Depois de lançar uma dupla de singles ao longo do ano de 2023, o Atomic Freak alçou um importante voo em sua carreira ao anunciar, em 2024, o lançamento de seu álbum de estreia. Intitulado Nuclear Meltdown, o material conta com um total de nove faixas autorais que levam a produção de John Heisner.
O que se tem logo na introdução é uma sensualidade libidinosa e pegajosa que transpira da guitarra através de seus movimentos provocantes e da sua distorção aguda, mas de essência hipnoticamente ácida. Rapidamente acompanhada por uma bateria de golpes precisos que ofertam à canção não apenas consistência, mas densidade, a atmosfera rítmico-melódica acaba sendo completada por um baixo que, sem qualquer menção de timidez, entra em cena com um groove aveludado que oferece corpo à melodia através de uma desenvoltura súbita e rebolante. Eis então que, fechando o escopo sonoro, Shakin’/Shaken tem, como elemento a dar vida ao lirismo, uma voz masculina rasgada e de timbre azedo. O curioso, nesse ínterim, é perceber que a sonoridade oferecida traz grande semelhança para com aquela criada e já muito difundida pelo Scorpions. Promovendo, portanto, uma atmosfera migrante entre as décadas de 70 e 80, a faixa traz um hard rock de estrutura linear a ponto de rememorar a estrutura de base existente nas obras do AC/DC: imutáveis, mas necessárias para promover uma arquitetura sonora firme. Não à toa que, em certo aspecto, até mesmo o tom do vocalista lembra aquele do saudoso Bon Scott. Com tal roupagem, Shakin’/Shaken se torna marcante também pelo seu lirismo. Apresentando um indivíduo de essência enérgica e imparável, a canção se torna, através da identidade rebelde, ambiciosa e inquietante do personagem, uma obra que estimula o senso de liberdade por meio de uma energia intensa que faz o sangue ferver e uma necessidade incontrolável por independência nascer.
A maneira como a guitarra se movimenta durante o despertar imediato da nova composição traz consigo certo grau de sensualidade envolta em uma maturidade exótica. Capaz de transpirar generosas doses de frescor, o instrumento é o responsável por, de forma truncada, ofertar ao ouvinte uma nova subdivisão sonora. Nela, a maciez estética domina a cena, enquanto o que se tem é um hard rock com típica influência do AC/DC, especialmente no que tange a linha do baixo. Consistente e enérgica em sua linearidade, a canção é capaz de instigar o interesse do ouvinte por meio de sua estética trotante e cuidadosamente elétrica. Agraciada por um refrão chiclete e de estrutura denotativamente contagiante, Light The Fuse é uma canção em que o Atomic Freak, audaciosamente, adota uma postura motivacional. Afinal, aqui o grupo tenta estimular o ouvinte a escapar de toda e qualquer coisa que o leve ao mundo das sombras de suas próprias fraquezas, inseguranças, medos e fragilidades. Com a faixa, a ideia é fazer com que a chama da vida seja acesa e faça com que o espectador entenda que o mundo do lado de fora é muito maior do que aquele criado para se proteger de si mesmo. Não à toa que os versos do refrão “light the fuse – gotta shake those blues” e “light the fuse – no more time to lose” carregam toda a essência de Light The Fuse.
No novo cenário é a bateria quem puxa a introdução. De maneira cuidadosamente enérgica, ela permite que as guitarras entrem em cena em uma perfeita divisão de posturas. Afinal, enquanto uma desenha uma base calcada em uma essência levemente ríspida, a outra surge em posturas sensuais de puro êxtase de prazer. Essencialmente provocante e ardente, tal introdução é ainda agraciada por contribuições pontuais e relampejantes do baixo que, sem muito esforço, confere consistência à sonoridade em construção. Fluindo para uma segunda etapa nascente, a composição assume um estado ativo em que a bateria aumenta levemente a sua cadência rítmico-melódica. A partir daí, Atomic surpreende por levar o ouvinte a um primeiro verso de sonoridade levemente introspectiva em relação àquela até então apresentada. Bem equilibrada entre as noções de melodia e sujeira, a canção traz um enredo que narra a posição de refém do protagonista em relação a uma figura feminina imponente, irresistível e madura. Aqui, existe a descrição do poder do desejo sobre o indivíduo e como ele pode transformar qualquer essência comportamental.
