NOTA DO CRÍTICO
Pouco mais de um ano depois do anúncio de Rewind, Replay, Rebound, o Volbeat volta aos holofotes da indústria fonográfica para dar seguimento à sua discografia. Servant Of The Mind assume o posto de oitavo disco de estúdio do grupo e dá sequência, cinco anos depois, ao sucesso midiático que foi Seal The Deal & Let’s Boogie.
Como uma explosão sutil e sincopada, a bateria puxa a introdução oferecendo um movimento levemente acelerado. Sob uma levada alternativa, ela é logo acompanhada por um baixo de riff estridente que lança um tempero mais apimentado à receita em cocção. Com a entrada da guitarra, o que se tem é uma aspereza azeda que oferece uma amplitude de sabores no paladar. Essa conjuntura de elementos sonoros faz com que a melodia seja intrigante, envolvente, cativante ao mesmo tempo em que gera uma expectativa envolta em um suspense estranhamente excitante. É então que Michael Poulsen completa os ingredientes sonoros com seu vocal metálico de timbre inconfundível. O curioso em Temple Of Ekur é como a estrutura rítmico-melódica consegue construir uma ambiência cenográfica árabe capaz de transportar o ouvinte imageticamente para esse local. De melodia macia e contagiante, o refrão tem a pressão típica do Volbeat e concretiza um lirismo que aborda o templo de Ekur, versão suméria do Monte Olimpo. É um enredo que fala de fé e na confiança de uma força transcendental que guia e protege os cidadãos.
O relógio tiquetateia. Ao badalar, vem um suspense gélido que logo é soprado com a entrada de uníssona de uma melodia alegre e contagiante. Nos moldes mesclados de um hard rock e rockabilly, a harmonia de imediato é preenchida pela voz de timbre tão singular de Poulsen, quem traz um lirismo que transpira jovialidade, paixão e desejo. Com direito a um instrumental de piano e saxofone, Wait A Minute My Girl recebe o alvorecer de um dia de verão que imerge em uma temática mista de blues e boogie-woogie.
Existe um azedume sombrio que paira pelo ambiente oferecendo calafrios repentinos a partir do riff da guitarra de Rob Caggiano. Os golpes na cúpula do prato de condução amplificam essa sensação desconfortavelmente imprevisível e insegura. Quando o tilintar gótico do sino é soado, a guitarra assume uma roupagem sutilmente suja, mas ao mesmo tempo áspera. Eis que ao golpear duplamente o bumbo, a bateria introduz um instrumental de caráter épico-sombrio de uma agressividade latente. Curiosamente, enquanto Temple Of Ekur se mostra como a descrição de um porto seguro onde pode se encontrar apoio na fé, The Sacred Stone traz um enredo obscuro de ausência da fé que descreve o demônio como sendo o responsável por recolher as almas. A faixa é, portanto, um ponto de vista negativo e sombrio da morte.
Raiva, brutalidade, aspereza. Esse trio de características traz consigo uma ambiência obscura que muito foge daquela alegria ensolarada exortada em Wait A Minute My Girl. Nos moldes do thrash metal, as guitarras soam distorcidas em tons graves, a bateria de Jon Larsen vem precisa com grooves propositalmente sujos e o baixo de Kaspar Boye Larsen surge encorpado, mas com uma pressão densa e ríspida. Por essas razões, o ouvinte consegue notar uma influência gritante do Metallica na melodia desenhada em Shotgun Blues. O que acompanha essa densidade sonora é um lirismo que dialoga com seres de outra dimensão, espíritos que se veem perdidos e vagam pela Terra sem destino. Oferecendo chances de salvação, tranquilidade e até mesmo apoio para seguir o caminho da continuidade a partir da fé, Shotgun Blues tem uma atmosfera assombrada que beira o thrash, mas que em verdade relata o que muitos chamam de eventos envolvendo almas penadas.
Assim como em Temple Of Ekur a guitarra solo surge com um riff azedo. Com o sobressalto da guitarra base trazendo uma sonoridade repentina de um misto de doçura e azedume, ambas as guitarras se unem em um uníssono de sabor homogeneamente amargo. De uma agressividade controlada, a melodia em construção é moldada sob uma roupagem que beira o thrash metal e suas variantes, mesmo que sua cadência seja alternativa. De interpretação lírica medonha, Poulsen traz consigo um enredo que cheira a manipulação cuja intenção é instaurar um levante. Apesar de seus primeiros versos trazerem palavras de incentivo e subestimação, The Devil Rages On trata exatamente da arte do ludibriar os indecisos, os inseguros e os desamparados. A arte política de atrair eleitores a partir de discursos belos e vazios de ações. Uma crítica ao abuso para com a ingenuidade.
