NOTA DO CRÍTICO
Nos arredores do Estádio Allianz Parque, as ruas, que se aqueciam aos 28ºC marcados nos relógios urbanos daquele 12/11, eram moldadas equilibradamente entre fãs dos headliners Twenty One Pilots e The Killers, mas também de Fresno, a banda de abertura. Vestindo camisetas das referidas bandas, essas pessoas caminhavam com evidentes felicidade e orgulho.
Às 13h, exatamente uma hora após a abertura dos portões, o público que já começava a preencher o gramado branco do Allianz Parque ainda podia avaliar o melhor local para ficar e conseguir assistir ao festival com a vista ideal. E nessa movimentação, o som ambiente ficou a cargo do DJ Olisch.
Preenchendo o ambiente com músicas dançantes que iam do techno lounge, house music até remixes de icônicas canções brasileiras, Olisch ao menos criava a ilusão de que o tempo passava mais rápido para todos aqueles que se espalhavam entre os três setores que dividiram o campo do estádio. Àquela altura, os únicos espaços suficientemente ocupados eram apenas as banheiras próximas aos alambrados que repartiam as áreas de ocupação da plateia.
Quando os relógios marcaram 13h55, assim que a passagem das informações de segurança foram reproduzidas nos telões, a música ambiente parou. Foi então que gritos e assobios começaram a sonorizar o ambiente enquanto o palco assumiu um silêncio perturbador.
Quando as caixas de som reproduziram os primeiros sonares, os gritos aumentaram de forma sincrônica enquanto, um por um, os integrantes do Fresno iam assumindo seus postos no palco. E antes mesmo da primeira música, o grupo fez uma breve intro como aquecimento abrindo oficialmente o GP Week.
Foi então que Lucas Silveira se posicionou no microfone e puxou a melancólico-reflexiva Vou Ter Que Me Virar, uma música que conseguiu fazer o público dançar amaciadamente e pular durante os refrões. As palmas também surgiram no compasso rítmico estimuladas pelo frontman, que não escondia seu sorriso de satisfação.
Saindo da melancolia, Fudeu veio como um pé no peito. Agressiva, ela foi o ambiente ideal para que Silveira iniciasse um breve discurso contra o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e ganhando uma legião de apoiadores pelo público. O feito foi se repetir sete músicas depois, quando o grupo tocou a representativa Eles Odeiam Gente Como Nós.
“Eu entendo como é não se enxergar da melhor forma porque os olhos de fora contaminam o que achamos de nós mesmos”, disse Silveira arrancando gritos e palmas concordantes com seu discurso, que ainda criticou o conservadorismo e o personalismo. “E o que posso dizer a eles é: pau no cu deles”, disse o cantor com tom de ordem e sendo longamente ovacionado pela plateia.
Fora as questões políticas, o show do Fresno teve outros pontos altos entre as 19 músicas do set que merecem destaque. Quebre As Correntes, por exemplo, foi trazida para reviver os tempos em que o grupo era conhecido pelas canções emos, lá nos idos de 2006. Por sinal, no público haviam muitos indivíduos com o visual retrô de tal época.
Já Casa Assombrada, música que recorrentemente figura entre as 10 mais tocadas no quesito pop/rock nacional pelo ranking da Crowley, foi acompanhada com palmas e celulares que pincelavam a superfície ao gravar a performance. Coros viscerais durante o refrão também foram presenciados de forma a contaminar, com sua ampla dramaticidade, até mesmo os setores da arquibancada já bem ocupados.
“Somos a única banda brasileira nesse bagulho, então a gente vai encerrar com uma música bem brasileira”, disse Silveira ao puxar a reinterpretação rockada de Eva, canção de autoria de Umberto Tozzi. Foi assim, com uma alegria contagiante, que o Fresno encerrou sua participação no GP Week.
Com muito carisma, Lucas Silveira foi uma peça-chave no elo entre público e band. Ele ajudou a fazer, da performance, uma boa mistura entre stoner rock, indie e emocore com um som preciso, afiado, bem executado e com direito a protestos políticos conscientes e representativos.
Ao mesmo tempo, a apresentação mostrou um Fresno maduro e consciente de sua experimentação melódica, que agora se distancia tanto do emo ao estilo Polo. Anda assim, a dramaticidade e a melancolia são mantidas em termos que fogem do tema relacionamento como único viés a atingir o escopo emocional do ouvinte.
