Sunroad - Sunesthesia

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Pouco menos de sete meses depois do lançamento de Live At Roça N’ Roll, o Sunroad retomou as atividades de estúdio para produzir um novo material de inéditas. Sucedendo Walking The Hemispheres, o intitulado Sunesthesia é o oitavo disco de estúdio do quinteto goiano.


Frases de uma valsa florida e primaveiresca são proferidas por um violino de estética mozartiana que desdenha um leve despertar de ânimo. De súbito, uma levada hard rock folkeada é desenhada a partir do riff grave da guitarra solo de Rafael Milhomem em união da batida agitada criada por Fred Mika. A partir da ambiência que tal conjuntura cria, é possível fazer com que o ouvinte veja, à sua frente, uma paisagem banhada por um Sol nascente que instiga e convida para o novo em uma brisa que exala liberdade. Com o grito em falsete de Steph Honde dando a deixa para que a camada lírica complete o escopo melódico, a arquitetura da faixa está formada. Excitante e provocante, Speed Warning #1 é uma canção que transpira independência, deseja liberdade e almeja intensidade. Trazendo um Honde com drives bem executados e afinados, a canção propõe ainda um dueto criado entre o convidado Ronnie Romero e o próprio Honde nas pontes entre estrofes, promovendo uma harmonia sincrônica que faz crescer a melodia da faixa. De baixo trotande, mas tímido, colocado por Ronnie Robson na base melódica, Speed Warning #1 ganha um corpo que lhe confere mais embasamento na criação de um horizonte sem limites.


Com um hard rock melódico, macio e levemente swingado, o novo horizonte ganha a atenção pela sincronia entre as guitarras criada por Van Alexandre. Com um tom mais sombrio e reafirmando a melodia trotante, Long Ago é uma faixa que parece dialogar estritamente sobre a liberdade do passado, mas ela traz algo a mais. Refletindo sobre as regras do jogo da vida enquanto vem acompanhada da nostalgia da ingenuidade de criança, Long Ago é a busca pelo aprendizado de como lidar com o amor e as ilusões que ele promove. É aí que a ingenuidade perde o prazo de validade, sendo um fator recorrente durante toda a vida daqueles que não entendem como lidar com os altos e baixos das próprias emoções.


A fusão das guitarras de Alexandre com a segunda guitarra base de JP Costa e a guitarra extra de Mayck Vieira vem com riffs desenhados com base no efeito de wah-wah, cujo movimento desenhado criam, além de uma lembrança da estética rítmica adotada por Tom Morello, uma semelhança estilística com a frase introdutória de Voodoo Child, feita por Stevie Ray Vaughan. Rispidamente mais contagiante, Scanning Skies promove um diálogo sobre medos, inseguranças e sentimentos depreciativos que costumam colocar o indivíduo fora de sua órbita natural. É uma canção que, com auxílio do backing vocal de Carl Dixon dando apoio e sustento a Honde, busca estimular o ouvinte a se desvencilhar da falsa zona de conforto que a prostração às vezes vende e é comprada quando as coisas parecem difíceis. Não à toa que Scanning Skies, é recheada de versos de impacto como “when no one sees your tears, scanning skies”, “scanning skies, relief for your bad fears” e a segunda metade de um dos versos “your heart beams”. Uma perfeita motivação pela vida.


Uma sensualidade que beira a tênue divisa entre as décadas de 70 e 80 surge com certa provocação a partir do trio de guitarras. Com presença audível e marcante do baixo de Gui N Silva na construção do corpo melódico a partir de suas linhas graves e, ao mesmo tempo, encorpadas, o músico auxilia na elaboração de uma energia mais densa que coopera com o cenário lírico proposto por Honde. Assim como Long Ago, Drown recria uma ambiência sombria ao abordar um horizonte urbano que empurra o indivíduo rumo aos sentimentos de inquietação emocional. O imagético sentir de sufocamento como uma metáfora tanto para sobrecarga quanto para a ausência de estabilidade sentimental. Não à toa que Drown se alia a Scanning Skies na ideia de oferecer um apoio para que o ouvinte e o próprio personagem lírico se sintam assistidos na intenção de ajudar a superar o negacionismo e a noção de ausência de formas para superar o turbilhão antagônico de sensações.


