soul.za - O Mal de Lennon

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Foi cinco anos de gestação até que ele finalmente veio à vida. Desenhado de maneira a representar amplitude, O Mal de Lennon marca um novo capítulo na trajetória do rapper soul.za, que reflete sobre os devaneios no processo do adormecer. Álbum foi masterizado por Gabriel Nascimento.


O swing, o Sol, a alegria, a praia, o calor. Estes são quesitos muito presentes e marcantes durante a introdução, a qual possui uma base rítmica imersa na atmosfera do reggaeton. Curiosamente, quando a canção caminha para o primeiro verso, parece que nuvens acinzentadas começam a pairar no céu melódico, o que acaba por trazer, a partir das notas do teclado, toques melancólicos e densos à estrutura. Eis que uma voz agridoce entra em cena. É soul.za imprimindo coloquialismo e um desenho vocálico semelhante àqueles assumidos por Marcelo Falcão nas músicas do O Rappa. Esse rap cadenciado oferece um lirismo sobre pensamentos, preocupações, medos, inseguranças e incertezas que pairam na mente do eu-lírico no ato anterior ao adormecer. Nesse processo, existe uma relação de amor e ódio com a cama. Amor por ela representar proteção, carinho e conforto. Ódio por ela alimentar sentimentos depreciativos e, consequentemente, impedir o enfrentamento com as questões que empurram a autoestima para níveis baixos. Por essas razões é que a faixa-título possui ares de pedidos de socorro, mas ao mesmo tempo uma insegurança que se torna uma zona de conforto sedutora.


As frases ditas assumem levemente uma roupagem soul. Curiosa e estranhamente, ao fundo se ouve a vinheta de Edmo Zarife eternizada pela Rede Globo desde 1969, inserida na canção sem causar acréscimo melódico significativo. Porém, quando se avalia o contexto lírico, a locução é plausível por enaltecer o Brasil, uma vez que Canindé é uma faixa que, por meio da personagem central arara-canindé, critica e ilustra a luta da fauna do cerrado em se manter viva perante as intensas atividades pecuaristas na região. Essa é uma das razões para que, no decorrer da execução, a faixa assuma uma atmosfera mórbido-lamentosa referente às mortes em vão dos animais viventes no referido ecossistema.


A sensação é a de se estar entrando em uma casa noturna. Afinal, o efeito fade in faz com que o som house vá gradativamente aumentando sua intensidade. Surpreendentemente uma voz se sobressai perante esse ofuscado ambiente festivo e inicia uma sequência de pedidos de socorro, de proteção. Usando metáforas amorosas, o que soul.za faz em Dama-da-noite é discutir sua própria baixa autoestima e, até mesmo, a depressão. Nesse ambiente, além da inserção repentina de uma frase melódica solta de thrash metal, um groove repicado da bateria acústica entra em cena fazendo a vez do solo e a ponte para um período de rap intenso, cuja estrutura dá direito a potentes subgraves.


Anestesiante é a palavra que define a introdução de (Entre Sonho e Sono) Vivo Só. Evoluindo para uma estrutura acelerada e liricamente dramática, a faixa tem ares melancólico-caóticos que servem de roupagem para uma letra que exorta a solidão e que, portanto, lamenta a falta de companhia. Porém, assim como aconteceu em Dama-da-noite, (Entre Sonho e Sono) Vivo Só possui uma divisão melódica clara e bem definida que transporta o ouvinte de uma possível indefinição sonora para um nítido e cadenciado rap.


Notas agudas e levemente aceleradas são ouvidas em uma valsa ansiosa. É então que sons azedos e ásperos são inseridos no escopo melódico introdutório causando um destaque para sabores parcialmente indigestos. No entanto, o que Querubim traz é uma melodia linear acompanhada de um lirismo romântico, cheio de rimas perfeitas e coloquialismos tal qual o rap pede.


Um baixo de linhas groovadas cria uma ambiência soul latente ao estilo Tim Maia. Ao fundo, raspas de guitarra são inseridas por Lucas Carrasco, o que dá um tom de suspense à faixa. Evoluindo para uma esfera house, Forró (Udjabimin) possui um dos lirismos mais densos de O Mal de Lennon, pois aborda a marginalidade, o vício em drogas como forma de fugir da realidade e o torpor que esse consumo proporciona. Curiosamente, a ponte entre o pré-refrão e o refrão possui um beat cuja estrutura funk melody mistura elementos rítmicos construídos tanto em canções da dupla Claudinho & Buchecha quanto em músicas assinadas por DJ Marlboro.


