Scorpions - Rock Believer

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Ele é o primeiro álbum em sete anos, o maior hiato entre lançamentos de álbuns de estúdio do grupo. Porém, não só isso. Rock Believer é também o primeiro sem James Kottak e, consequentemente, o primeiro com Mikkey Dee, que já vinha excursionando com o Scorpions em sua turnê de divulgação do disco Return To Forever, iniciada em 2015.


O som é como o de uma serra elétrica sendo ligada de tal modo que refresca na memória do ouvinte a introdução de Daddy, Brother, Lover, Little Boy, single do Mr. Big que se beneficia de ideia semelhante. Os golpes sequenciais no bumbo e na caixa feitos de maneira forte e precisa por Dee quebram essa semelhança ao darem passagem para um ritmo blues, mas elétrico de maneira a possibilitar o amanhecer de um hard rock sexy e de raspas ásperas dominado pelo baile sincrônico entre as guitarras de Rudolf Schenker e Matthias Jabs. Eis então que um vocal agudo e afinado domina a dianteira do espectro melódico. É Klaus Meine trazendo um lirismo que é como uma saudação, uma reverência, um alívio, um êxtase coletivo causado pelo retorno do Scorpions no campo dos lançamentos fonográficos. “The king of riffs is back in town”, diz ele em tom de aviso. É por isso que Gas In The Tank é um bom abre-alas para o novo trabalho do sexteto alemão: swingado, macio, bluesado, excitante, grudento. Hard rock.


Um grito rasgado e provocante se posiciona no horizonte. A bateria de groove trotante seguida por um uníssono homogêneo entre o trio de cordas dá uma cadência quebrada, mas ainda com grande swing imerso em sua identidade. No que tange a paisagem, é como se o eu-lírico estivesse caminhando por ruas, vielas e avenidas com pouco movimento em uma noite de verão com Lua cheia. A névoa cobre todo o ambiente de maneira a ofuscar qualquer silhueta metros afrente, mas que esconde luzes de tons quentes piscantes indicando que algo de interesse está próximo. Com pontos crescentes de lampejo de um baixo de groove encorpado e swingado executado por Paweł Mąciwoda, Roots In My Boots é o puro hard rock letrado. O aproveitar a noite, viver intensamente e viver ao máximo cada momento são os motes do lirismo da canção.


A guitarra é estridente, azeda, sombria. As notas do baixo são tão graves que tremulam enquanto o surdo soa oco, bruto e seco. Há nessa atmosfera um suspense que causa um suor gotejante e frio. É como se o perigo estivesse à espreita, apenas observando o momento ideal para dar o bote. Seus olhos estão arregalados. Suas pupilas dilatadas. A adrenalina domina o sangue que aquece o corpo de maneira a proporcionar suadores incontroláveis que deixam sua mente atenta para o próximo movimento. Remetendo a sonoridade do Van Halen, Knock’em Dead tem uma obscuridade intrínseca na melodia cujo baixo se posiciona na camada mais visível da conjuntura sonora. No enredo lírico, é interessante notar como o sexteto usa da metáfora ao trazer o jacaré como a personificação da fama. Afinal, na faixa ela é trazida tal como uma droga de grande capacidade de vício. Por isso, Knock’em Dead é, tal qual as faixas The Path Less Followed e Boulevard Of Broken Hearts, faixas do Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators, uma descrição em forma de aviso sobre os efeitos da fama. Não à toa que Meine entoa “don't let the fame go to your head” e “don't walk the wrong side of the street” em uma clara alusão à ideia de não se deixar sucumbir pelo que o sucesso pode causar.


I’m a rock believer”, grita Meine ao dar passagem para uma sonoridade puramente melódica cujo sabor é adocicado como mel graças ao riff da guitarra solo que se sobressai perante o salgado sonar da guitarra base.  Na forma de um hard rock com rígido alicerce no blues, a canção tem até mesmo pinceladas do som do cowbell impressas por Dee dando uma acentuação no swing da introdução. Fluindo para um primeiro verso intimista, a faixa-título se usa da expressão ‘crente no rock’ como uma alusão à ideia de acreditar nos sonhos de modo a fazê-los se tornarem realidade. Trazendo um refrão forte e melodicamente penetrante, a faixa-título alcança o mesmo feito de Gas In The Tank ao trazer um ápice grudento, mas cuja mensagem é, em suma, acreditar em si mesmo e na capacidade de fazer as coisas acontecerem. 