O baixo vem forte em seu groove, elemento responsável por promover o amanhecer da presente paisagem. Já ofertando consistência a uma sonoridade ainda enigmática, o instrumento vive um momento de protagonismo absoluto até que o chimbal entra em cena para contribuir com a noção não apenas de movimento, mas também de sensualidade, de provocação e, acima de tudo, de cinismo. Gradativamente crescendo em elementos como em uma verdadeira jam session ou, ainda, uma faixa derivada de uma completa improvisação, When It Comes Around traz consigo o primeiro hard rock com a captura da essência sonora do Atomic Freak. Ainda que seja possível identificar as influências do grupo, a faixa traz uma sonoridade madura em sua máxima significância. Forte, consistente e excitante, a faixa tem flertes generosos com a roupagem do blues, enquanto que seu lirismo apresenta um indivíduo viciado em mentir e que tem que arcar com as escolhas de sua vida. É a verdadeira metáfora do preconceito: um rosto bonito passa batido, mas é ele quem mais afeta a sociedade.
É chegada a primeira balada de Nuclear Meltdown. Com um blues consistente, desenhado sob uma precisa levada rítmica em cadência 4x4, a canção é agraciada por lampejos delicadamente harmônicos fornecidos pelo piano na base sonora. Agraciada por um baixo trotante, uma guitarra solo sensual e cheia de melismas, e uma guitarra base firme em suas frases regozijantes, Hometown é uma canção estruturalmente hipnótica em que traz trechos com nítida semelhança com She’s Got The Jack, single do AC/DC. Similaridades à parte, a faixa conquista o ouvinte com sua maciez e o atrai com seu enredo lírico. Aqui, o grupo acaba, assim como aconteceu em Light The Fuse, ofertando um script de temática mais delicada trazida por uma interpretação vocal delicadamente mais introspectiva de forma a adotar um timbre que lembra aquele de Steph Honde. Afinal, eis a abordagem da noção da perda dos elementos que proporcionam o senso de pertencimento associados com o relacionamento com o tempo mostram certo grau de fragilidade do personagem. Em Hometown, esse indivíduo está renegado à angústia do inevitável esquecimento em função da desvalorização de seu legado.
Seu despertar já surge solar, atraente, sensual. Provocante. Apenas com a sintonia entre guitarra e chimbal, o espectador já tem contato com o frescor e o swing de maneira a fazê-lo se sentir intrigado em saber quais serão os próximos passos melódico-narrativos. Nesse instante, a faixa recebe o baixo por entre rompantes que já introduzem generosas doses de encorpamento e consistência à sonoridade em processo de desenvolvimento. Intrigante e motivando uma necessidade de liberdade gritante transpirando pelos poros do ouvinte, ela oferece uma sonoridade linear, mas suficiente para ofertar energia e construir um senso irresistível de contágio. Com essa atmosfera, For The Money amadurece como uma obra liricamente debochada, cínica e cômica que apresenta um indivíduo assumindo sua presença no universo do showbusiness pelo dinheiro e não pela fama. Nesse ínterim, a composição mostra o peso do dinheiro no contexto social e comercial como um elemento único e imprescindível para garantir bem-estar e uma vida cheia de regalias. Ainda assim, é possível de notar um tom de crítica em For The Money, pois a música destaca, também, o rebaixamento e a humilhação que o indivíduo se dispõe apenas motivado pela ânsia de garantir para si mais trocados.
O barulho do motor da moto sendo ativado junto ao compasso rítmico da bateria cria uma atmosfera levemente elétrica que leva o ouvinte para um primeiro verso de sonoridade mais contraída, mas que visivelmente se pronuncia sob a mesma base experimentada na composição anterior. A partir daí, a movimentação e a postura da guitarra junto ao lirismo e à interpretação lírica assumidos pelo vocalista se tornam os fatores responsáveis por estimular o interesse e a atenção do ouvinte em acompanhar o desenvolvimento da canção. De refrão festivo e solar, além de ter a presença daquilo que parece ser um chocalho contribuindo com a noção de movimento, Ride Your Life se configura como uma canção de liberdade, de independência. Uma composição que, sem verbalizar, deposita confiança no destino e na imprevisibilidade da vida. Um verdadeiro ensinamento sobre a forma mais graciosa e ousada de se utilizar da arte de viver.
Com uma bateria mais bem marcada em relação às frases percussivas desenhadas até então, a composição nasce com uma notável força rítmica que auxilia na construção de um clima desafiador, de embate. De disputa. Ainda que ligeiramente lenta, a canção consegue fazer com que o ouvinte sinta gotículas de suor escorrendo pelo seio de sua face em um transparente sinal da adrenalina correndo em suas veias. Tendo o baixo como um tempero que levanta o sabor sonoramente contextual através de frases em que possui protagonismo indiscutível, Win Or Lose se configura como uma obra com bom corpo melódico e um consistente enredo rítmico. De refrão enérgico, mas não tanto quanto outros já apresentados durante a narrativa de Nuclear Meltdown, a faixa oferece um simples diálogo verbal sobre o papel da sorte na vida do indivíduo. Dialogando indiretamente sobre ganância e até mesmo um questionamento sobre mania de grandeza, a composição acaba comunicando a força das escolhas feitas durante a vida e mostrando que, nem sempre, é possível consertá-las ou optar por outro caminho. A partir daí, é como se Win Or Lose fosse a sonorização do peso das escolhas na configuração do destino.