The Band Camino
Exatas 15h29, com estádio mais preenchido, inclusive com boa lotação na arquibancada, os novatos da The Band Camino iniciaram sua apresentação com a contagiante Know It All. Após sua execução, Jeffery Jordan, tomado por uma timidez e inseguranças desconcertantes, tomou o microfone e mandou uma breve apresentação: “hello Brazil! We came from Nashville, Tennessee!”.
Assim como Jordan, o próprio público olhava o trio com desconfiança, cheio de olhares duvidosos e constantemente analíticos. Isso abrangia tanto a presença de palco quanto a qualidade das músicas que, pelo grupo, seriam apresentadas naquela tarde ensolarada de novembro.
Mesmo com esse início de receptividade regido pela estranheza, o trio contou com palmas gélidas e sutilmente burocráticas do público durante a performance da swingada e macia 2/14, a quarta faixa do set cuja introdução foi construída sem tempo para respiro.
Mostrando versatilidade entre os integrantes, a The Band Camino também foi responsável por apresentar canções com diferentes layouts. A exemplo disso está I Think I Like You, que foi cantada pelo guitarrista Spencer Stewart, que mostrou consistência no falsete, enquanto Jordan se dedicava à guitarra base da canção.
Never A Good Time, a próxima na sequência, com seu ritmo melódico e contagiante, atraiu boa parte do público. Porém, foi somente 11 músicas depois do início do show, em California, que a empatia da plateia foi, enfim, conquistada. Afinal, na ocasião as pessoas batiam palmas no compasso rítmico a partir da regência do baterista Garrison Burgess. Apesar da feição de cansaço, ao encerrar a performance da faixa Jordan é recebido com uma longa salva de palmas.
Outro ponto alto do show foi a canção See Through. Com clima de festa e nítida aprovação do público, o trio apresenta Mateus Asato, brasileiro que assumiu a função de terceira guitarra. Músico ficou no palco até o final do setlist, que perdurou por mais duas composições.
A pop rock distorcida e contagiante Daphne Blue ficou com a função de encerrar, às 16h29, a primeira performance do The Band Camino no Brasil - e na América do Sul - com recado dado e objetivo alcançado: público conquistado em uma estratégia que contou com um set respeitoso que ‘educou’ a plateia em relação ao som do trio de Tennessee que, até então, era desconhecido da maioria dos presentes.
Hot Chip
Já no meio da tarde, com o Sol banhando exclusivamente o lado direito da arquibancada, o estádio já se encontrava majoritariamente tomado, mas ainda com grandes vãos vazios entre ambos os setores.
Pouco menos de meia hora após a estreia da The Band Camino no Brasil, o quinteto inglês de música eletrônica Hot Chip dava início à sua apresentação como a banda do meio no line up do GP Week. E nesse processo, a soul pop Down foi a responsável por introduzi-lo ao público.
Com Felix Martin e Alexis Taylor, baterista e vocalista, respectivamente, mostrando o compasso rítmico com o som opaco dos batuques entre as baquetas, Flutes ganhou vida com direito à obediência do público quanto à execução das palmas em momentos pontuais do refrão.
Ready For The Floor foi outra canção com grande participação do público, que dançou em clima de balada e levantava os dedos sempre que Taylor versava “you’re the only one, darling”. Tal interação foi mantida linearmente em Straight To The Morning, a faixa seguinte.
Já a romântica Melody Of Love, por sua vez, fez os casais dançarem de mãos dadas e, a convite de Al Doyle, contou com o público das banheiras balançando os braços para os lados, arrancando tímidos sorrisos tanto dele quanto de Taylor.
I Feel Better, a 12ª canção do set do quinteto, foi a responsável por encerrar, às 17h56, em clima de festa e com nova e animada interação do público, a apresentação do Hot Chip no festival.
É verdade que o Hot Chip conseguiu atrair a atenção, conquistar a participação e fazer o público dançar a partir de um verdadeiro clima de balada criado pelo quinteto. Ainda assim, para a maioria esmagadora da plateia, tal performance foi recebida como um intervalo, um respiro de descanso antes do primeiro headliner.
Twenty One Pilots
Com a noite em estágio completo e temperaturas sensivelmente abaixo dos 28º iniciais, o estádio finalmente se encontrava tomado e com menos espaço vazio em relação ao show do Hot Chip minutos antes.
Sem ainda ter sinal da dupla, uma onda de gritos eufóricos rompeu os burburinhos das conversas paralelas que sonorizavam o Allianz Parque. Até que, enfim, esse evento teve razão de existir. E isso foi acontecer às 18h59 quando o estádio escureceu por completo formando um súbito breu assustador.
Com grande fervor e excitação, o público mergulhou em cantos uníssonos e gritos que preencheram toda a performance de Guns For Hands, a eufórica canção de abertura do show do duo de Ohio.