O som surge tímido. De súbito, ele cresce e assume um caráter amplamente dramático a partir do riff da guitarra, que se pronuncia com uma afinação sutilmente azeda. Ainda assim, a forma como ele soa é como se fosse a sonorização da fluidez de lágrimas vultosas escorrendo pela face do eu-lírico. A origem desse líquido emocional ainda é incerta, mas existe, no trecho, grande sugestão de melancolia. Dentro dessa melancolia, porém, existem pitadas de temor, de densidade e de tensão. Flertando com o reggae, a melodia que se constrói a partir do primeiro verso traz toques amaciados e swingados latinos cujo gingado é contagiante. Apesar de tamanha dramaticidade fundida na estética do reggae, Shinning Of Your Soul é uma canção nostálgica cujo enredo é sobre o amor, sobre a memória, sobre a saudade. É sobre a busca de uma explicação plausível para a morte repentina de uma pessoa amada. É sobre acreditar no amor verdadeiro existente além-vida.


O início é semelhante ao de Gas In The Tank, mas esse parentesco dura somente alguns segundos. Quando o som do amplificador aumenta a intensidade, uma súbita queda para um ambiente inóspito, minimalista e tenso regido pelo groove estridente e grave do baixo executado de maneira propositadamente espaçado. É então que a melodia vai assumindo uma dramaticidade provocativa ao passo que Meine vai introduzindo um lirismo de enredo épico cuja mensagem é a imortalidade e o senso de liberdade incondicional. Seventh Sun é uma canção que mistura crenças religiosas e misticismo que, no fundo, se unem no único objetivo em promover a consciência e o respeito ante a sabedoria dos antepassados que visa incentivar a união. É como o narrador entoa: “even if your soul is old , a million years. Time traveler, here and now. The ones who are gone are still around. Your heart and soul will be one in the seventh sun”.


A cadência amaciada produzida pela guitarra remete àquele riff desenhado por Cliff Burton na introdução de From Whom The Bell Tolls, single do Metallica. De ambiência azeda e embriagante, a presente canção vai evoluindo para um hard rock trotante como aquele de Barracuda, single do Heart. Assumindo ares mais agressivos e com doses extras de pressão, a faixa lembra, a partir da sonoridade formada entre voz e guitarra no despertar do primeiro verso, a melodia existente entre o fim do pré-refrão e o início do refrão de Girls, Girls, Girls, single do Mötley Crüe. Partindo de tais assimilações rítmicas, Hot And Cold se firma como uma canção hard rock que narra a sensualidade, o hipnotismo e a sede de prazer que a personagem coadjuvante causa sobre o protagonista. 


No compasso 4x4, a canção surge com uma linearidade que pende para a eletricidade, mas cujo ápice da excitação ainda se encontra em processo de despertar. Guiada pela estridência do baixo, a melodia adquire uma estrutura hard rock acelerada, When I Lay My Bones To Rest guarda uma brincadeira interessante. Enquanto seu título sugere calmaria, o que o lirismo e o ritmo trazem é uma alta dose de adrenalina cuja mensagem é, assim como Roots In My Boots, viver intensamente e testar os limites. Ao mesmo tempo, a faixa guarda singelo parentesco com Gas In The Tank ao enaltecer a figura do Scorpions como algo que se configura tal qual um evento de frenesi. 


Explosiva, swingada, enérgica, contagiante. Isso é o que define a introdução de Peacemaker, uma canção cujo despertar possui grande parentesco sonoro com aquele construído em If I Was Your Mother, single do Bon Jovi. Contudo, a periculosidade da presente faixa supera e muito aquela de autoria do neojersiano, afinal, ela é mais agressiva, com sonoridade mais rasgada e com uma sexualidade rítmica hipnotizante. Sua linearidade precisa captura o ouvinte com facilidade e sua mensagem em prol de um mundo sem guerra, regido pelo amor, pelo senso de liberdade e igualdade. “Into a world without frontiers, with no hate, regret or fears”, “if we don't change, we're gonna crash” e “it's been written in the stars: forever love, stop the war” são exemplos de versos enfáticos cuja mensagem não deixa dúvidas quanto ao desejo de um mundo melhor. Isso torna Peacemaker uma peça fundamental da tracklist de Rock Believer.


