NOTA DO CRÍTICO
O dia na capital paulista era quente e seco. Próximo das 15h, a temperatura oscilava livremente entre 37 e 35ºC, deixando, no ar, uma sensação de abafado profundo. Ainda assim, a cidade se mantinha a todo o vapor, com trânsito carregado nas marginais e uma movimentação intensa nos arredores do Allianz Parque.
Naquele 06 de dezembro, o estádio estava preparado para começar a receber uma dobradinha de apresentações do Iron Maiden com companhia dos dinamarqueses do Volbeat. Na ocasião, a banda inglesa celebrava a penúltima data de sua The Future Past World Tour, sequência de shows com foco nas composições de Senjutsu, seu álbum, até então, mais recente.
Como prova da existência e da popularidade do evento, as ruas próximas ao estádio, já às 16h, momento da abertura dos portões, eram rodeadas por pessoas cujas vestimentas variavam de estampas do grupo headliner e outras de tons completamente pretos. A atmosfera estava tomada.
Não à toa que, além dos vendedores ambulantes fazendo o possível para esvaziar seus estoques de camisetas e copos com dizeres do show e do grupo inglês em específico, comércios como o Starbucks do Shopping Bourbon, atentos ao evento, tocavam, como som ambiente, músicas do Iron Maiden. A pura prova da atenção dos detalhes da cidade, ainda que se esquecendo do ato de abertura Volbeat, banda com respeitável notoriedade no país, graças às reproduções de suas faixas em rádios segmentadas, como a Kiss FM.
Às 18h15, o interior do Allianz Parque seguia com um preenchimento cuidadoso de seu espaço. Sob um céu cinza seguido de uma breve e fina garoa, mas sem disfarçar a sensação de calor abafado, cada setor, com especial menção à pista premium, adquiria considerável público, mesmo mantendo certos gargalos. Para distrair os presentes, Ronnie James Dio, com a sua Holy Diver, tocava nos autofalantes.
Com o céu inteiramente noturno e o estádio contando com a iluminação sintética como único instrumento de fornecer visibilidade, ambos os setores, às 19h01, já se encontravam bem preenchidos, mas ainda com gargalos. Ainda assim, o público presente se mostrava em evidente ansiedade e expectativa para com a entrada do Volbeat, o que aconteceria dali pouco menos de 10 minutos.
Às 19h04, o estádio entra em escuridão profunda e lança a imagem do logo do Volbeat nos telões junto a execução de uma canção sugestiva nos autofalantes, a Born To Raise Hell, do Motörhead. O show estava próximo e a adrenalina já se encontrava em seu extremo ápice.
Volbeat
Às 19h06, 10 minutos antes do horário programado pela organização, o Volbeat subia ao palco ao som de The Devil’s Bleeding Crown recebido por palmas no compasso da canção. Ainda que com som potente, a plateia, pouco depois da introdução, se mantinha em silêncio e em pose de admiração, respondendo bem aos comandos do vocalista Michael Schøn Poulsen.
Dali, a apresentação seguiu com Lola Montez e a explosiva Sad Man’s Tongue, mas foi em Black Rose que o show adquiriu seu primeiro ponto alto. Recebida de maneira ligeiramente mais enérgica, ainda que embebida em um comportamento entorpecido pelo público, Poulsen rompeu tal cenário puxando mais interações, as quais foram respondidas facilmente e de bom grado. Fallen, canção dedicada ao pai do vocalista e introduzida momentos mais tarde, seguiu o mesmo feito, com a adesão de palmas vívidas do público.
“We came from Denmark, and it’s a big honour to be here with that audience. So, let’s celebrate!”, disse Poulsen ao dar vida a Far Evigt, enquanto introduzia o baterista Jon Larsen, o baixista Kaspar Boye Larsen e o guitarrista solo Rob Caggiano. Tal performance foi o verdadeiro ápice da apresentação, com direito, inclusive, a um recorte do estádio iluminado somente pelas lanternas dos celulares.