O som inicial é como se estivesse proporcionando ao ouvinte uma viagem ao inconsciente. De energia introspectiva, exotérica e levemente melancólica, a canção possui melodia repleta de elementos eletrônicos, mas grande parte do protagonismo recai sobre o baixo, cujas linhas graves, concisas e precisas inserem peso à estrutura. Caim: Inconstante, Incessante é uma música que trata das dores do amor presas no inconsciente.


Os primeiros instantes são truncados, mas a partir de um crescente som intermediário é que ...E Isso Não É Um Carnaval tem seu início. Sobreposições vocais editadas em diferentes níveis de agudo preenchem a estrutura do primeiro verso, ao passo que uma cadência atraente e um vocal de timbre eletrônico assumem a cena. É aí que o lirismo deixa clara a mensagem de apresentação de soul.za. Provocativa e cheia de rimas perfeitas, a letra é baseada na máxima autoestima.


Baixo, bateria e piano são ouvidos ao fundo em uma perfeita sincronia jazz que bruscamente é interrompida. Quem assume a dianteira é um baixo de linha extremamente grave e pausada. Pela afinação, existe uma semelhança com a melodia imposta por Krist Novoselic no baixo introdutório de Come As You Are, single do Nirvana. No decorrer da execução, uma guitarra de afinação melódica insere luz e notas florais na canção, que é dominada por uma bateria de groove linear e de violinos inseridos pelo sintetizador. Graves & Verdades é uma música que, liricamente, expõe a fé que soul.za deposita em sua música para fazê-lo conquistar uma posição de conforto na vida.


Um CD é colocado no rádio. Quando enfim há a sincronia de seu conteúdo com o sistema de strereo, os sons iniciais são trazidos. De estrutura melódica minimalista, Ela Vai Pro Jogo Essa Semana é uma faixa em que a cadência é entregue pelo movimento vocal. Rápido e com momentos de vagareza, a faixa é, assim como Querubim, um produto de lirismo essencialmente romântico.


Existe experimentação. Existe crítica sócio-política. Existe coloquialismo. Existe O Mal de Lennon. Com uma adaptação vasta de gêneros musicais que vão desde o reggaeton ao rap, o novo disco de soul.za surpreende nas fusões com o soul e o funk melody. Surpreende, inclusive, nas sonoridades inseridas como artifícios para engrandecer o sabor geral das músicas.


Ao avaliar esses aspectos, é indiscutível que a principal faixa do álbum é Canindé. Afinal, além da ousada inserção da vinheta global, existe uma letra densa, de mensagem crítica e que carrega muita incredulidade social perante as atrocidades atualmente ocorridas em um dos principais biomas brasileiros.


Outra importante candidata nesse quesito é Forró (Udjabimin), cujo lirismo áspero e direto retrata não só a marginalidade, mas expõe as saídas alternativas encontradas por essa parcela da sociedade negligenciada ou cuja existência é blindada pela normalidade cotidiana das pessoas.


Claro que em O Mal de Lennon também existem temas mais brandos. O enaltecimento da própria personalidade está presente em Graves & Verdades, enquanto lirismos românticos podem ser conferidos em Querubim e Ela Vai Pro Jogo Essa Semana. Essa variedade de conteúdo lírico é outra importante característica do álbum, o qual é abraçado por sobreposições vocais e rimas perfeitas.


Essa dicotomia de temas que transitam entre tensão brandura está, inclusive, bem representada na arte de capa. Feita entre Laura Piza e Laura Nihao, ela traz a questão do intenso ato de pensar durante o processo do adormecer. Ao mesmo tempo em que as cores de tons pasteis tentam trazer calmaria, tranquilidade e notas de veludo, é inegável que o volume de ideias e pensamentos que vem à mente nesse momento podem fazer com que enxaquecas surjam. Isso também está reproduzido em uma das duas caricaturas presentes na arte.


Lançado em 17 de setembro de 2021 de maneira independente, O Mal de Lennon é um rap heterogêneo e sem amarras estilísticas. A liberdade melódica e de composição são suas principais características, podendo tanto incomodar tanto agradar aos ouvidos curiosos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.