Uma melodia amaciada imerge. No entanto, no primeiro refrão a faixa começa a revelar comportamentos mais arredios e rebeldes que enaltece um sabor acentuado de sensualidade e provocação. Selvagem e sexy, Call Of The Wild é a narrativa do encontro do funk com o rock, da dança com a postura da contracultura, do swing com a imponência. 


De riff puramente aveludado em uma estética imersiva no blues, a guitarra vai construindo uma maciez tátil de conforto inebriante. Fluindo para um ambiente mais intimista, porém, existe certa tensão regida por um suspiro de insegurança em meio à melodia em construção no primeiro verso. When You Know (Where You Come From) é uma música que fala sobre pertencimento, autoconhecimento e a consciência de que quem domina as rédeas da vida são as próprias pessoas. “Just be true to yourself”, aconselha o narrador em tom de conselho com misto de ordem. 


Dando início à versão deluxe de Rock Believer vem uma canção cujo despertar é linear, mas enérgico e com uma sensualidade provocante. Sua estrutura é penetrante de maneira a capturar a atenção do ouvinte e fazer subir o nível de adrenalina. Os pelos do corpo se eriçam no compasso uníssono do trio de cordas com a bateria enquanto o lirismo vai desenhando a significância de sua mensagem. Eis que com a estrofe “living free like a Bird. Heaven is a place on Earth. Can't find the door to say goodbye. Maybe tomorrow, but not tonight” mostra que Shoot For Your Heart é, assim como Roots In My Boots e When I Lay My Bones To Rest, mais uma canção do álbum que prioriza o viver intensamente.


Existe agressividade, mas ela não é regida pela sensualidade, pela distração ou pelo espírito de diversão. Ela está presente como forma de alerta. O coro de vozes formado por Meine, Hans-Martin Buff, Jakob Himmelein e Alex Malek dá uma amplitude na dramaticidade que a canção comunica entregar. “Good morning world! How do you feel?”, pergunta Meine em tom áspero que beira a agressão e a provocação ao iniciar do primeiro verso. When Tomorrow Comes é a canção de mensagem mais atual e humanitária de Rock Believer, pois ela discute os efeitos climáticos, a evidente guerra cibernética e conclui, após um solar estridente, agudo e de flerte com o caótico executado por Ingo Powitzer, com uma interpretação tal como um obsessor: “when tomorrow comes, we’ll pay the price for today”. Por essa razão, é possível notar um parentesco temático com aquele abordado em Peacemaker.


A excitação começa a recuperar terreno de maneira vagarosa. Aqui há sim explosão e pressão, mas a melodia é regida por um senso de urgência que tira a diversão do caminho. Não à toa que Meine discute, com o lirismo, a salvação da humanidade de maneira a abranger o desejo completo por mudança no comportamento social, retirando toda a futilidade e o personalismo. É quase como uma crítica àqueles que não possuem senso crítico e seguem os textos ditos por personalidades sem questionamento. Isso é Unleash The Beast.


A luz do Sol, o amornar da tarde, a brisa do mar e um entardecer de verão. Essas são as paisagens iniciais da faixa cuja melodia ainda se encontra em construção. Calcada na estética blues, ela foge drasticamente das tensões e seriedades impregnadas nos lirismos das canções anteriores e oferece leveza e uma sensualidade contagiantemente macia. Crossing Borders se une ao time formado por Roots In My Boots, When I Lay My Bones To Rest e Shoot For Your Heart por oferecer um lirismo que bebe do desejo explosivo por liberdade. É como estar em uma estrada vazia, banhada por um entardecer ensolarado, em alta velocidade e com o vidro aberto fazendo o cabelo esvoaçar freneticamente quando em contato com as rajadas de vento. 