Continuando com a sensualidade de um hard rock de aromas transitórios entre as décadas de 70 e 80, o presente sonar vem mais fresco. Tendo ainda no baixo uma grande peça para o auxílio na criação de um ambiente provocante, a canção possui uma estética linear que não incomoda o ouvinte. É assim que Sink Your Dirty Teeth Into Me recaptura a temática do amor deixada em Long Ago e aborda a manipulação. A insegurança como motivador para prosseguir em uma relação unilateral e a propagação da falsa ideia de que os problemas podem fazer o carinho se fortalecer. Sink Your Dirty Teeth Into Me é a simples percepção de que se está sendo usado em prol do prazer do momento. A mera experiência física sem profundidade emocional.


Um ambiente gélido, mas reconfortante e doce abraça o ouvinte com sua estranha maciez. A partir do teclado, a introdução é regida por uma dramaticidade latente que segue visceral durante o primeiro verso, cuja estruturação é minimalista e desenhada somente entre voz e as teclas. By Any Means apresenta uma temática emocional e melancólica ao propor um diálogo dolorido sobre a sensação de desilusão e desapontamento perante a vida em que os sonhos, as vontades e os desejos mais profundos são brutalmente apagados. Com o coração ainda repleto de esperanças e sonhos, o personagem lírico segue firme pela estrada onde sabia ser seu caminho, mesmo ferido emocionalmente. By Any Means, portanto, oferece uma forte, profunda e tocante mensagem sobre perseverança.


Na forma de uma jam session, o novo alvorecer vem encorpado e dramático a partir dos gritos sofridos da guitarra solo. Tal como Seek Your Fearty Teeth Into Me, que é regida por uma estética linear, a presente faixa se apoia na mesma proposta melódica enquanto é apoiada por rompantes bojudos vindos do baixo, que dão corpo à sonoridade. Pieces Of Fantasy é uma faixa em que o Sunroad propõe uma reflexão sobre as motivações armadas, sejam elas atuais e do passado, associadas com a falta de elo entre os interesses de seus criadores e da sociedade civil. Um movimento de manipulação em dizer que, a partir da guerra, o mundo será melhor e os interesses em comum serão defendidos. A lição aqui é saber se o motivo da guerrilha representa ou não as vontades do senso comum. E para o personagem de Pieces Of Fantasy, sua posição já está tomada: “Your fantasy is not for me”, “your fantasy is killing me”.


Grave e em andamento lento. O heavy metal aqui ultrapassa a tênue divisa que possui com o doom metal, além de haver, inclusive, noções de metalcore. Com influências nítidas de Black Sabbath, a ambiência proposta é densa, sombria e áspera, mas também intrigantemente contagiante. O que Screen Screw propõe e oferece é uma segmentação ao tema de amor desenhado nas faixas Long Ago e Sink Your Dirty Teeth Into Me. Mergulhada na atualidade da hiperconectividade, a faixa sugere uma reflexão sobre o imediatismo e sobre o vício tecnológico. Indo mais profundo, Screen Screw e a crítica e a percepção do medo de se estar sozinho consigo mesmo, um sentimento que rege o emocional global. A solução rápida, imediata e necessária para tapar as dores da rejeição. Futilidade ou não, essa é a escapatória mais eficaz para não enfrentar as lacunas sentimentais que o indivíduo esconde de si.


Fresco, sensual e com uma base que beira o transcendental através das notas gélidas e entorpecentes impressas pelo teclado. Sensual, Hit And Run tem um refrão que não engata uma crescente explosiva, se mantendo macio enquanto dialoga sobre intensidade. É uma música que apresenta um personagem desolado e perdido que procura algum tipo de satisfação que o faça esquecer sua existência medíocre. Hit And Run ém recorte do vazio existencial e da necessidade de motivação, eventos que são camuflados pela intensidade e vivacidade.


