NOTA DO CRÍTICO
Às 19h20, com os termômetros marcando 23ºC, os arredores do Espaço Unimed eram tomados por uma fila quilométrica, mas não para prestigiar o frontman do Oasis. Tomando até mesmo o espaço que antes era usado pelos pagantes do anteriormente chamado Espaço das Américas, tal amontoado de pessoas estava ali para assistir à Oficina G3 na Audio Club, casa de show localizada nas proximidades.
No que compreende o público de Liam Gallagher, poucos eram vistos nas ruas, uma vez que os portões já haviam sido abertos há alguns minutos. Curiosamente, nem mesmo os camelôs preenchiam a paisagem, sendo que apenas dois, posicionados a uma considerável distância um do outro, vendiam os produtos relacionados ao show do inglês.
Dentro do Espaço Unimed, porém, outra paisagem era vista. Ambos os setores já se encontravam generosamente abastecidos às 20h. Claro que, por faltar 1h30 para o início da apresentação, grandes gargalos ainda podiam ser vistos entre os pagantes do evento daquela noite de 15/11. Às 20h37 já não haviam gargalos, sugerindo grande popularidade tanto de Gallagher quanto da aceitação popular em relação ao seu trabalho solo.
Às 20h43, houve intensa movimentação da equipe técnica no palco, a qual posicionava os setlists e começava a fazer a passagem de som. Tal evento não causou alvoroço no público, surtindo apenas em várias pescoçadas na tentativa de ter algum tipo de visão privilegiada do que acontecia no palanque.
Contudo, ao sonar da distorção da guitarra, gritos e uivos se misturavam de maneira a sonorizar repentinamente o ambiente até o momento em que o palco se esvaziou por completo, às 21h19, apenas alguns minutos antes do início do show. Enquanto isso, as luzes centrais do palanque se acenderam iluminando a parte frontal da plateia e causando uma súbita euforia.
Às 21h25, as luzes foram abaixo. Gritos eufóricos preencheram o ambiente e dividiram espaço com diversos celulares que eram posicionados o mais alto possível para captar a melhor imagem do vídeo transmitido no telão, o qual exibia um retrospecto da carreira do batizado William John Paul Gallagher.
Gritos estridentes, palmas e ‘ls’ feitos com as mãos se misturavam entre sorrisos e lágrimas enquanto a introdução de Morning Glory, cantada em uníssono pelo público, era executada. Com sua posição e roupa padrões: casaco de exército com gorro, corpo esticado e pendendo para a esquerda, mãos para trás e cabeça inclinada, Liam Gallagher se apresentou à sua clássica maneira ao público, sucinto e direto.
Rock ‘n’ Roll Star, a música seguinte, foi igualmente bem recebida pelo público, que cantava tanto sua melodia quanto os versos junto ao cantor. Tudo isso contando com os celulares ainda posicionados o mais alto possível no desafio de registrar o momento com o melhor ângulo.
Wall Of Glass, a primeira a ser executada de sua carreira solo, surpreendeu pela enérgica participação do público, que a cantou de maneira sincronizada. Harmônica, densa, precisa e levemente industrial, a canção ainda teve um swing que contagiou facilmente toda a plateia presente.
“Thank you so much” foi o sucinto e necessário agradecimento que serviu para que Gallagher puxasse a recente, ácida e reflexivo-crítica Everything’s Electric. Assistida em silêncio, mas com olhares de adoração pelo público, a canção manteve o nível de interação público-banda alto.
A melódica, melancólica e nostálgica Stand By Me teve performance regida por um baile de celulares e lágrimas que escorriam pelo rosto de algumas pessoas que, com evidente emoção, cantavam os versos da faixa. Inclusive, o próprio frontman ia para trás pedindo, mesmo sem palavras, que a plateia cantasse o refrão.
Foi então que, nos ligeiros instantes da passagem de uma música para outra, a plateia entoou um “olê olê olê olê, Liam, Liam”, calado a partir da introdução da melancólico-dramática Roll It Over. Slide Away, por outro lado, teve grande participação do público, que estava nitidamente mais estimulado e elétrico ao cantar os versos da ponte.
Em More Power, o nostálgico-melancólico-dramático recado a Noel e outro importante single de C’mon You Know, seu trabalho mais recente, a plateia a acompanhou em silêncio, mas com a presença de palmas compassadas junto ao groove da bateria durante os versos da ponte.
Com direito a brincadeira de que ia cantar músicas do Slipknot para acordar rostos sonolentos avistados na plateia, Gallagher ainda guardava importantes títulos para a performance. E a nostalgico-motivacional Once foi um exemplo disso. Como primeira balada do show, a canção fez as pessoas dançarem amaciadamente enquanto os cantos do público se pronunciavam mais entregues e viscerais.
