Tremonti - Marching in Time

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Desde sua emancipação musical em 2010, Mark Tremonti vem liderando seu grupo solo com considerável maestria. Tendo três discos em seu catálogo e alcançando o ápice de qualidade sonora, composição e maturidade vocal no conceitual A Dying Machine, Tremonti agora tem a tarefa de manter a postura em Marching in Time, seu quarto e mais recente disco de estúdio.


Fumaças escuras trafegam pelo ambiente em uma valsa provocativa e sinistra. Nuvens densas e igualmente sombrias se encontram e tampam qualquer chance de a luz poder invadir o solo arenoso. Clarões são vistos no interior das nuvens de maneira crescente e de tamanhos gradativamente maiores. É então que gotas robustas começam a cair descontroladamente tornando o terreno em um lamaçal escorregadio e instável que se torna ainda mais amedrontador ao passo que trovões e rajadas de vento rompem a calmaria entorpecida. Esse é o cenário proporcionado pela introdução de A World Away, uma música que se apresenta em um misto de thrash metal e death metal até evoluir, por entre os versos, em um metal sinistro, potente e preciso. Existe notas de desespero e desamparo na história narrada por Tremonti, a qual apresenta um personagem que se sente sozinho, desprotegido e carente de atenção e carinho. A depressão é um detalhe inerente à trajetória do eu-lírico, o qual comove o público em sua busca pelo estancamento do sofrimento. No que tange a melodia, o protagonismo é indiscutivelmente creditado a Ryan Bennett, cuja velocidade, pressão e desenvoltura foram imprescindíveis para criar uma ambiência densa. Contando ainda como um solo de caráter emocional, a canção possui uma trilha de encerramento cuja melodia muito se assemelha àquela empregada em Bleed It Dry, single do Alter Bridge.


Pressão e riffs graves dão as primeiras notas da introdução Now And Forever. Porém, diferente da canção anterior, a cadência aqui apresentada está mais contida e com uma métrica mais comercial. Esse caráter mais radiofônico se concretiza principalmente no refrão, momento em que a levada se torna macia e de fácil digestão. Ainda assim, a letra apresentada segue carregada de obscuridade em suas esferas mais visíveis. Porém, nas entrelinhas o que existe é a reconstrução de um coração ferido, a recuperação da autoconfiança e de firmeza. Curiosamente, a forma como o lirismo é trazido carrega muita semelhança com o conteúdo letrado de Take The Crown, single do Alter Bridge, afinal, ambas trazem a mensagem da superação e da busca pela vitória na vida.


O som vem do sintetizador e o que se ouve é um conjunto de notas de violino indo e voltando do grave ao agudo em uma sinfonia dramática.  De repente, no segundo plano, começa a emergir uma melodia que promete explosão. Enquanto Tremonti inicia as colocações líricas, bateria e guitarra dividem o mesmo espaço no background de maneira a criar uma sonoridade repicada e com toques ásperos. É quando a frase de impacto “Fill this heart of mine” é proferida que uma explosão melódica eclode. A guitarra solo de Eric Friedman navega com notas agudas e de cadência macia acima de um groove de levada metalizada no compasso 4x4. Esse trecho é a ponte entre a introdução e o refrão, momento em que a estrutura de If Not For You encontra um terreno emocional, entregue e, ao mesmo tempo, sofredor. Afinal, é aqui que o eu-lírico assume a culpa por não ter prestado apoio e atenção a um amigo que encarava a depressão e um ar de desgosto pela vida. Mesmo com temperos de heavy metal no decorrer da segunda estrofe e um conteúdo lírico delicado, a canção assume o posto de single pelo caráter melódico e radiofônico, se posicionando distante da zona de conforto thrash do vocalista.


A guitarra surge regendo frases com uma leve inserção de distorção grave que, a partir do som cavalgante, comunica a imersão no campo do thrash metal. A cúpula do prato de condução entra no contexto proporcionando um ar de suspense e o despertar da condução. Porém, é com um golpe forte e preciso na caixa que a introdução de Thrown Further de fato se inicia. De sonoridade ácida e levada macia, o som construído remete à estrutura melódica de canções do Rammstein. Havendo sobreposições de guitarras, a música possui um misto de riffs melódicos e agressivos que conferem o metal como guia da base rítmica da faixa. Com direito a pedais duplos e um refrão de estrutura comercialmente atraente, a faixa é enérgica, excitante e com um lirismo que, assim como vem mostrando Marching in Time, é focada no alvorecer e na desenvoltura do bem-estar, da superação de medos, angústias e solidão.


