Amann & The Wayward Sons - Hymns Of Hope And Rage

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O número de bandas amantes de rock e que nutrem o desejo de não apenas recriar, mas sim trazer a verdadeira identidade do gênero a partir de uma sonoridade moderna vem crescendo. O grande rebuliço desse movimento se deu com o boom do sucesso do Greta Van Fleet, mas que agora possui nomes como Palace Of The King, Rival Sons e Dirty Honey. O mais novo integrante é o espanhol Amann & The Wayward Sons, grupo que está oficialmente na estrada desde 2018 e que agora anuncia Hymns Of Hope And Rage, seu terceiro disco de estúdio.


A fumaça ainda é volumosa, o que faz com que o horizonte seja dificilmente desvendado. A luz do Sol faz notável esforço para se fazer presente e banhar o solo de um gramado queimado. Um som crescente surge como o alvorecer da mudança. Crescente, ele vem na forma de golpes crescentes na caixa da bateria de Txema Arana, o que encaminha o ouvinte para um instrumental groovado, swingado e soturno. Um hard rock obscurecido pela base heavy metal que claramente bebe da fonte da sonoridade do Black Sabbath. Ácida e estridente, a melodia não só traz consigo uma ambiência do rock setentista, mas vem acompanhada de um veludo curiosamente denso que captura a atenção do ouvinte. É então que uma voz grave e de princípios rasgados surge completando a camada sonora da canção. Pablo Amann não apenas traz uma pressão e uma densidade necessárias à melodia. Seu timbre tem notas que facilmente revivem na mente do espectador o vocal tão característico e potente de Chris Cornell ao mesmo tempo em que se assemelha, também, ao timbre de Ritchie Kotzen. Com um lirismo simples, Devil Knows My Name captura o ouvinte pelo seu heavy metal-hard rock de base funk e pelo seu forte e notoriamente obscuro swing construído pelo trio de guitarras formado por Amann, Emi Barés e Adrian Lombardi.


O chimbal surge seco, mas cuja cadência sutilmente acelerada indica um swing de notas mais sensuais do que aquelas presentes em Devil Knows My Name. Com uma atmosfera rítmica inicial que remete ligeiramente à estrutura melódica de I Heard It Through The Grapevine, single de Marvin Gaye, a faixa caminha com uma maciez embriagante que é dominada pelo groove cavalgante do baixo de Amando Gottardi. Assumindo um timbre metálico e limpo que se assemelha tanto ao de Whitfield Crane quanto ao de Scott Weiland, Amann narra o duelo, o conflito interno e o enfrentamento do amadurecimento precoce do eu-lírico. Responsabilidades repentinas e a imaturidade de lidar com o mundo real podem facilmente corromper um indivíduo. No caso do personagem central de Feel It In My Bones, não fosse sua capacidade particular de se sentir confortável e confiante somente na presença imagética das figuras de Father Sky e Mother Mountain, seria mais uma pessoa entregue à própria sorte. Com notas de folk imersa nas entranhas melódicas, a faixa traz consigo um aroma de sertão estadunidense, um sertão repleto de simplicidade que é abraçado por um solo de guitarra bluesado e aveludado que muito traz de Adrian Smith, Joe Bonamassa e resquícios de B.B. King.


O riff acústico da guitarra faz a vez da corda que puxa a introdução. O folk é aqui colocado como o principal alicerce melódico da faixa ainda em construção a partir de seu aroma interiorano e swingado. É curioso como, enquanto um par de guitarras traz um riff de beira o apaziguante, a guitarra solo vem como um alarme constante que, por não ser estridente e intenso, casa com a sonoridade como um fator que enaltece a roupagem aventurada na canção com sua base blues. Recebendo ares dramáticos e intensos, a música imerge em uma atmosfera funk-hard rock que lembra a base rítmica das composições de Lenny Kravitz. Ao mesmo tempo, porém, existe um frescor psicodélico que remete à faixa N.I.B., single do Black Sabbath. Apesar da vasta caracterização melódica, o que I Just Wanna Go My Way conta ao ouvinte é a história de um personagem que, por meio do abuso de drogas, encontrou uma maneira de pedir ajuda para vencer seus próprios problemas. 


A doçura e o veludo das notas do Fender Rhodes de Phil Wilkinson entregam uma sutil imersão ao espectro do R&B. Enquanto isso, apesar de grave, o riff do baixo surge como um suspiro entristecido e melancólico e a contagem do tempo feita pela bateria preenche o ambiente com singelos desfiles nostálgicos. Evoluindo para um blues amaciado e swingado, Once I’m Gone é uma canção que aborda de maneira propriamente melancólico-nostálgica a relação com a morte de entes queridos, com a saudade, com a memória de maneira a flertar com a estrutura de Too Many Tears, single do Whitesnake.


Jovial, fresca, swingada. A introdução já vem acompanhada de uma curiosa leveza que é rodeada por uma alegria entorpecente e bluesada. Trazendo pitadas de um rock alternativo, Train To Mars é uma canção que traz aos holofotes Mary, uma personagem socialmente excluída que está em busca de seu autoconhecimento. Uma perfeita referência ao que é chamado de ‘falso normal’, que é uma paisagem urbana rodeada de moradores de rua e pedintes. A clara prova da incapacidade de gestão governamental que faz estimular o vão entre as classes sociais e fomentar o personalismo. O verdadeiro retrato do capitalismo.