O baixo sensual e encorpado junto do teclado de notas gélidas de Michael T. Ross criam uma atmosfera provocante e sexy, mas sem extravagância. É como estar deitado em uma cama, olhando a janela aberta para uma paisagem paradisíaca enquanto a cortina de veludo embala em uma valsa suave vinda da brisa do mar. A.S.S.A.P. (I Might Not Come Tomorrow) é a narrativa desesperada de alguém que busca intensa e incessantemente pelo amor de sua vida, a pessoa que lhe desperta paixão e sana sua carência emocional. Como uma cena de romance, A.S.S.A.P. (I Might Not Come Tomorrow) é a simples tristeza estimulada pela solidão que cria o vazio emocional e que engrandece o sonho de conhecer a cara-metade.
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O despertar já vem mais amaciado, como se já comunicasse uma atmosfera romanceada. Conforme a melodia vai amadurecendo, esse romance se torna mais adocicado e com raspas de rispidez pela distorção das guitarras, que surgem melódicas na companhia da bateria. Adocicada e ensolarada, a faixa vai demonstrando uma estrutura levemente acelerada e contagiante, capturando facilmente a atenção do ouvinte, que se perde em devaneios imagéticos a partir do momento em que as linhas líricas são inseridas. We Watch The Sparks Fly é mais uma obra de Sunesthesia a trazer a paixão e o amor como tema central de sua narrativa. Um amor recíproco que transpira entre duas pessoas, uma relação que se fortalece na convivência e amadurece mesmo sem ter respaldo financeiro. É a pureza da paixão.


Igualmente macio e romanceado é o novo alvorecer. Ainda assim, ele vem acompanhado de uma dramaticidade melancólica que contamina o espectador durante a contagem da história proposta. Only In My Soul foi uma escolha assertiva por parte do Sunroad para fazer uma cover. Afinal, a canção se encaixa perfeitamente com boa parte do enredo de Sunesthesia, uma viagem pelo sentimentalismo e pela busca do amor.


Os brutos também amam. Essa é uma frase batida e já muito repetida pelos mais diversos campos da música, mas é inevitável que ela se encaixe melhor no universo do rock. E o Sunroad soube se apropriar dela ao compor Sunesthesia, um álbum que explora todo o sentimentalismo e sensibilidade que afloram nas veias de cada um de seus seis integrantes.


Parafraseando Rogério Flausino em O Vento, single do Jota Quest, não adianta falar de amor ao telefone. Mas quando o amor entra como temática lírica de uma canção e apoiada de melodias igualmente tocantes, esse sentimento toma corpo e contagia até os corações mais gélidos. Em Sunesthesia, o amor foi o ponto-chave de grande parte de seus enredos.


Sabiamente, porém, o Sunroad não abordou apenas o amor em seu sentido estrito. O grupo goiano propõe, no álbum, dialogar sobre tudo o que o amor pode desencadear. As inseguranças, os medos. A solidão. A relação do passado, a fragilidade do emocional, a confiança. A manipulação. A auto-sabotagem. A sede por liberdade. Ao abordar todos os pormenores que acompanham o amor, o material se assemelha com grande parte da temática lírica proposta por Karla Testa em seu álbum autointitulado. É quase uma sinergia de sensibilidade.


Para dar corpo a essas narrativas, o grupo contou com o apoio de Netto Mello no exercício da mixagem. Pelas mãos do profissional, Sunesthesia caminhou livremente entre o hard rock, o heavy metal e o doom metal com toques progressivos. Foi assim que o álbum conseguiu imprimir uma mistura de sensualidade, maciez, rispidez e provocação com nítidas influências de Whitesnake, Kiss, Black Sabbath, Iron Maiden e Deep Purple.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Tristan Greatrex, ela traz uma cadeira vazia ao centro como parte do mobiliário do que parece ser um salão de beleza ou cabeleireiro. A iluminação com um vermelho neon sugere uma ambiência artificial que beira a de danceterias e ambientes frequentados no período noturno. E a figura feminina posicionada ao lado esquerdo da cadeira fecha esse cenário ao comunicar algo como ela seria a responsável por fazer uma grande mudança na vida da pessoa que ali sentar. É como a última pausa antes da liberdade infinita.


Lançado em 10 de março de 2023 via Deko Entertainment, Sunesthesia é a viagem por diversos ambientes físicos e uma experiência emotivo-sensorial que mergulha intensamente no campo do amor. A sensibilidade faz do álbum um trabalho inovador do Sunroad por tratar de questões íntimas que se atrelam a temáticas atuais associadas à negação da solidão.

















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.