Roseane Santos e Luciano Faccini - Livro Vivo

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (3 Votos)

Poesia, música e astrologia. Das três, as duas primeiras já têm sido constantemente associadas em diversos trabalhos litero-sonorizados. O terceiro é a aposta de Roseane Santos e Luciano Faccini com a obra Livro Vivo, cujo primeiro de três capítulos acaba de ser anunciado.


Macio, tropical, brasileiro. Mesmo para aqueles mais rígidos, é difícil ouvir os primeiros sonares e não ficar com vontade de dançar. Afinal, a união do violão e dos elementos percussivos trazidos por Daniel D’Alessandro cria uma atmosfera encantadoramente MPB que remonta a era Tom Jobim. Eis que uma voz agridoce cujo timbre remete ao vocal de Caetano Veloso se insere no campo melódico. É Faccini trazendo uma paleta de cores mista de tons pastéis e quentes no cenário desenhado pela canção. Na entrada do pré-refrão, o ouvinte é surpreendido com uma injeção de groove arrastado com influência do xaxado proporcionada pelo baixo de Vic Vilandez, que acompanha homogeneamente o vocal aveludado e doce de Roseane. E no quesito de doçura, a faixa-título possui mais um elemento que torna a harmonia bela e sedutora. Bailando por entre a melodia do refrão, a flauta de Nati Bermúdez insere notas de folk a esta que é uma canção que traz a metáfora da língua para tratar da comunicação, a arma contra a repressão e a opressão. O dialogar é, aqui, trazido como a maior forma de expressão. 


É como um tímido escorrer de lágrimas. Afinal, o sentimento de melancolia é propagado através das notas soltas do violão tocadas em união aos riffs ainda mais tímidos e agudos da guitarra de Leonardo Gumiero postos aqui como ingrediente extra dessa inicial tristeza reconfortante. Com a entrada dos elementos percussivos e a voz em transição de entonações firmes e suaves, a canção ganha curiosos e fortes contornos indígenas devido à cadência e pressão exercidos pelos tambores. Em Hoje, os vocalistas trazem um lirismo astrológico em que os planetas correspondem aos antagonismos sócio-comportamentais. Morte e nascimento, briga e amor, censura e liberdade de expressão. Com um instrumental dramático e emotivo formado por um sensitivo arranjo de base.


Da profunda melancolia ao extravaso do sorriso e da alegria. É esse salto de grandes proporções que é elaborado por Nos Últimos Graus da Leoa, uma música com base rítmica mista entre o samba e o axé com protagonismo do trompete e trombone trazidos por João Martins e Rodrigo Viccaria, respectivamente. Recheada de swing, a canção ainda traz, por intermédio da guitarra, imersões sutis no universo do reggae consagrando um aroma tropical latente. Macia e contagiante, a canção é dividida por participação entre estrofes, sendo a primeira cantada por Faccini e a segunda por Roseane cujo lirismo se converge na exaltação da simplicidade e o afastamento do orgulho. 


As notas graves e ao mesmo tempo macias do clarone de Otávio Augusto inserem, como aconteceu na faixa-título, uma sonoridade folk contagiante em Junto de Suas Raízes, uma música que segue a base MPB consagrada em faixas como a música-título. A participação extra de instrumentos de sopro como o clarinete faz com que a canção construa uma atmosfera melódica francesa latente e contagiante de maneira a se fundir homogeneamente também com o samba trazido no refrão. O mais interessante é a mensagem lírica que se foca na busca pela identidade, no conforto da origem e da tradição e nos desafios inerentes ao autoconhecimento. Cantada inteiramente por Roseane, Junto de Suas Raízes é uma faixa regada em texturas palatáveis e táteis.


Melódico, brasileiro, tropical, harmônico e franco-luso. Estas são apenas algumas características que definem o primeiro capítulo a ser desmascarado de Livro Vivo, um trabalho cheio de harmonias e texturas que transitam do MPB, vão para o samba, recebem o xaxado, abraçam o reggae e se reconfortam no folk.


Essa viagem estilística segue de maneira homogênea todas as narrativas propostas pela dupla Roseane Santos e Luciano Faccini, as quais trazem por entre metáforas astrológicas pensamentos sobre o ato de ser, sobre o agir, sobre si próprio. É por isso que para muitos Livro Vivo pode soar denso e, até mesmo, desinteressante, porque olhar para si mesmo é mais desafiador do que o ato de julgar um terceiro.


Fechando esse ciclo está a parte pura e exclusivamente visual, que é a arte de capa. Feita por Miro Spinelli e Cochilo Taquieta, ela se baseia em uma pintura abstrata calcada em uma paleta de tons quentes, pastéis e frios em uma sinfonia que ilustra o amadurecimento e a busca pelo autoconhecimento tão quisto e buscado no subconsciente de cada um.


Lançado em 08 de setembro de 2021 de maneira independente, Livro Vivo é um EP estritamente sensorial, melodicamente bem trabalhado e com uma ampla harmonia. Uma obra musical lúdico-educativa que trata a alma, encanta os ouvidos e aconchega o coração.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.