De riff metalizado e trotante, a guitarra vem trazendo um céu nublado com clarões repentinos. Ao soar aberto e sujo do chimbal acompanhado de golpes precisos nos tons, uma brutalidade começa a emergir. Sob a luz do thrash metal que molda a segunda metade da introdução, Say No More transita, a partir do relampejar da guitarra, para um ritmo acelerado, cadenciado e cativante nas métricas do metal que seguem ao lado de um lirismo que oferece uma nova perspectiva da morte. Aqui ela é trazida somente como um rito de passagem, um momento súbito em que os ambientes mudam e as experiências se renovam. O que mais chama a atenção em Say No More é o quanto que a melodia executada pela guitarra solo coopera para a construção de uma sonoridade cativante apesar de metalizada.
J. Larsen oferece um groove típico e cadenciado do Volbeat. Em uma acelerada levada em 4x4, é ele quem dita o movimento melódico da canção, o qual acaba se mostrando macio e contagiante. Porém, essa maciez serve apenas para embalar o ouvinte para algo que é acompanhado do azedume que está se mostrando uma marca importante da sonoridade de Servant Of The Mind. Logo recebida por Poulsen, Heaven’s Descent é uma canção que mistura elementos mitológicos em mais um enredo lírico sombrio de foco na morte e com pinceladas de menções ás crenças católicas, como é o caso das almas penadas. Surpreendentemente, o refrão se apresenta com uma estética melódica didaticamente macia, colorida e alegre. De outro lado, Heaven’s Descent ainda apresenta flertes com o pop punk e o groove metal.
Logo de início, a guitarra traz um riff aveludado que já transmite arrepios melancólicos no ouvinte assim como fez em faixas de trabalhos anteriores do quarteto como Let It Burn e You Will Know. É como o Sol poente em um dia de verão. É como o vento esbarrando por entre as pétalas das flores espalhando seus perfumes. É como uma brisa morna acariciando o rosto. Essa tranquilidade de melancolia nostalgicamente reconfortante é o que recebe o ouvinte na introdução de Dagen Før. Dando ainda mais vazão a esses sentimentos, a faixa é estruturada de igual maneira à de For Evigt, pois traz um músico dinamarquês para interpretar o refrão. E no caso de Dagen Før, a escolha recaiu sob Stine Bramsen. Essa somatória de elementos se encaixam com o lirismo de mensagem construtivista e esperançosa em que a narrativa destrincha mensagens de amor, gratidão, paciência e resiliência.
Se em Heaven’s Descent havia flertes de pop punk, em The Passenger ele faz parte da receita. Presente logo na cadência da introdução, cuja guitarra vem com uma distorção aguda e sutilmente áspera típica do subgênero, essa vertente do punk divide espaço com seu irmão hardcore trazido especialmente pelo groove da bateria. Mesmo sutil, ele pode ser notado como parte dos ingredientes que moldam um prato de sabores repletos de swing, alegria e uma maciez atraente que banha o refrão. The Passenger surge como um respiro ao bruto, à agressão e à raiva empregados nas canções anteriores em virtude do thrash metal e assume a reconfortante e bela função de ser um importante single de Servant Of The Mind. Afinal, sua letra leve e traz uma celebração pela vida, pela jovialidade, mas principalmente, um lirismo que foge do denso e do sombrio.
A união das guitarras com a bateria traz um suspense intrigantemente excitante. Ao fundo, o baixo surge entregando um groove encorpado e linear que favorece a cadência rítmica. Com versos de sonoridade tímida e protagonismo vocal, Step Into The Light é uma canção que, assim como The Passenger, é contagiantemente macia, mas com potencial de single lado b. Sua letra evoca um enredo avaliativo sobre as verdadeiras intenções dos atos. Sob a ótica bélica, existem metáforas à política, ao exercito e à religião na busca de uma conclusão sobre a luta pela evolução e pela honra.
Ainda mais ríspida que Shotgun Blues, a introdução de Becoming traz consigo uma rapidez e um azedume que colocam sua melodia dentro do universo do death metal. No entanto, a segunda parte introdutória vem com mais groove e uma sonoridade mais digestiva apesar de ser agressiva e com elementos distorcidos que contam, inclusive, com o pedal duplo tão característico da sonoridade do Volbeat. Contraditoriamente à densidade melódica, a canção traz um lirismo cheio de versos de mensagens estimulantes e animadoras que funcionam como o apoio de um ombro amigo. Becoming tem em sua essência, portanto, o intuito de ser uma homenagem ao saudoso vocalista dos grupos Estombed e Estombed AD Lars-Göran.
A melodia é metalizada e melódica ao trazer uma pressão áspera. Ao mesmo tempo, existe uma semelhança rítmica com a estrutura sonora construída em Wherever I May Roam, single do Metallica. Com toques a mais de groove que deixam a cadência mais contagiante, Mindlock é uma canção que mistura swing, pressão e construtivismo. Afinal, enquanto a sonoridade tem uma metalização amaciada pelo groove e pelo swing, o lirismo é uma mensagem para que as pessoas, nas palavras do próprio Poulsen, “be the kind who leaves a mark and not a scar”. É uma música que aborda a importância da mente na ação da memória dos que já se foram. Mas mais do que isso, é uma faixa que fala sobre ser lembrado positivamente.