O efeito fade in se pronuncia ao trazer o som acelerado e com notas de raiva da guitarra ganhando força e presença de maneira gradativa. A bateria invade a cena de maneira firme em cujos golpes na caixa se assemelham a tiros de espingarda, um artifício comum assumido por bateristas de subgêneros como o death metal e o próprio thrash metal. É então que um uníssono grave, explosivo, denso e de ar obscuro tampa como nuvens corpulentas a entrada de qualquer feixe de luz. Porém, quando o primeiro verso se inicia, um novo horizonte se forma com um ritmo de cadência mais melódica e proporcionando uma maior noção atrativa. Aqui, a guitarra sai da esfera do grave, mas continua com rispidez e notas rasgadas, o que acaba por oferecer um enaltecer de sabores. Nesse quesito, é até possível perceber uma sensualidade selvagem em Let That Be Us, uma música que, liricamente, crítica a eclosão de fake news durante a pandemia, promove a percepção social de que a verdade é o melhor caminho e narra a forma como o destino consegue transformar as pessoas. Assim como Thrown Further, Let That Be Us é uma candidata indiscutível para a compilação de singles lado b do álbum.


O folk pode ser percebido nas entrelinhas da melodia em estruturação. Com uma cadência repicada e cheia de quebras, a sonoridade é mais branda e minimalista de maneira a se assemelhar com aquela construída no primeiro verso de Overcome, single do Creed. Com picos vocais, Tremonti se arrisca em oferecer maiores extensões em suas frases vocálicas, feito que é realizado sem falhas. A energia introspectiva e até mesmo sentimental paira durante toda a execução de The Last One Of Us, uma música que metaforiza figuras bíblicas quando coloca sob as costas do eu-lírico a responsabilidade de, por meio de palavras escritas, mudar o mundo. Apesar disso, existe aqui duras críticas à fé cega e inquestionável que algumas pessoas absorvem para si. Melodicamente, por conta de seu ritmo macio e de fácil digestão, The Last One Of Us assume o posto de balada de Marching in Time.


Assim como em Thrown Further, a guitarra empregada por Tremonti no despertar de In One Piece possui frases ásperas e cavalgantes. Conforme o chimbal vai se pronunciando com firmeza, o riff também entra em uma crescente até o uníssono explodir. É nesse momento que a faixa acaba construindo uma frase de melodia semelhante àquela presente na introdução de Poison In Your Veins, single do Alter Bridge. Essa semelhança se esvai assim que o vocal surge, instante em que a aspereza e a agressividade tomam o lugar do excessivo peso presente no período anterior. Com inserções de sons eletrônicos pairando pela atmosfera, percebe-se a mesma experimentação vivida pelo Alter Bridge no processo de composição de Walk The Sky. Ainda assim, a faixa deixa clara a constatação de que Mark Tremonti possui uma capacidade indiscutível de construir músicas que transitam livremente por melodias amplamente agressivas com outras mais comerciais por assumirem uma sonoridade mais palatável. Excitante e com flertes no hard rock, In One Piece é uma faixa que, liricamente, trata a relação do eu-lírico com sentimentos como medo e insegurança.


O tilintar proporcionado pelo som da guitarra remete ao som do violão construído na introdução de Love Can Only Heal, single de Myles Kennedy. Com o golpe da bateria, o amanhecer de Under the Sun entra sob uma nova ótica, ótica essa que, pela primeira vez em todo o disco, existe o nítido som e o protagonismo do baixo de Tanner Keegan. Encorpado e presente, ele oferece precisão no bailar de suas frases lineares, as quais, ao lado do groove em divisão 4x4 da bateria, desenham a cadência da música, a qual é dominada por introspecção. Porém, a introspecção ganha ares de uma rebeldia que, na verdade, suplica por esperança durante a execução do refrão. De ares ásperos e melancólicos, a melodia desenhada no trecho muito possui similaridade com aquela estruturada em Solace, música do Alter Bridge, mas fora de catálogo. Discutindo a indecisão e a ambivalência da sociedade, o lirismo é visceral, intenso e até mesmo emocional de tal maneira que até a guitarra possui momentos que derruba lágrimas por entre a melodia. Por essas razões, Under the Sun é outra grande composição de Marching in Time.


Um som crescente surge. Ao seu lado, vem uma guitarra de riff limpo e aveludado inserindo notas de uma tonalidade dividida entre pastéis e frios. Um sentimento nostálgico-melancólico é posto em cena e captura o ouvinte. Emotiva, de atmosfera épica e até mesmo moralista, o lirismo de Not Afraid To Lose causa um impacto engrandecedor na harmonia da canção, a qual atinge um ápice emotivo durante a execução do refrão. Não à toa que Not Afraid To Lose se posiciona ao lado de The Last One Of Us na lista de baladas do álbum. E no que tange o lirismo, existe nele diversas ramificações interpretativas que vão desde uma temática romântica, a busca pela superação e a metaforização da fé.


