NOTA DO CRÍTICO
Curitiba, cidade que foi a primeira a receber a primeira franquia do Hard Rock Café no Brasil e a responsável por, a partir do Coletivo Queda Livre, lançar o EP litero-musical Livro Vivo. A capital do Paraná também é o berço da Abraskadabra, hepteto de ska punk que, aos 18 anos, anuncia Make Yourself At Home, seu terceiro disco de estúdio.
Burburinhos. As pessoas se mostram festivas e em felizes conversas proporcionadas por uma reunião abraçada pela alegre Sonata Nº 11, de Wolfgang Amadeus Mozart, tocada ao fundo. De repente, tilintares dos talheres batendo no cristal aludem para a educada e clássica chamada de atenção para que o anfitrião exclame algumas palavras. E é esse som que permite que a faixa de abertura enfim seja introduzida. Golpes duplos no bumbo de Eduardo “Maka”, guitarras amplamente distorcida e com afinação aguda trazidas por Eduardo “Ed” e Rafael “Buga” e uma levada punk dão, a partir de uma roupagem mista de Ramones e Green Day na era Dookie, o despertar de Bunkers. Porém, esse punch descompromissado e jovial é encaminhado para um ska de ritmo contagiante e de groove marcante por parte do baixo de Rodrigo “Jaba”. Um ponto curioso é que a forma como o trompete de João Paulo “JP”, o saxofone de Thiago “Trosso” e o trombone de Augusto “Papaya” se conversam e se inserem na melodia fazem com que Bunkers crie uma ambiência muito semelhante àquelas criadas nas músicas do The Mighty Mighty Bosstones. Com um refrão melódico e explosivo, o Abraskadabra apresenta para o ouvinte uma estrutura rítmica baseada nas métricas do Blink-182. Com uma letra alegre e de linguagem jovial muito imersa no universo teen, Bunkers é a recriação dos anos 2000 e desperta a fase pop punk de bandas como Simple Plan, Sum 41 e Avril Lavigne, mas com uma exaltação de sabor, uma exortação de energia, ânimo e adrenalina que muito são creditados ao trio de sopro. Definitivamente uma escolha certeira e até desafiadora por parte do Abraskadabra: começar o álbum com um single que possui um misto de estrutura radiofônica e alternativa.
O lado tropical é parcialmente representado na introdução a partir dos golpes da bateria, os quais levam o ouvinte para uma ambiência macia e contagiante que serve de cama para um lirismo que retrata o flerte e o autoconhecimento de maneira bem humorada. Esta é Not Going Back, uma música com protagonismo indiscutível do baixo, que, aqui, assume linhas graves e com pressão que oferecem uma cadência estimulante ao ouvinte. No início da segunda estrofe, um novo som surpreende o espectador. É Esteban Flores incluindo, na melodia, notas florais do teclado, o qual desenha contornos de veludo na harmonia da faixa.
Se na faixa anterior o baixo foi um importante elemento na criação da melodia, aqui ele foi essencial. Afinal, ele dominou a dianteira da melodia introdutória ao lado da bateria e criou uma ambiência rápida, selvagem e elétrica. Por essas razões, o início de Do We Need A Sign proporciona uma levada precisa e de peso que muito possui de semelhança com as roupagens do catálogo do The Offspring. Apesar da alegria trazida pela dupla de guitarras e os gritos harmônicos do trio de sopro, na base, a bateria insere uma levada hardcore precisa e com pitadas de agressividade tal qual faz Byron McMackin no Pennywise. Curiosamente, na presente faixa ficou nítida, por conta da limpidez da afinação vocal, a semelhança de timbre entre Trosso, Pierre Bouvier e Deryck Whibley. Do lado melódico, mesmo com a participação do trompete e do trombone, é o pop punk que exerce a base rítmica de Do We Need A Sign, uma música que, assim como Not Going Back, traz bom humor ao descrever a percepção da desconstrução de um casal.
