Superbrava - Natural

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Não é apenas por ser caiçara que assume o reggae como gênero base das composições, ou mesmo a surf music e o ska. As ondas surfadas pelo Superbrava possuem tubos que tangenciam com aquelas usadas pelo Charlie Brown Jr., até porque elas são conterrâneas de Santos. A diferença é que a primeira acaba de dar continuidade à sua história com o lançamento de Natural, seu segundo EP.


Frescor e jovialidade. A guitarra é distorcida na métrica pop punk e a bateria segue a mesma linha de raciocínio com um groove pesado e linear, mas fluído. No que tange o vocal, Vicente Anacleto possui um timbre opaco que se assemelha, com suas devidas proporções, àquele emitido por Di Ferrero e Renne Fernandes. De interpretação lírica sofrida tal como pede a roupagem emo, Ininterrupto é uma canção sobre humildade, aceitação e enfrentamento das dores da vida que possui, inclusive, uma ponte de linhas exaltadamente melódicas. O solo de guitarra, por sua vez, cria uma dicotomia temporal interessante com a bateria. Afinal, enquanto Vinicius Frutuoso sola ligeiramente rápido, Moisés Alencar desenvolve o groove da bateria quase no desespero. Por outro lado, é esse desespero que imputa até mesmo uma sexualidade selvagem que se pronuncia até o retorno dos versos.


Repiques rápidos, mas cadenciados, servem como ponto de partida para uma melodia tranquila e suave tal como a brisa do mar em uma tarde de verão. A guitarra, por sinal, conversa bem com essa proposta, pois suas linhas de riffs aveludados funcionam como um toque extra de doçura. Buscando passar a importância da busca por melhorias interpessoais, em Peso de Tudo Anacleto se pronuncia ao lado de sobreposições vocais que, no refrão, criam uma química tal como aquela estruturada entre Ferrero e Gee Rocha nas canções do NX Zero. Melodicamente, a faixa segue com a base pop punk, mas o que salta aos ouvidos é uma imersão no campo do indie rock.


Que surpresa agradável. A melodia desenhada logo no início da faixa-título tem uma semelhança latente com aquela criada de maneira majoritária em La Família 013, último álbum do Charlie Brown Jr.. Macia e harmônica, ela é como uma sensação nostálgica abraçando vagarosamente o corpo do ouvinte, que se vê se despedindo do Sol em um anoitecer de verão. Calcada em uma métrica hardcore amena, a música possui uma presença marcante e necessária do baixo que, por meio de Nathan Motta, entrega suculência e uma acentuação na cadência rítmica. Liricamente, a canção aborda um tema comum nos relacionamentos de primeira viagem, que é a falsa ideia de que, se uma das partes mudar de jeito, a outra acabará a aceitando melhor. Ou seja, trata da insegurança em assumir a verdadeira identidade e do medo em enfrentar os consequentes riscos dessa atitude. 


De vocal ainda mais gutural do que o usual, Anacleto puxa a introdução de Pílula, uma faixa que se mostra, desde o inicio, ser expoente de uma intersecção entre o hardcore e o pop punk. Tratando, mesmo que de maneira intrínseca, assuntos como a depressão e a solidão, a faixa segue abordando a insegurança, mas de uma forma metafórica em que a pílula é o remédio responsável por equalizar o que os outros desejam e a característica da pessoa. Se na faixa-título Motta foi importante para a conjuntura melódica, aqui ele tem seu próprio momento de solo. E o mais interessante é que o trecho ficou tão empolgante e sedutor quanto se tivesse sido feito pela guitarra. Afinal, teve groove, teve swing e, o mais importante: funcionou como um realçador da melodia.


Igualmente macia e tranquila, Trilha segue com uma introdução calcada no indie rock cujo ambiente é rodeado por sentimentos melancólicos. E nisso, a guitarra de Rodrigo Dido tem grande participação. Refletindo sobre a vida, os atos feitos, e os desejos, o eu-lírico também vive situações de culpa e sofrimento por não ter feito o que queria. E como roupagem, frases pop punks vêm e vão por entre a melodia. É apenas na ponte que a sonoridade assume caráter mais pesado e agressivo a partir da distorção grave dos instrumentos de corda. 


Falar sobre Natural é como se olhar no espelho. É como um lapso de segundo em que o ouvinte vislumbra, na forma de um personagem onipresente, toda a própria vida percorrida até então. Lembranças, saudade e melancolia se misturam com reflexões e eventuais arrependimentos. Erros e acertos. Ganhos e perdas. Felicidade e tristeza. A vida como ela é.


Tudo isso a partir de uma roupagem nostalgicamente jovem. Afinal, com o EP, assim como em Todas as Cores, a Superbrava reavivou a ambiência emo e a misturou com universos como o hardcore e o pop punk, vertentes do rock cujo auge da fama se deu no fim da década de 90 e início dos anos 2000, período de grande efervescência também do nu metal.


Por essa razão, é provável que, ao ouvir Natural, bandas e nomes como Blink-1.8.2, Green Day, NX Zero, Hevo 84, Stevens, Simple Plan e Avril Lavigne surjam como lembranças sonoras de uma época cujo som descompromissado, biográfico e lamentador exalava os sentimentos inconscientes dos jovens.


E a produção de Nando Basseto conseguiu captar bem esse propósito. A intenção de falar das coisas da vida de maneira aberta, de mostrar que os jovens também sentem e sofrem. De mostrar como o viver é complexo. Além disso, Basseto identificou a química entre os integrantes e a construção de um consequentemente fresco.


Por fim, mas não menos importante vem a arte de capa, aquele setor que fisga a audiência pelos olhos. Feita por Alexandre Kool, ela assume um caráter nostálgico melancólico, a partir da paleta de cores utilizada, que faz o ouvinte refletir. A coroa de ramos floridos abraçando a gaiola que guarda uma solitária dá a ideia de nascimento, de vida. De mudança. Ao mesmo tempo, a imagem causa a impressão do aprisionamento, do medo e da autopunição por não ter coragem de expor as próprias características ao mundo, um lugar monocromático e que segue a lógica da homogeneidade ante a riqueza de diferenças. Esses são fatores que, inclusive, servem de recheio para o lirismo das faixas do EP.


Lançado em 18 de junho de 2021 via Artico Music, Natural é um trabalho melodicamente nostálgico e liricamente jovem. Um EP que serve como um diário escrito pela vida para ser lido por aqueles que, nela, estão vivendo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.