Após a saideira Still Counting, às 20h06, o Volbeat deixava o palco ao som de palmas esparsas e brandas. Apesar do ânimo evidente do vocalista e da entrega dos músicos, o show foi marcado por um público responsável por dar, ao estádio, uma temperatura fluida entre o morno e o frio.
Ainda assim, com um tracklist de 12 músicas em uma exata duração de 1 hora, o show serviu para mostrar a excentricidade do som do Volbeat. Do rockabilly-boogie-woogie Wait A Minute My Girl ao metal-thrash metal Shotgun Blues, o grupo forneceu versatilidade, ainda que pouco apreciada pelos presentes.
Em sua primeira apresentação em São Paulo, o Volbeat ainda teve falhas na equalização, mesmo destacando a força e a potência de seu som. Ainda assim, o grupo dinamarquês deu seu recado e mostrou o motivo de ser um dos novos e grandes nomes da cena do rock mundial.
A poucos minutos do início da apresentação do headliner, o Allianz Parque se encontrava tomado por um público transparente e transbordando em ansiedade, expectativa e êxtase. Como resultado, foi entoado um uníssono ‘olê, olê, olê, olê, Maiden, Maiden’ para aquecer ainda mais o sangue dos presentes.
Iron Maiden
Pontualmente às 20h50, a introdução de recepção Doctor, Doctor, música do UFO, ecoou pelos autofalantes deixando o público atento e incorporado por um comportamento explosivo regido por pulos e gritos uníssonos. Um cenário de completa euforia se materializava.
No entanto, foi depois que Blade Runner (End Titles), música do Vangelis, sonorizou o ambiente, que o estádio foi ao chão. E isso se deu às 21h, ao som do apocalipse de uma plateia desgovernada entre a euforia e o tesão. Naquele momento, o Iron Maiden enfim subiu ao palco sob o aporte de Caught Somewhere In Time. Recebida de maneira visceral, a canção foi cantada de maneira uníssona durante grande parte de sua execução, com especial menção ao seu refrão.
Sob o compasso de palmas enérgicas sonorizadas pelos ‘heys’ entoados como gritos de ordem pelo público, Strange In A Strange Land era introduzida. Sua receptividade foi igualmente boa, com direito a cantos uníssonos e palmas em momentos específicos trazidas de maneira natural, sem a necessidade de estímulo. Faixa ainda foi a primeira a receber a presença ilustre de Eddie no palco em vestes de cowboy.
Surpreendentemente, Writing On The Wall, o primeiro single a ser divulgado de Senjutsu, teve uma recepção fora do comum. Assim que a guitarra entrou em cena, após a intro folk do violão, o público foi ao delírio de forma quase assustadora. Como prova de sua popularidade, a canção manteve boa participação do público durante toda a sua execução.
Days Of Future Past foi a faixa que mostrou um início de queda de energia por parte da plateia. Com receptividade visivelmente mais morna em relação àquelas das composições anteriores, ela evidenciou o começo de uma postura de admiração e contemplação assumida pelo público.
Marcando o início da temporada de canções clássicas do repertório do grupo, The Prisioner chegou logo depois de The Time Machine. Tal música foi, inclusive, a primeira em que Bruce Dickinson mostrou fraquezas em sua extensão vocal, dando ao público a chance de ajudá-lo nos momentos em que os versos pediam por uma voz mais aguda. Seguindo o mesmo caminho de nostalgia, Can I Play With Madness trouxe diversão e êxtase após a reflexão embebida em história fornecida por Death Of The Celts.
Heaven Can Wait, responsável por reascender de maneira mais intensa a energia do público, foi a penúltima, antes de Fear Of The Dark, a compor o time de clássicos antes do bis. Nesta segunda, foi o momento em que o público literalmente saiu de seu estado de torpor. Entre gritos uníssonos e mãos chifradas pairando pela atmosfera, tal performance foi repleta de pulos enérgicos que fizeram o chão do Allianz Parque, de fato, tremer.