Sem pausa para tal euforia, a rappeada e intimista Morph fez o público dançar em sintonia com a melodia enquanto coros consistentes de gritos estridentes davam outro som à canção.
Nesse mesmo nível de interação estava The Outside, uma música em que o público levantava e baixava os braços no comando de Tyler Joseph, o que fez do estádio uma espécie de ola gigantesca. Além disso, a canção, cheia de groove e pressão, contou com o compasso das palmas em sincronia com o tempo rítmico.
Mulberry Street, outro ponto alto do show, teve direito a baile de luzes de celulares ensaiado entusiasmadamente por Joseph, que se divertia e ria ao encontrar as palavras certas para que seus comandos fossem obedecidos individualmente em cada setor do estádio. Com isso, o Allianz Parque virou uma perfeita valsa sincronizada de lanternas de smartphones.
A atitude do cantor foi muito bem recebida pelo público, que nem podia imaginar o que a dupla ainda prometia àquela noite. Durante os medleys The Judge/Migraine, Then Hype/Nico And The Niners/Tear In My Heart, e House Of Gold/We Don’t Believe What’s On TV, Tyler, Chris Salih e os membros de apoio Skyler Acor, Todd Gummerman e Dan Geraghty se posicionaram na frente do palco para um literal luau folk com direito até à fogueira no centro do palanque.
Contando ainda com solo do trompetista Dr. Blum, que tocou trechos de músicas MPBs os fundindo a uma levada funk, a performance do Twenty One Pilots ainda teve uma incendiária performance para Jumpsuit e ousadias dignas de registro.
Durante a execução de Ride, Joseph foi nas máximas extremidades do palco, cumprimentou parte dos fãs e fez da performance um ambiente comovente que, devido à sua ousada atitude, foi repleta de flashes, olhares curiosos e fotografias dos mais variados ângulos.
Ainda assim, o ponto máximo do show ainda estava por vir. E isso foi acontecer durante a performance de Stressed Out. Sem entender o que estava acontecendo, o público só foi acompanhando, com olhares de surpresa, a estranha movimentação de Joseph. Sem tempo de raciocinar, o cantor subiu nos andaimes da área de controle de som do show e, do topo, fez da execução do single um momento grandioso e, sem dúvida, memorável.
Na saideira melancólico-nostálgica Trees, curiosamente e como um único corpo, o estádio pulou durante todos os seus pouco mais de quatro minutos de duração, encerrando, às 20h30, a performance do Twenty One Pilots.
Insanidade, ousadia e presença de palco. Essas são apenas algumas palavras-chave que podem definir como foi o show do Twenty One Pilots no GP Week. Com um set de 17 músicas e três medleys, o duo de Ohio fez uma performance que conseguiu fundir comoção e emoção com diversos pontos altos de interação público-banda e, ainda, audácias inesperadas por parte da dupla. Nada menos que memorável.
The Killers
Às 21h23, a noite já estava no auge. Não haviam mais gargalos em todo o estádio, tendo parte do público, de maneira suada, tentando encontrar a melhor visão do palco entre os microespaços que sobraram. Isso durou pouco menos de 10 minutos, tempo suficiente para respirar e tomar fôlego.
De súbito, as luzes do estádio se apagaram e o telão acende. Porém, sem um barulho ou pessoa no palco, apenas os gritos ensurdecedores do público rompendo aquele silêncio propositadamente provocante. É então que a voz de Brandon Flowers é ouvida entre os alto-falantes.
Às 21h34, com ligeiros e imperceptíveis quatro minutos de atraso, o The Killers subiu ao palco trazendo as paisagens, o clima e a animação de Las Vegas para a selva de concreto de São Paulo.
Foi assim que o estádio foi literalmente ao chão. Gritos e urros eram ouvidos de todos os lados enquanto que, assim como foi em Trees, saideira do Twenty One Pilots, o Allianz virou um só corpo fazendo com que as pessoas perdessem sua individualidade. Não havia como ficar parado e não pular. A própria opção da inércia fazia as pessoas pularem durante a abertura My Own Soul’s Warning.
Em When You Were Young, o feito se repete. Apesar da melodia macia, introspectiva e comovente, quando chegou no refrão ela fez o estádio se transformar em uma espécie de motim, fazendo todo o público pular durante toda a sua execução.
“São Paulo, estamos vivos! Foram quatro anos…Vocês descansaram da gente? Vamos descobrir agora!”, arranhou Flowers em um portuglês compreensível ao puxar Jenny Was A Friend Of Mine.