Se afastando da melancolia contagiante, Some Might Say injetou doses extras de adrenalina, fazendo o público gritar e pular principalmente durante sua introdução. Com boa participação do público também durante os versos, a plateia colocou toda a força da garganta para pronunciar cada palavra dita por Gallagher.
Wonderwall foi, se é que é possível dizer, o ponto alto do show. Com um emotivo refrão deixado por Liam para ser cantado em coro pelo público, a canção teve direito até mesmo a cantarolares vocálicos que representaram a melodia de encerramento feita pelo teclado. Ainda assim, o público foi surpreendido com a performance de Supersonic, canção inclusa especialmente para o set brasileiro.
Deixando o palco sem aviso ao lado de seus músicos de apoio, Gallagher deixou o espaço que, logo, foi escurecido de súbito. Comunicando o início do bis, a atitude fez com que o público rompesse o silêncio desconcertante com gritos, assobios e olêolês até que o grupo voltou ao palanque já introduzindo Live Forever.
E ficou a cargo de Champagne Supernova encerrar de maneira emocionante, com o público cantando de maneira sensível junto a Gallagher, a pernada paulistana da C’mon You Know World Tour.
Aos 50 anos, Liam Gallagher ainda se comporta da mesma forma que 31 anos atrás. Sucinto, burocrático e honroso quanto à máxima ‘pontualidade britânica’. Além de mostrar ainda estar em forma e contar com o mesmo típico timbre metálico-anasalado que marcou os anos 90 e início dos anos 2000, Gallagher fez um show que, mais do que amaciar os corações dos fãs do Oasis, foi provar a popularidade de sua carreira solo.
Mesmo tendo 10 músicas do Oasis, o setlist montado para sua turnê abrangeu de forma equilibrada e até mesmo educada grandes faixas compostas durante seus trabalhos solo. Apesar de contar apenas com Soul Love do repertório de Beady Eye, o setlist deu grande visibilidade aos seus álbuns solo.
De seu mais recente álbum, C’mon You Know, foram prestigiados os singles Diamond In The Dark, Everything’s Electric e More Power, que arrancaram boa participação do público. The River, de Why Me? Why Not, seu segundo álbum, teve o mesmo efeito. Porém, as estrelas da noite, no que tange o trabalho individual de Gallagher, foram inquestionavelmente Wall Of Glass e Once, recebidas com evidente clamor.
Com o auxílio de um line up que contou com três guitarristas, sendo Jay Mahler, Mike Moore e Jeff Wotton, um baixista, que mais tarde descobriu-se ser Drew McConnel, o baterista Dan McDougall, atuante como músico de apoio de Gallagher desde 2017, o tecladista Chris Madden, e duas backing vocals, não apresentado pelo frontman, todo o repertório foi executado com pressão, harmonia e melodias bem construídas. Equilibrado, o set mostrou, inclusive, que ambos os integrantes estavam sincronizados e que, entre eles, havia uma química que transpassava os limites do palco.
Ainda que com pouca interação de sua parte, Liam Gallagher não escondeu seu amor pelo futebol, dedicando Wonderwall a Gabriel Jesus e Ederson, Live Forever a Maradona, além de dizer que o Brasil certamente ganhará a Copa do Mundo. Trazendo consigo seu marcante pandeiro meia-lua, que mais tarde foi entregue ao público juntamente com seu par de chocalhos, ele entregou uma performance marcada pelo forte aroma de nostalgia.
No que se refere ao Oasis, se ele vai voltar ainda é uma incógnita. Essa atmosfera de incertezas e brutais rivalidades entre os irmãos Gallagher chega a desbancar o Guns and Roses e conferir à banda inglesa o título de ‘banda mais perigosa do mundo’ no século XXI. Afinal, enquanto na primeira o temor era que a qualquer momento ela podia quebrar, na segunda ele ocorre pela hipótese de que a qualquer instante ela pode voltar. E isso significa muito dinheiro circulando no showbusiness.
Ainda que não se saiba quando e se isso irá acontecer, o que Liam Gallagher fez na noite de 15/11, em São Paulo (SP), foi provar que está em paz com seu passado e que se encontra, inclusive, aberto a um possível reencontro. Só o tempo irá dizer se Noel e Liam pisarão novamente no mesmo palco para celebrar a carreira de uma icônica banda dos anos 90 e que, hoje, pode ser considerada a banda mais perigosa do mundo: o Oasis.