A guitarra faz ecoar dedilhares de uma sonoridade entorpecidamente agressiva. É com a entrada da guitarra solo que essa agressão se faz presente e se evidencia. Com um groove metalizado na métrica de um heavy metal soturno, a canção evolui para um primeiro verso cadenciado e contagiante guiado por um uníssono linear da dupla guitarra-bateria. Com direito a um solo melódico e enérgico, Lasse’s Birgitta é uma canção que usa a metáfora do misticismo, da morbidez e da morte para falar de ressurreição e renascimento.
Começando a sequência de músicas da versão deluxe de Servant Of The Mind vem Return To None, uma faixa que já amanhece com golpes precisos da bateria e que, ao se unir com a guitarra, comunica que algo metalizado irá nascer. De riffs azedos, as guitarras se unem a uma bateria explosiva na segunda parte da introdução construindo uma levada perigosamente contagiante. Flertando com o metalcore, Return To None retoma a pegada thrash metal que molda o álbum de maneira a unir, inclusive, elementos do metal. Dando contornos líricos está um enredo que trata do ciclo da vida de maneira a comunicar que, se viemos do nada, voltaremos ao nada. É uma boa adaptação da versão original composta pelo Wolfbrigade.
Aparecendo com uma cadência lírica diferenciada e semelhante à adotada por David Byrne em Psycho Killer, single do Talking Heads, Poulsen introduz o ouvinte a uma narrativa que prende pelo enredo cômico que beira a fofoca. Misturando elementos do blues rock e do rockabilly, Domino fala da chegada de um homem atraente e bem de vida à cidade. Cômica e swingada, Domino é um single extra que exorta leveza por trazer diversão e arrancar sorrisos espontâneos do ouvinte. Uma boa releitura desya que é uma obra composta em conjunto por Roy Orbison e Norman Petty.
Eis que o Volbeat surge com uma nova versão de seu mais potente single, Shotgun Blues. No entanto, agora Michael Poulsen fica responsável apenas pelo pré-refrão e refrão enquanto todo o restante da canção é abraçado por um vocal rouco, gutural e de timbre rasgado que lembra vagamente a voz de Lemmy Kilmister, saudoso vocalista do Motörhead. É Dave Matrise, cantor do grupo de death metal estadunidense Jungle Riot, entregando um tempero mais apimentado à sonoridade bruta da faixa.
A ensolarada Dagen Før foi a outra faixa do disco escolhida para receber outra roupagem. Agora, não há a divisão de canto entre Poulsen e Stine Bramsen. A grande diferença é que Poulsen faz as duas funções e transforma a canção em uma doçura contagiante e, talvez, até mesmo mais sensitiva e melódica.
Em homenagem aos 30 anos do Black Album, disco icônico do Metallica, o Volbeat escolheu dar a sua versão da faixa Don’t Tread On Me. É intrigante e impressionante a forma como o quarteto dinamarquês transformou a faixa em algo que soe e pareça de fato ser composto pelo grupo. Isso é tão evidente que a base rítmica metalizada e swingada da faixa acaba tendo um grande parentesco com a melodia de The Devil’s Bleeding Crown, single da banda de Copenhage.
Metalizado, groovado, obscuro e ao mesmo tempo alegre, leve e contagiante. Este é Servant Of The Mind, um disco imerso em uma temática rítmica mais densa que, combinada a lirismos de inclinações obscuras, faz com que o resultado final tenha como primeira imagem o sombrio.
No entanto, apesar dessa obscuridade motivada pela agressividade, aspereza e azedume provenientes do thrash metal, o disco possui trunfos rítmicos que fazem com que o ouvinte fuja desse ambiente grotesco. Por transitarem através de subgêneros mais leves e contagiantes como o rockabilly, boogie-woogie, hard rock e até mesmo o groove metal, as faixas como Wait A Minute My Girl, Dagen Før, The Passenger e Step Into The Light executam bem essa tarefa de apaziguar e simplesmente entreter o ouvinte.
Ainda assim, é inegável que Servant Of The Mind é um disco majoritariamente thrash metal. Por outro lado, esse mesmo thrash metal é intensamente acompanhado por uma base rítmica groove metal, o subgênero típico da sonoridade do Volbeat. E para fazer isso acontecer, muito se deve à atuação do baterista de Jon Larsen, o responsável por trazer a cadência tão própria dessa vertente do metal.
Na parte visual, a arte de capa de Servant Of The Mind é a melhor tradução do título do álbum. Afinal, ao trazer um homem de aparência típica dos anos 50 tirando uma máscara idêntica ao próprio rosto o grupo já comunica a sua mensagem de que as pessoas são servidoras da própria mente.
Lançado em 03 de novembro de 2021 via Republic Records, Servant Of The Mind é um disco voraz que acrescenta o thrash metal ao groove metal que fez o nome do Volbeat. Ao mesmo tempo, é um disco de doçuras contagiantes e covers de felizes adaptações que divertem o ouvinte.