A marcação do tempo é feita pelo chimbal enquanto o riff da guitarra, igualmente acelerado, o acompanha. Crescente, o compasso da canção já mostra, nos seus primeiros sonares, a imersão no solo do pop punk. Com um golpe seco, a bateria dá passagem para o primeiro verso, momento em que a canção já recebe um blend de ska em sua desenvoltura enquanto as notas reconfortantes do teclado servem de consolo para um eu-lírico que se questiona repetidas vezes “why do you have to leave me?”. No More Me And You é uma canção em que o trio de sopro apresenta uma levada enérgica, mas com pitadas singelas de melancolia. Na canção, fica perceptível que uma das assinaturas do Abraskadabra é trazer visões cômicas sobre acontecimentos do cotidiano dos jovens, algo que, inclusive, fica latente quando Trosso diz “welcome to the lonely club”. Com refrão pesado, agressivo e regado em distorções graves, No More Me And You fala nada mais nada menos do que o reencontro da vida a um. Outro importante single de Make Yourself At Home.
O punch já se faz presente na introdução, momento em que o instrumental se apresenta em sua composição completa emitindo um groove punk com sobressaltos de luz solar incandescente. A bateria cria uma ambiência tropical ao trazer o som da haste da caixa como uma contagem de tempo rítmica e é com um rápido repique que ela insere o ouvinte no pré-refrão, um trecho de protagonismo do groove grave e preciso do baixo. Na passagem do pré-refrão ao refrão, Ed, Maka, Buga e Japa fazem um punch que muito se assemelha àquele feito por Travis Barker, Tom DeLongue e Mark Hoppus no início do refrão de First Date, single do Blink-182. Burning Up é uma canção enérgica que traz um lirismo sobre ócio.
Pelos primeiros sonares, parece se tratar de She’s Tight, single do Cheap Trick. Porém, quando a frase continua em ritmo linear já vai se percebendo autonomia. Afinal, além de ter mais brutalidade, Set Us Free possui um ritmo amplamente enérgico e contagiante. Essa caracterização casa perfeitamente com o conteúdo lírico, o qual funciona e retrata a exortação da liberdade.
O despertar de Everyone Is Special possui uma métrica que a torna passível de ser incluída no repertório de Isomaniac, álbum do Green Day. Como outra importante marca tanto da sonoridade do Abraskadabra quanto do presente disco, a guitarra base vem desempenhando papel fundamental na caracterização do ska por meio do seu riff macio, contagiante e linear. Imaturidade, descompromisso e ingenuidade são alguns dos assuntos tratados na história de Everyone Is Special, uma música que trata, acima de tudo, degraus no relacionamento. Uma música cujo ponto alto é o refrão, afinal, sua melodia grudenta e de fala macia o tornam o ápice musical mais chiclete de todo Make Yourself At Home.
Assim como Bunkers, Cattle Life tem um despertar diferenciado e calcado em sonoridades ambientes. Aqui, o ambiente se refere a uma conversa ao estilo humor pastelão entre integrantes do hepteto. E como um susto, o ouvinte é introduzido ao primeiro verso da faixa. Forte, pesado, acelerado e, não fossem os instrumentos de sopro sobrevoando a melodia, esse trecho teria até mesmo notas de rudez em sua estrutura. Por conta disso, existe uma singela semelhança com a sonoridade executada pelo Rise Against, ou seja, um punk rápido e áspero. É verdade, porém, que o que define a base rítmica de Cattle Life é o hardcore, ritmo que serve de cama para um lirismo que, assim como em Everyone Is Special, trata de descompromisso. As frases “never had a single plan, because you don’t fucking care” e “twenty seven years of nothing in your face” inclusive fazem com que a faixa seja quase como uma irmã de What’s My Age Again, single do Blink-182.
É com estrutura minimalista e de teor melancólico que You Shy, Girl se apresenta ao ouvinte. Apesar da distorção e do punch da bateria, a canção apresenta uma sonoridade um tom abaixo do que aquele emitido nas canções anteriores, o que logo comunica se tratar da primeira balada de Make Yourself At Home. É verdade, porém, que o baixo apresenta frases rápidas na base, o que oferece uma cadência mais acentuada à canção que ainda oferece um refrão macio e, assim como Everyone Is Special, de melodia chiclete.
