NOTA DO CRÍTICO
Na última semana do mês que dá início ao segundo semestre do ano um novo nome chega à praça. Vindo do Espírito Santo, Vitu se anuncia no mercado da música brasileira com Despedida, seu EP de estreia. Trabalho é o fruto maduro de Deixa Sossegar, clipe divulgado em 2020.
É como olhar para o horizonte e, apenas com a brisa do vento, conseguir viajar no tempo. O passado e o presente se confundem com a expectativa de um futuro diferente, incerto, vulnerável. Nesse ínterim nostálgico-melancólico, uma voz rouca, mas com doçura quase ingênua, entra em cena como uma valsa reconfortante. É Vitu trazendo um vocal singelo que impressiona pela sensibilidade, pela maciez e pela delicadeza com que vai introduzindo um lirismo reflexivo sobre as transformações sociais, o tempo e como a rotina foi bruscamente reconfigurada para um novo e impositivo contexto. Com uma harmonia floral e arrepiante em seu minimalismo rítmico, Nada É Mais Como Era Antes não necessariamente emana a tristeza, afinal, ela traz um olhar sobre a valorização das pequenas coisas em meio à textura do veludo sendo balançado pelo vento ou como o olhar saudoso e brilhante pelo acúmulo de lágrimas ao rever alguém que há muito estava distante. Nada É Mais Como Era Antes ensina a agradecer pelo que se tem e agarrar a ele com força para não mais se esquecer do que é bom.
Um ruído branco dá passagem para um violão igualmente suave que aquele presente na canção anterior. Nesse caminho, a interpretação lírica também surge em sussurro, delicada e sutil. Melancólica principalmente pelo sobrevoo choroso e gélido do teclado de Thaysa Pizzolato, a faixa-título é o reviver da plenitude de espírito, de uma sensação de paz contagiante e sorridente. Ao som de violinos entristecidos e um backing vocal que, trazido por Jackson Pinheiro, introduz tamanha singeleza quanto a do vocal de Vitu, a faixa-título é a sonorização romântica da sede do reencontro, do tato, e de um breve momento amorfinado que proporciona a fuga dos problemas externos.
Curiosamente, o violão surge com um movimento diferenciado daquele presente nas canções anteriores. Não há felicidade e sorrisos frouxos, é verdade, mas há uma espécie de sensualidade que suaviza a tristeza endêmica que emanou de Despedida até então. Portão é um romance nostálgico, de raízes bucólicas e de cenografias retros que convidam o ouvinte a vivenciar experiências antigas de declarações de afeto e de atitudes que perderam seu valor com o passar dos anos. Entre sobreposições adocicadas do violão, Portão dialoga sobre o aproveitar o presente e se permitir sentir.
A MPB atinge a máxima maturação diante da presente introdução. Curiosamente, a maciez e delicadeza com que o violão se movimenta cria um grande parentesco com as linhas melódicas executadas por Thiago Castanho em Céu Azul, single do Charlie Brown Jr..Nosso Tempo, como o próprio nome sugere, reflete sobre o passado e o presente, sobre sentimentos não experienciados com frequência e que, agora, fazem parte da rotina social. Com harmonia floral tão emocional quanto aquela de Nada É Mais Como Era Antes, Nosso Tempo é uma canção em que o eu-lírico se agarra às memórias de um passado bom para fugir do caos do presente. Uma canção dramática que saúda a simplicidade do ontem e questiona as autocobranças, e a falta de valor do tempo.
A tarefa mais difícil de se fazer é ouvir Despedida sem ficar com os olhos marejados. Sem ter recordações involuntárias. Sem se emocionar. Sem sentir. Sem chorar as memórias dos dias que não mais voltarão. Afinal, o EP é a sonorização fidedigna do blend entre nostalgia e melancolia. Um produto que reverencia o passado e que sonha o futuro.
O mais interessante é que Vitu fez com menos o que muitos fazem com mais. Com instrumentação mínima, o capixaba conseguiu fazer com que o ouvinte se deleitasse em suas próprias e reconfortantes memórias afetivas. Fez com que ele se sentisse pertencente aos lirismos. Fez com que se sentisse representado de maneira tão intensa que qualquer palavra seria desnecessária para descrever o quão forte foi o elo criado entre realidade e música.
Dando voz à nova MPB, que vem sendo sedimentada por nomes como Cícero, Jão, A Transe e RAYA, Vitu, com auxílio da mixagem de Pinheiro, fez de Despedida um EP nostálgico e melancólico cujas principais mensagens são a valorização e agradecimento. Valorização e agradecimento pelo que foi vivido, pelo que se tem, pelo passado e pelo presente.
Fechando o escopo técnico do EP vem a arte de capa. Assinada por Luiza Grillo e Vitu Locatelli, ela traz, pelos tons retros que adota, singela semelhança com o trabalho que Laura Fragoso fez na capa de Tô. Além disso, a obra entre Luiza e Locatelli cheira a bucolismo ao mesmo tempo em que se perde entre os caminhos da memória. A solidão é, hoje, o principal caminho para que sentimentos negativistas assumam o caráter emocional do indivíduo, mas quando se tem consciência de sua paz interior e um estado de espírito grato, qualquer ambiente e situação é sinônimo de sorriso. E é isso o que mostra a referida capa: a companhia consigo mesmo é o maior caminho para o saudosismo e também à construção imagética de um futuro repleto de positividade.
Lançado em 25 de julho de 2022 de maneira independente, Despedida é um EP que chora a forma como a sociedade teve de ser transformada. Lamenta a imposição e a impotência perante os últimos acontecimentos. Mas se emociona pelas pequenas coisas. É um produto que devolve o valor de um abraço, que se arrepia com um beijo e que sorri agradecido pelo passado ao mesmo tempo em que, alegremente, aguarda a chegada do futuro.