O ápice do groove, do swing e da pressão. Under The Pouring Rain chega até a assustar o ouvinte de maneira positiva devida à grande intensidade da densidade melódica. Uma sonoridade que, indiscutivelmente, possui uma grande semelhança estilística com a estrutura rítmica adotada em Do I Wanna Know, single do Arctic Monkeys, e que, por isso, flerta com a roupagem post-punk. Carregada de uma gravidade soturna, a faixa traz a capacidade de o Amann & The Wayward Sons fundir alegria, luz e swing com obscuridade e uma sujeira densa, afinal, ao mesmo tempo que a melodia possui traços do hard rock e do post-punk, ela traz consigo pitadas de reggae que dão uma suavizada na atmosfera sonora. Do lado lírico, Under The Pouring Rain é mais uma faixa de Hymns Of Hope And Rage que lida com a busca do autoconhecimento, que traz o sofrimento e os sentimentos depreciativos à tona e que evidencia a vontade de encontrar dias melhores. Uma música que representa os anseios da sociedade de querer se ver longe do medo, da insegurança e da incerteza bombardeadas durante a pandemia do Coronavírus. Um single de caráter indiscutivelmente social.


Ainda mais swingada que Once I’m Gone, o veludo de Something Higher recoloca o R&B nos holofotes melódicos. Acompanhada de um fresco e igualmente swingado e macio hard rock, a canção tem a capacidade de encantar, atrair e contagiar o ouvinte pela seu veludo extasiante. Contando com um octeto de vozes, a canção consegue flertar ainda com a estética gospel não apenas pela melodia em si, mas também pela mensagem lírica que traz a importância de ter onde se apoiar, de ter fé e de entender que não existe julgamento entre as diferentes origens de sofrimento das pessoas. Como o próprio Amann e seus oito acompanhantes entoam, “you must believe in something higher”. Indiscutivelmente, Something Higher é outro importante single de Hymns Of Hope And Rage por, novamente, capturar o conflito emocional atravessado pela sociedade e por apresentar uma base de apoio sólida que é a fé e a crença nas mais diferentes figuras máximas das diversas religiões existentes.


A versão acústica de Feel It In My Bones - Acoustic vem com um maior peso no que tange o minimalismo rítmico e uma abordagem mais íntima e introspectiva. Aqui, a canção assume a estrutura de um blend entre o folk e o psicodélico a partir dos sobrevoos entorpecentes da sonoridade doce do sintetizador. Curiosamente, o swing aqui presente é mais palatável e embriagante que aquele da versão original. O resultado disso é o fato de que, a partir da presente roupagem, Feel It In My Bones - Acoustic se torne uma música completamente nova. 


Que grande e boa surpresa é abrir um ano com um lançamento de qualidade. Qualidade em todos os quesitos que compõem o que é música. Harmonia, melodia e ritmo formam um grande tripé que por si só já define o grande passo de toda e qualquer composição na trajetória do sucesso. Quando a letra, que é o quarto elemento e que fecha os ingredientes da receita do som, tem um motivo de ser e tem uma história, certamente o produto final alcançou seu objetivo de ser belo. E isso aconteceu em Hymns Of Hope And Rage.


Fundindo diferentes subgêneros do rock como o hard rock, o rock alternativo, heavy metal e o post-punk com estilos musicais diversos tais como reggae, folk, funk, R&B e gospel, o Amann & The Wayward Sons fez um trabalho que representa a dicotomia de sentimentos de uma sociedade atingida abrupta e repentinamente por um evento que foge a qualquer tipo de controle que é a pandemia do Coronavírus.


Por meio de personagens emblemáticos, o sexteto espanhol dialoga sobre depressão, autoconhecimento e fé. Isso faz com que Hymns Of Hope And Rage tenha igual papel de reflexão, alento e pacificação que carrega Dominion, trabalho mais recente do grupo estadunidense de rock cristão Skillet.


Com uma sonoridade limpa, devidamente equalizada, a mixagem captura grande parte da essência rítmica de Amann & The Wayward Sons, tornando possível o vislumbre de um grupo que almeja defender a pureza do rock em suas essências mais íntimas. Estrutura técnica se concretiza por meio da produção assinada por Barés, o que acaba, além de proporcionar liberdade criativa, desemboca em uma finalização repleta de frescor e suavidade.


Juntando todos os elementos está a venda visual de Hymns Of Hope And Rage, que é a arte de capa. Assinada por Comunicom, ela traz uma paisagem urbana banhada por uma luz Solar mística e de breve melancolia. Com bastante gama e uma opacidade visível, ela aborda o sentimento de torpor social que se traduz por meio de uma tristeza alicerçada na insegurança e no medo, algo que o disco, por meio de suas letras, tenta romper. Curiosamente, por outro lado, a arte do encarte traz consigo uma grande semelhança com aquela feita por Daiana Oliveira Lopes para estampar a capa de Apartamento 41, álbum do Carbônica. Ambas possuem o mesmo apelo nostálgico-melancólico-reflexivo em sua forma de expressão. 


Lançado em 01 de janeiro de 2022 de maneira independente, Hymns Of Hope And Rage é um disco swingadamente retrô, intensamente soturno e aveludadamente bluesado. É um produto que, como o próprio nome sugere, traz hinos de esperança e revolta. O espelho de uma sociedade assustada.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.