Engana-se quem pensa que o show ficou atrás daquele do Twenty One Pilots no quesito interação e até mesmo em ânimo tanto da banda quanto do público. Exemplo disso foi Smile Like You Mean It, faixa em que Flowers incentivou as palmas no compasso rítmico da música e fazendo da performance um verdadeiro clima de festival. Afinal, entre pulos, gritos e coros, pessoas eram vistas nos ombros das outras gesticulando, cantando de olhos fechados como em um completo frenesi. O mesmo, inclusive, se repetiu durante Shot At The Night.
Se é que é possível dizer, Somebody Told Me foi responsável por um dos importantes pontos altos da performance do The Killers. Afinal, nela o estádio inteiro cantou e comemorou sua performance com pulos, sorrisos tolos e olhares de satisfação que criaram outro perfeito clima de festa. Ao final, a alegria do público era tamanha que as palmas de agradecimento se alongaram por longos segundos.
Tendo Boy, a música composta para um dos filhos de Flowers, como a primeira faixa de respiro, a performance do grupo ainda teve diversos momentos memoráveis. O primeiro deles foi durante A Dustland Fairytale, pois por iniciativa própria, o público preencheu o estádio com luzes de celulares, entregando à performance da faixa um clima mais comovente de maneira a surpreender o próprio cantor.
Em For Reasons Unknown, o mesmo feito padrão de Billie Joe Armstrong é reproduzido por Flowers. Antes mesmo de seu início, o vocalista se posicionou na frente do palco e procurou por bateristas na plateia, a qual foi pincelada por alguns braços levantados no desespero de serem vistos pelo frontman. Foi então que Raphael, uma das pessoas posicionadas próximas ao palco, foi chamado para tocar a canção, deixando Ronnie Vannucci livre para atuar nas percussões.
Apesar de ter interação reduzida, All These Things That I’ve Done contou com importantes coros durante os versos de ponte. No seu encerramento, o quarteto deixou o palco enquanto as luzes se apagaram com apenas o telão, reproduzindo a imagem de um meteoro, se mantendo aceso.
Quando a imagem do telão é trocada para a de um céu estrelado, o grupo retornou ao palco e puxou a dançante e contagiante Spaceman, a primeira do bis. Contando também com Just Another Girl, a música escolhida para finalizar a performance do grupo de Las Vegas foi Mr. Brightside.
A faixa, inclusive, teve um efeito curioso: ela tirou o público da zona de conforto do cansaço arrancando, dele, somente o canto. Não houve gritos ou pulos como é esperado em uma música de encerramento, mas sim coros que, inclusive, foram pontuais durante sua execução. Ainda assim, conseguiu encerrar a performance em clima de festa.
Foi assim que o The Killers entregou um show animado, contagiante e festivo ao público do GP Week. Matou a saudade e a fome do grupo que há quatro anos não vinha ao Brasil e, principalmente, reviveu o início dos anos 2000 com sua mistura de indie rock e rock alternativo a partir de um corpo amplamente festivo.
Marcado por misturar o mainstream e o indie, passado e presente, melodias cruas e industriais, ousadia e timidez, o GP Week conseguiu sua missão de oferecer um alento de nove horas de música para um público ainda dolorido de um sufocante e recém-superado período eleitoral.
Trazendo indie, folk, rock alternativo, synth-pop, indie rock, stoner rock e emocore para um mesmo palco, o GP Week conseguiu agradar adolescentes, jovens e adultos com sua versatilidade de line up e um senso de liberdade notável em colocar uma banda nacional, uma banda desconhecida e uma banda eletrônica no mesmo palco de dois gigantes da música contemporânea.
No fim, ambas as cinco bandas alcançaram, às suas maneiras, seus objetivos de serem marcadas e por conquistarem tanto a atenção quanto a empatia do público. Claro que, nesse processo, houve destaques. A Fresno, por exemplo, mostrou maturidade e atemporalidade.
Já a The Band Camino, que chegou tímida, conseguiu, com educação e carisma, terminar o set com o público na mão. O Twenty One Pilots superou toda e qualquer expectativa com ousadia e atitudes inimagináveis, bem como ofereceu um som preciso e uma performance bem consistente.
O headliner The Killers matou a saudade do público e vice-versa com seu set de 20 músicas. Não desapontou, mesmo trazendo uma seleção de músicas ‘mais do mesmo’. Inegável, ao mesmo tempo, que ele entregou um show digno de aplausos e de satisfação. Ainda assim, é inquestionável que foi o Twenty One Pilots o astro da noite com seu máximo desprendimento e independência.