Após a surpreendente execução de Iron Maiden, faixa-título do álbum de estreia do grupo, que contava, à época, com Paul Di’Anno nos vocais, no caminho da pausa para o bis, o baterista Nicko McBrain se posicionou no centro do palco e lançou para a plateia três pares de baqueta. Após a breve interação, o estádio escureceu.
Na penumbra, o Allianz Parque foi sonorizado por um coro de clemência pelo retorno do grupo ao palco. ‘Olê, olê, olê, olê, Maiden, Maiden’ era ouvido em alto e bom tom nos quatro cantos do estádio, até que, momentos mais tarde, o Iron Maiden retomava seu posto no palanque ao som da dramática Hell On Earth. Repleta de palmas orgânicas e súbitos de olas puxados por Dickinson, faixa contou com jatos de fogo que iluminaram fervorosamente o cenário, ampliando a dramaticidade da canção.
Ainda que The Prisioner, Heaven Can Wait e Fear Of The Dark tenham dado fôlego ao classicismo do repertório do grupo com evidente euforia, foi em The Trooper que a apresentação alcançou, de fato, seu primeiro ponto alto generalizado. Cantos, pulos e gritos foram produzidos como se por uma só pessoa. O estádio foi ao chão e a plateia a um delírio até então não vivenciado.
Wasted Years, a saideira, foi puxada pelas palmas e repleta de celulares ao alto na ânsia de capturar os melhores takes do momento. Contando com pulos, cantorias e pulos enérgicos, ela foi considerada o segundo ponto alto generalizado do show, o qual se encerrou pontualmente às 22h45, após pouco menos de 2 horas de duração. Antes de deixar o estádio, porém, Dickinson se posicionou no centro do palco e prometeu de que o Iron Maiden voltaria a São Paulo em sua turnê comemorativa de 50 anos de história.
Em retrospectiva, o show foi marcado por um tracklist audacioso por trazer mais canções provenientes de Senjutsu em relação às clássicas, deixando de lado hinos como The Number Of The Beast e Run To The Hills. Ainda assim, as faixas tidas como tradicionais foram aquelas responsáveis por fornecer alguns dos maiores picos de energia da apresentação por parte do público.
Provando e enaltecendo a sincronia entre os músicos, o show foi surpreendente por evidenciar o carisma e a consistência vocal de Dickinson, mesmo quando desafiado por versos mais exigentes, além de destacar o perfil firulento de Janick Gers. O guitarrista, além de descansar uma das pernas nas caixas de som, fez coreografias com o cabo da guitarra e, por diversas vezes, fez pose de armeiro apontado a ponta do braço de seu instrumento para a plateia.
Com três aparições de Eddie entre os atos do concerto, jatos de fogo durante a performance de Hell On Earth e três trocas de roupa de Dickinson, a performance teve um instrumental potente e bem alinhado, especialmente entre o time de cordas. Esse foi o contexto que fez, como já foi apontado, Senjutsu brilhar entre os álbuns compreendidos pela tracklist, sem se esquecer, no entanto, do passado. A verdadeira significância de ‘The Future Past Tour’.
Curiosamente, no que diz respeito à qualidade do som no geral, o mesmo não aconteceu durante performance do Volbeat. Mesmo com som audivelmente comprometido, porém, não houve danos permanentes que afetasse em demasia a primeira performance do grupo dinamarquês em São Paulo.
Em relação ao Iron Maiden, porém, a ocasião não foi a primeira e, também, não foi a última do grupo na cidade. O gosto de quero mais sempre fica no paladar depois de shows bem executados. Agora, mesmo com data extra em São Paulo, sendo ela a declarada última data da The Future Past World Tour, a expectativa de retorno da banda com sua turnê comemorativa de 50 anos já se mostra ativa e no aguardo de novas informações.