A versão acústica de When You Know (Where You Come From) é de um minimalismo estético que amplifica demasiadamente o aspecto dramático já latente na variação original. No entanto, é evidente que o novo modelo é carregado de um ambiente visceral superior cuja sensibilidade rítmica atinge setores de uma intensa profundeza emocional enquanto flerta com melodias baseadas no folk.


O intervalo de sete anos pode ter feito com que muitos cogitassem um possível fim do Scorpions. Porém, o que Rock Believer comunica é algo completamente diferente. Sob nova formação, o sexteto alemão produziu um disco autêntico, com força, swing e afirmou veementemente que, mesmo aos 57 anos de idade, está com a mesma energia, sincronia e sinergia de quando estava no começo de carreira.


Calcado em um hard rock de intensa sensualidade provocativa, o disco é um trabalho que, acima de tudo, clama pela liberdade, pela intensidade das relações e pede, com urgência, por uma transformação global. Essa dualidade é que faz com que o sucessor de Return To Forever seja um álbum misto.


Afinal, enquanto canções como Gas In The Tank, Roots In My Boots, Hot And Cold, When I Lay My Bones To Rest, Shoot For Your Heart e Crossing Borders são melodicamente excitantes e com um lirismo simplista que enaltece o viver intensamente a partir de uma liberdade incondicional, outras possuem um grande apelo emocional.


Nesse time estão músicas como a música-título, Shining Of Your Soul, When You Know (Where You Come From) e Knock’em Dead, sendo esta última se valendo pelo espírito de preocupação perante aqueles que glorificam a fama sem saber de suas consequências.


Um grande feito de Rock Believer, porém, está na forte consciência humanitária que preenche o lirismo de certas canções. Seventh Sun, When Tomorrow Comes e Unleash The Beast. Contudo, o trunfo desse quesito reside na faixa Peacemaker por parecer premonitória.


Como o disco foi produzido entre 2020 e 2021, à época ele pareceu ser um vidente do conflito bélico entre Rússia e Ucrânia iniciado em 25 de fevereiro deste ano. Afinal, assim como o sexteto alemão se utilizou da música para falar das mudanças que o fim da Guerra Fria, o desmembramento da União Soviética e a queda do Muro de Berlim representavam para a Europa, resultando na épica Winds Of Change, o Scorpions repetiu tal feito em Peacemaker. Isso porque a música clama por um mundo igualitário, livre, sem guerras e regido pelo amor. Uma grande mensagem de apoio que, despropositadamente, foi composta e inserida na tracklist de Rock Believer.


Mixado por Michael Ilbert, o álbum exala pressão, competência e maestria na criação de um hard rock swingado e ao mesmo tempo metalizado de maneira a até possibilitar a audição dos elementos percussivos de Pitti Hecht pincelados na melodia de algumas das canções. Contudo, o que salta aos ouvidos é o clima leve, descontraído e livre em criação muito possibilitado pelo fato de o disco ter sido produzido pelo próprio grupo com apoio de Buff.


É por essa razão que a presença de Mikkey Dee no comando das baquetas não incomodou, pois pareceu que, por conta do próprio senso de união, ele fazia parte do grupo desde sempre. Mas é preciso ressaltar que sua habilidade versátil conseguiu absorver todo aquele peso de músicas mais pesadas e aceleradas compostas pelo Motörhead e assumir uma desenvoltura mais leve cuja precisão é um ingrediente indispensável.


Do ponto de vista visual, a arte de capa soa até curiosa. Feita em união entre Rocket and Wink e Jeff Thrower, ela traz o rosto de uma mulher ao centro envolvida por uma espécie de tecido transparente que, pelas formas, faz com que a personagem se pareça com uma freira. Tendo uma mão posicionada sobre sua cabeça, essa mesma mulher se encontra em uma posição de grito intenso, comunicando ao interlocutor uma possível sessão de exorcismo. Tal descrição casa com o título do álbum no sentido de que, se é temente ao rock, nenhum mau lhe afetará.


Lançado em 25 de fevereiro de 2022 via Vertigo, Rock Believer é o hard rock que mistura consciência humanitária com sensualidade e uma sede desmedida por liberdade e intensidade. Um disco que faz refletir ao mesmo tempo em que oferece altas doses de adrenalina.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.