A sonoridade que puxa a introdução da presente faixa mostra, sem delongas, a existência de um tratamento diferenciado. De aparência mais limpa, quase como se fosse um single demo, a presente faixa explode rapidamente em uma atmosfera de pura libido. Um ambiente em que o suor é inevitável e a excitação, incontrolável. Por meio de um hard rock solar e enérgico que mostra o perfeito trabalho complementar entre as guitarras, as quais se dividem entre gritos de êxtase de prazer e uma lucidez quase rígida na ânsia de garantir certa consistência no âmbito sonoro. Lexicalmente provocante e ardente, a faixa-título amadurece sob uma postura oitentista indiscutível. De caráter petulante, imprudente, cínico e debochado, a obra funciona como o ápice da sensualidade estética do Atomic Freak e uma espécie de comemoração pela sua jornada até então. Curiosamente, no âmbito lírico, a faixa-título é mais um produto que, assim como aconteceu em Win Or Lose, dialoga sobre o peso das escolhas na vida do indivíduo e a realidade inevitável de que a culpa é algo que não se exclui da consciência.
Ele bebe de um certo grau de simplicidade estética. Não foge de sua zona de conforto. Porém, nenhuma dessas constatações são capazes de diminuir suas qualidades. Nuclear Meltdown é um álbum que defende a cultura do hard rock, sendo construído através de guitarras sensuais e profundamente regozijantes.
Sem deixar escapar alguns traços de seu passado como um dos mais populares subgêneros do rock, o hard rock é, aqui, misturado com repentes de folk e generosos flertes com o blues. A partir daí, o álbum ganha um movimento mais fluido, macio e, até mesmo, mais provocante.
Sem medo de demonstrar suas influências estético-sonoras, em Nuclear Meltdown o Atomic Freak escancara sua veneração pelo AC/DC de tal forma que, em diversos momentos, é difícil não encontrar semelhanças sonoras para com as obras compostas pelo grupo australiano. Ainda assim, a presente banda conseguiu enaltecer seu nome no time de instituições musicais que defendem o hard rock.
Chamando a atenção por bases melódicas bem marcadas e groovantes graças a um baixo de pronúncia firme, o álbum garante para si consistência e corpo sonoro. Com essa receita, o álbum oferece sonoridades ardentes, excitantes e enérgicas que servem como trilha sonora para temáticas de diferentes naturezas. Desde a força do desejo em Atomic até o medo do esquecimento em Hometown, Nuclear Meltdown transita por lirismos leves e de puro entretenimento para outros que merecem mais atenção por desencadearem importantes processos de reflexão.
Cada um de seus nove capítulos sob a luz de uma estrutura que defende, em certo ponto, o minimalismo. Afinal, sob a mixagem de Scott Roberts, o básico bateria-baixo-guitarra serviu para criar atmosferas contagiantes, grudentas e excitantes sob uma sonoridade bem equilibrada entre seus elementos. Porém, é inevitável dizer que, não fossem os enredos líricos, boa parte do álbum acabaria soando mais do mesmo em virtude da repetição estrutural de seus aspectos rítmico-melódicos.
Ainda assim, também não é possível deixar de mencionar o papel de John Heisner na obtenção de Nuclear Meltdown. Afinal, com tal profissional assumindo as rédeas da produção, o álbum defendeu, com unhas e dentes, a pura essência e identidade do Atomic Freak: um grupo cujos músicos têm identidades enigmáticas e que usa a sensualidade para falar, com leveza, sobre aspectos sociais e comportamentais que afetam a sociedade contemporânea.
Fechando o escopo técnico está a arte de capa. Desenhada em união entre o Atomic Freak e Heisner, a obra traz em si uma imagem construída sobre um bom gráfico que destaca a figura de um indivíduo em trajes formais, mas acompanhado de sua guitarra e adornado por uma máscara de gás que protege sua cabeça do fogo. Ao fundo, o mundo está em caos e incendiado. Uma perfeita comunicação visual da proposta do grupo: oferecer músicas incendiárias, ainda que esse objetivo, no presente álbum, não tenha sido alcançado em sua totalidade.
Lançado em 05 de janeiro de 2024 de maneira independente, Nuclear Meltown é a pura força do hard rock. Cheio de sensualidade, suor, ardência, provocação e libido, o trabalho apresenta uma sonoridade madura capaz de energizar, excitar e, também, acalmar os ânimos do ouvinte. Um material consistente que, apesar de não parecer, traz em si temas verbais que podem levar a profundas reflexões.