira de Madu.


Uma voz paternal surge introduzindo os primeiros acordes. Com uma despedida oral que oferece um abraço, eis que a canção começa a tomar corpo a partir de um violão de notas sóbrias que transitam entre a tênue divisa da melancolia e da seriedade. Essa cama sonora logo recebe uma voz de timbre rouco e sutilmente grave. É Madu oferecendo ao ouvinte Sandália, uma música de lirismo bucólico que, com suas frases simples e narrativas sensoriais, fazem com que o espectador experiencie a partir do tato a sensação de ter areia caminhando por entre os dedos do pé ao caminhar pelo chão de terra batida. É com o som do caxixi trazido por Gê que uma nova etapa da canção se inicia. Mais cadenciada e macia, essa nova divisão tem grande protagonismo da condução efetuada pelo ganzá, instrumento que se mostra presente tanto no refrão quanto na segunda estrofe. É verdade, porém, que o peso entregue pela harmonia entre os violões dá à canção um ar sertanejo latente.


Existe dramaticidade que é entregue sem rodeios pela introdução. Não apenas a interpretação lírica de Madu, mas também o som mórbido e inebriante do teclado, que sobrevoa livremente por entre um céu cinzento, constrói essa atmosfera dramática que domina o ambiente rítmico. Eis que, de repente, uma voz feminina entrega novas cores a essa paleta de tons frios. É Elisa Gudin que, com seu vocal intermediário e pesaroso, possui uma cadência que insere notas da MPB em Mãe (Mãe Solteira), uma música com duetos melódicos que possui instrumental majoritariamente minimalista dominado pela programação. Mas é quando o ouvinte já se sentia embriagado com a melodia estonteantemente sofrida que uma surpresa muda o rumo rítmico da faixa. Agora, há cadencia entregue por um groove preciso da bateria de João Viana, o qual divide harmoniosamente o espaço com uma guitarra de riff grave e distorcido que amplifica a dramaticidade tanto lírica e instrumental da canção. Essa nova ambiência coloca na lista de receitas uma dose farta de um misto de rock alternativo e grunge. Essa conjuntura serve como cama para um lirismo que aborda a cobrança calada e imputada pela moral da sociedade frente estruturas familiares fora do que é tido como normal. Além disso, há forte menção à solidão, à insegurança e à baixa autoestima.


É como um amanhecer de primavera. Com flores desabrochando, luz suave banhando o gramado e nuvens se dissipando para a formação de um céu claro e de tom azul turquesa. É curioso que essa seja a sensação explorada por Só (Solidão), pois o conteúdo lírico aborda a introspecção, o contato consigo próprio e a solidão no sentido mais estrito da palavra. Na estrutura rítmica da MPB, a canção aborda depressão de maneira leve cuja narrativa mostra a forma como essa condição acaba tomando conta da pessoa de forma quase imperceptível. E justamente por isso, pode se dizer que a faixa tem um peso social forte e que funciona como um alerta que cabe, inclusive, para a realidade atravessada pelo planeta em virtude da pandemia da Covid-19.


Groovada, swingada e com uma cadência estimulantemente excitante, Esquerda, Grana e Direita se apresenta ao ouvinte como um forte single de Estudando Tom Zé pela sua forte capacidade de atração e conquista do ouvinte. Grande parte desse mérito cabe às linhas do baixo e ao movimento oferecido pela bateria. Porém, o interessante é notar que, com a nova interpretação melódica, Madu consegue trazer o ouvinte para si enquanto entoa um lirismo de forte crítica política, econômica e social. Afinal, ele proporciona uma comparação direta e sem filtro entre os sistemas socialista e capitalista através do gerenciamento norteado pelas normas da esquerda e direita. Assim como Só (Solidão), a presente faixa é extremamente atual e se aplica redondamente à realidade brasileira, em que o bipartidarismo encontrou seu apogeu através da disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro.


O violão se apresenta com notas sofridas. A voz feminina e aveludada de Daíra, por sinal, só faz aumentar essa sensação de dor e tristeza. É a partir do dueto agridoce de Madu e Daíra formado no refrão, o qual muito lembra aquele criado por Jason Mraz e Colbie Caillat no single Lucky, que o ouvinte percebe que Se O Caso É Chorar é uma canção de amor. Afinal, até mesmo o arranjo construído na música exala um ar romântico e galanteador. Um ar que recebe um azedume alternativo na segunda estrofe da composição, a qual é narrada primeiramente por Daíra em cujas frases trazem culpa e pesar. Ainda assim, o que sobressai é uma melodia suave que abriga um lirismo sobre o sofrer romântico, quase como uma sonorização de Os Sofrimentos do Jovem Werther.


O que mais chama a atenção em Estudando Tom Zé não é nem mesmo as novas interpretações ou as novas roupagens melódicas, mas sim as músicas escolhidas por Madu para serem submetidas a uma reformulação. Títulos como Só (Solidão) e Esquerda, Grana e Direita trazem o contexto social em âmbito internacional e nacional enquanto Se O Caso É Chorar propõe um novo olhar ao sofrimento e Mãe (Mãe Solteira) discute a moral em uma comunidade esmagadoramente conservadora.


Eis então que se percebe o intuito de Madu em elevar o espírito do ouvinte para um ambiente de discussão mista, em que as opiniões divergentes são ouvidas e ponderadas de maneira respeitosa e engrandecedora. Mais do que isso. A ideia é promover uma reflexão sobre o caminho que está sendo trilhado pela evolução societária global.


Talvez por isso o fato de ‘estudar Tom Zé’ assuma a forma de um pretexto para encontrar fôlego e, enfim, discutir questões que há muito caminhavam pelo imaginário mental do catarinense. Independente do caso, o fato é que a análise de composição de Tom Zé surtiu bons efeitos.


Até porque, há harmonia e as melodias das faixas foram muito bem construídas pelo time de músicos recrutados por Madu. Graças ao trabalho de mixagem, cada instrumento pôde ser ouvido com clareza pelo ouvinte, fazendo com que Estudando Tom Zé tenha uma sonoridade plural.


A pluralidade, inclusive, pode ser identificada na arte de capa. Feita em união entre Ana Alexandrino e Barba Coimbra, ela traz um Madu que é visto apenas de meia em um cenário calcado na métrica preto e branco. A partir daí, não só a questão da sexualidade, mas a aceitação é posta em cheque. E as cores usadas podem representar tanto a analogia de luto quanto uma metáfora ao nascimento de um ambiente socialmente pacífico, respeitoso e igualitário.


Lançado em 05 de agosto de 2021 de forma independente, Estudando Tom Zé é um EP tanto harmonicamente quanto melodicamente robusto. As releituras delicadas e atentas das obras de Tom Zé selecionadas para o trabalho mostram quão questionador, insaciável e reflexivo é Madu.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.