O início desperta o suspense, a tensão e a expectativa. Crescendo gradativamente em harmonia, a canção vai recebendo, a cada passagem, um novo instrumento nas frases melódicas até a explosão dramático-raivosa no refrão. Em Bleak essa atmosfera serve de cama para um lirismo que parece ser um diálogo estruturado entre o eu-lírico e Deus. Um diálogo em que o personagem central se porta cético e questionando os eventos ocorridos. De outro lado, porém, a letra da canção pode estar empregando uma dura crítica sobre o aparente retrocesso sócio-comportamental vislumbrado durante, no caso dos EUA, a eleição de Donald Trump e, no Brasil, a eleição de Jair Bolsonaro.


É audível o blend de influências thrash metal no início de Would You Kill. De Metallica a Slayer. De Megadeth a Anthrax. Essa mistura, fundida com o metal, proporcionou uma sonoridade sombria, pesada, áspera, raivosa e com toques de azedume. Esse é o ambiente que dá abertura e acompanha um lirismo que critica os instintos de impulsividade e oportunismo da sociedade. Afinal, os questionamentos “would you kill if the chance came again? And are you brave when you can't see tomorrow? Would you kill, would you beg, steal or borrow?” traduzem bem esse criticismo.


O suspense e uma sensação de medo pairam pelo emocional do ouvinte a partir das notas intermediárias da guitarra que ecoam por um ambiente vazio e escuro. A voz de Tremonti aparece como um alento na forma de um narrador reflexivo. Eis que Bennett entra em cena e insere na melodia um groove cujas linhas parecem ter sido tocadas por Scott Phillips, pois nele existe uma grande semelhança com a sonoridade criada por Phillips nas canções do Alter Bridge. Essa semelhança estilística aumenta consideravelmente com a evolução da música, que assume um corpo que a deixa no mesmo desenho de Waters Rising, singe de autoria do Alter Bridge e cujo posto de vocalista principal é, inclusive, assumido por Tremonti. Guardadas as devidas proporções, assim como em If Not For You a faixa-título apresenta um caráter dramático que permeia toda a sua execução. Porém, o lirismo apresenta uma mensagem de força ainda superior que o teor dramatúrgico, afinal, aqui o narrador encoraja o eu-lírico a continuar vivendo, olhando sempre em frente e não enfraquecendo perante uma realidade global rodeada por guerras, interesses mercadológicos e que falha brutalmente na questão humanitária. Aqui, inclusive, há uma crítica perante a forma como os governos podem estar imputando nas pessoas uma personalidade fria e pouco amistosa. Mesmo após o término desta que é a canção mais longa do álbum, o que se repete na mente do ouvinte como um eco interminável é a frase “don't fail to show your strength”. Uma música de pura súplica pela manutenção do bem-estar social.


De primeiro momento, o que se pode dizer de Marching in Time é que ele mostra de maneira clara e indiscutível o amadurecimento, e o profissionalismo de Mark Tremonti no que tange a construção de harmonias enérgicas, excitantes e instigantes. Exemplos disso são obtidos em faixas como A World Away, Thrown Further, Let That Be Us, Under The Sun e as comerciais como If Not For You, Not Afraid To Lose e The Last One Of Us.


Misturando sua paixão pelo thrash metal e a sua já familiaridade com os subgêneros do hard rock e do metal, Tremonti, por muitas vezes, cometeu os mesmos escorregões feitos por Billie Joe Armstrong em Love is For Losers, disco do projeto paralelo The Longshot: uma sonoridade excessivamente parecida com aquela construída nas outras bandas de que faz parte. 


Afinal, o Alter Bridge e mesmo o Creed podem muito bem ser ouvidos em faixas como A World Away, Now And Forever, The Last One Of Us, In One Piece, Under The Sun e a faixa-título. Ainda assim, o caráter dramático-agressivo-emocional do álbum o torna um produto diferente do que aquele feito por Armstrong.


Enquanto Love is For Losers soa como o Green Day com outro nome, Marching in Time soa como Tremonti no processo de Mark Tremonti se independer das sonoridades de suas outras bandas. Até porque, além do metal e do hard rock, o disco dá direito a flertes com o folk, uma ferrenha imersão no thrash metal e uma consciência vocal cada vez maior e potente.


Toda essa maturidade foi muito bem trabalhada pelo companheiro de longa data Michael “Elvis” Baskette, o qual construiu uma produção bem lapidada que captura todas as experimentações melódicas exercidas por Mark Tremonti ao longo das 12 faixas do álbum.


O ambiente amigável se fecha com a arte de capa. Feita pelo próprio irmão, Daniel Tremonti, ela possui uma atmosfera fantasmagórica ao trazer pessoas em desenhos disformes posicionadas em círculos decrescentes que criam uma imagem ilusionista por parecer se mexer quando muito observada. É a ideia de marchar no tempo muito bem ilustrada.


Lançado em 24 de setembro de 2021 via Napalm Records, Marching in Time é um disco que, apesar de não superar A Dying Machine na questão conceitual, possui diversas músicas de melodias potentes e lirismos dramático-emocionais. Um disco que consegue arrancar lágrimas ao mesmo tempo em que excita e energiza.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.