Influências do country, do folk e do hard rock podem ser notadas facilmente na introdução de Time To Love You, um trecho que une características sonoras do Texas, Louisiana e Califórnia em uma melodia contagiante e macia. Com toques florais acompanhados de uma paleta de cores quentes, a canção tem um quê de sensualidade e encantamento que introduzem um lirismo duvidosamente romântico.
Recriando a fuga de uma prisão, a introdução da faixa é construída a partir de uma sirene e um grito rebelde que entoa “I’m fucking out this town”. Acelerada, enérgica, agressiva e com notas de aspereza são características que definem Making A Scene, uma música baseada no hardcore e com curioso e, para muitos, despercebido protagonismo da guitarra base nos primeiros versos da segunda estrofe. Afinal, seus riffs posicionados ao fundo do escopo melódico, proporcionam uma malandragem e uma malemolência na harmonia da faixa mesmo que por um curto período.
O violão de notas doces puxa a introdução. Por alguns momentos, a sonoridade por ele feita muito lembra a melodia executada por Noel Gallagher em Wonderwall, single do Oasis. Por essas razões, apesar de se ter creditado You Shy, Girl como uma balada, é How Have You Been a única que pode carregar esse título consigo. Afinal, a canção é introspectiva, nostálgica e com a primeira estrofe desenhada em uma estrutura minimalista. Sem agressividade e com um veludo melancólico, a canção oferece um lirismo carregado de lembranças, suposições e sentimentos de saudade. Na presente faixa acontece, inclusive, algo semelhante ao que ocorreu em Making a Scene. Enquanto a guitarra base assumiu papel importante na faixa, é o baixo que faz o mesmo feito em How Have You Been. Afinal, seu groove macio e melódico proporciona, a cada encerramento de verso, a textura reconfortante do veludo caminhando pela pele do ouvinte.
Make Yourself At Home é a prefeita recriação da orla de Malibu. Afinal, sua base rítmica mista de ska e punk cria uma melodia macia e contagiante típica da Califórnia. Porém, o disco traz ainda a imersão por diversos outros ritmos, os quais caminham por entre o hardcore, o hard rock, o folk e o country.
No entanto, é o pop punk que se destaca entre os gêneros secundários do álbum. Não à toa, é possível enxergar referências sonoras de bandas icônicas do gênero que, inclusive, nasceram na Califórnia. Alguns dos fortes exemplos são o Green Day e o Blink-182. Mas não é apenas no ritmo que essa igualdade se faz presente. Todo o lirismo que recheia as melodias do disco traz na lista de ingredientes o deboche, o cômico, a vida adolescente e o descompromisso.
Por conta disso, assim como fez Superbrava em Natural, o Abraskadabra recriou, com o disco, a musicalidade dos anos 2000. Afinal, além do Green Day e do Blink-182, o álbum proporciona a reciclagem da sonoridade de bandas como Sum 41, Avril Lavigne, The Offspring, Yellowcard e The All-American Rejects.
Estas são algumas das assinaturas do Abraskadabra. No quesito melódico, as assinaturas presentes em Make Yourself At Home são a alegria vibrante proporcionada pelos instrumentos de sopro, o saliente groove do baixo e o riff macio na levada ska da guitarra base sempre dominando os alicerces sonoros.
Mas claro que, apesar dessa maciez, o álbum traz muita agressão e aspereza proporcionadas tanto pelos riffs graves das guitarras quanto pelas explosões aceleradas dos grooves da bateria. É a perfeita intersecção entre adrenalina e calmaria muito bem captadas pela produção e mixagem assinadas por Trosso.
É inevitável que o que salta aos ouvidos e o que fica marcado na memória é o humor presente tanto nas letras quanto na melodia. Esse fator está, inclusive, presente na arte de capa. Feita por Thiago Vilas Boas, ela traz uma pessoa dormindo em uma barraca de criança no meio da sala. Pela irregularidade de proporções, as pernas do personagem ficam para fora da cabana assim como aconteceu com o personagem Kronk em uma icônica cena da animação Disney A Nova Onda do Imperador.
Lançado em 24 de setembro de 2021 via Bad Time Records, Make Yourself At Home é enérgico, potente e jovial. De qualidade internacional, o disco é estruturado na medida perfeita entre adrenalina e melodias chiclete. Um ska-punk de fato memorável e incansável.