Pile Of Corpses - For Sex, For Violence, For Alcohol

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O ano era 2014. Naquele período, o Brasil vivia os preparativos tanto para a Copa do Mundo quanto para as Olimpíadas que seriam sediadas no Rio de Janeiro. Foi também naquele momento que nasceu Pile Of Corpses ou POC que, com For Sex, For Violence, For Alcohol, seu álbum de estreia, inovou ao entregar um formato sonoro fora do comum.


Na primeira parte do álbum, intitulada Extreme Masturbation, o ouvinte é recebido com um diálogo e um cenário, no mínimo, acalorado. Homem e mulher trocam meias palavras de cunho provocativo enquanto se encontram em pleno ato sexual. Foreplay é, simplesmente, um interlúdio que já mostra com nitidez o que se pode esperar do quarteto paulistano.


Uma bateria invade o cenário com frases quebradas enquanto uma sobreposição de guitarras se divide entre gritos agudos de um prazer extasiado e um grave soturno na base melódica. É então que um grito áspero rompe a brutalidade com agressividade. Com notável influência de nomes como Megadeth e Metallica, a faixa tem seu verdadeiro despertar a partir de um urro rápido e gutural. É nesse momento que a melodia apresenta um misto de thrash e death metal cuja bateria de Pinguim constrói uma base acelerada de maneira a recriar o típico sonar de metralhadora. Mas é de fato no verso melódico seguinte, quando a velocidade aumenta consideravelmente e um azedume domina o ambiente, que Gore Sex tem seu verdadeiro despertar. De vocal rasgado e gutural, Alba introduz o ouvinte a um enredo sexualmente cômico que mistura violência, um tema abrangente na linguagem death, e sexo sob uma ótica de pleno
deboche.


Se Gore Sex teve uma estrutura quase educativa sobre a degustação do death metal com suas subdivisões bem marcadas e de gradativa agressividade, Drowned In Cum faz o oposto ao apresentar, desde seu primeiro sonar, uma aspereza violentamente gritante. Demasiadamente acelerada e azeda, entre uma guitarra de riff grave e uma bateria de ligeira desaceleração rítmica, o enredo vai se mostrando tão imagético quanto o primeiro. Contudo, ao contrário de Gore Sex, Drowned In Cum mistura orgia e sexo oral com a mesma zoeira presente na faixa anterior. 


Vozes são ouvidas ao fundo enquanto que, em primeiro plano, uma sonoridade ácida ao estilo new wave sugere um ambiente de danceteria. Enquanto um diálogo descompromissado entre homem e mulher se inicia, a guitarra de JP vem surgindo com riffs súbitos e rasgados que rompem com o torpor dançante. É aí que um instrumental bruto, áspero, mas não tão acelerado que torna possível a nítida audição até mesmo do baixo de Chefe em seus dedilhares graves, se instaura para dar início ao enredo lírico. Diferente das canções anteriores, não há comédia. Não há risos. Não há sorrisos frouxos. Afinal, The Hymen Collector traz um lirismo que parece relatar a forma como age um predador sexual. É quase como um alerta, uma crítica, um auxílio à saúde pública. Ao mesmo tempo, é uma canção que evidencia impunidade e o cinismo com que alguns homens ludibriam as mulheres para atingir seus objetivos chulos de puro prazer unilateral.


Áspera, metalizada, mas curiosamente mais melódica que as demais interpretações, a guitarra surge com uma degustação mais digerível com sua levada thrash. A bateria, ao fundo, vem oca, suja e produzindo uma base sonora de garagem que, unida aos golpes pontuais e graves do baixo, leva o ouvinte para um azedume mais suave e um embrionário death metal pronunciado pelo lento efeito de metranca executado por Pinguim. Quando o vocal gutural, rouco e grave de Alba entra em cena, o riso frouxo e uma pitada de vergonha se tornam inevitáveis. Afinal, com extremo humor, Masturbation Of The Wicked é. nada mais nada menos, que uma canção que traz a masturbação como arte. Uma arte estimulada pelos vídeos pornôs e pela imaginação. 


Rápida, áspera e seguindo a melodia do thrash metal, a nova cenografia surpreende por ser guiada por um vocal em português. Ironizando a icônica fala de Paulo Maluf em sua candidatura á presidência da República em 1989, Estupra Mas Não Mata é uma canção crítica a violência sexual e representa parte da dor sentida pelas vítimas de estupro. Interessante é perceber que, na faixa, influências de Sex Pistols e Ramones estão misturadas na melodia, o que a torna uma espécie de pop punk metalizado.


Ao som de rasantes de aviões, tiros e gritaria, a Extreme Violence, a parte II de For Sex, For Violence, For Alcohol tem seu despertar. Bruto, grave e sombrio, o sonar instrumental já evidencia uma roupagem mais densa e séria. Guiada por uma base de intensos e incessantes golpes no bumbo, Hail War é uma canção que, na companhia do backing vocal de Leandro Cirrosi aposenta o lado cômico e bem-humorado para trazer um ponto de vista gélido, mórbido e até mesmo romanceado sobre a guerra. Afinal, aqui o Pile Of Corpses não apenas vê no conflito bélico a única forma de salvar o mundo, mas traz um desejo explícito de rechaçar a hipocrisia e a manipulação religiosa, bem como um senso de falsidade quase institucionalizado na sociedade. Hail War é uma canção que funciona até mesmo como uma viagem no tempo por retratar, inclusive, o início da ascensão da conectividade, dos trabalhos envolvendo network e da geração Geek.


O baixo grave e encorpado puxa a introdução, uma estrutura que logo se mostra agressiva e ríspida. Mesmo com a equalização proporcionando um sonar baixo que abafa a força rítmica, Cut The Liver não deixa de ser uma música potente que traz a excitação pela dor, pela violência e por sangue. Tudo regido pela mescla de thrash metal e pelo puro metal em uma cadência acelerada.


Desde seu primeiro respiro, Devouring The Pork oferece aceleração, distorção e uma pitada de caos. Com influências de Slayer e até mesmo Judas Priest, a faixa traz um thrash metal sínico e quase manipulador. Assim como Cut The Liver mostrou clara excitação pelo sangue e violência, em Devouring The Pork a sensualidade existe de forma igualmente pitoresca no que tange o consumo de carne. Aqui, a experiência é colocada quase como uma espécie de ritual febril e satânico.


Potente, violenta, azeda. Bruta, extravagante e inquieta. Impaciente e impulsiva. Sob a melodia do thrash metal, Smashed In The Thrash Truck é uma canção que emana um senso desmedido de poder, de superioridade e de submissão. Uma música que traz um personagem emocionalmente ferido em seus sentimentos de pertencimento e de reconhecimento que acaba se utilizando dessas lacunas emocionais como força para se vingar delas mesmas com outras pessoas. A necessidade do ser ouvido, do pertencer, e do ser notado é um dos legados de uma sociedade personalista e egoísta, que opta por conscientemente esquecer do outro em prol de sua própria ascensão. 


Pile Of Corpses conseguiu, com For Sex, For Violence, For Alcohol o que muitos têm vontade de fazer, mas poucos conseguem: unir humor e melodias mais intensas vindas dos campos sombrios do rock. Um álbum que é marcado pelo escrachismo e pelo deboche, mas que também consegue assumir posturas de súbita maturidade.


Dividido em duas partes, o álbum dialoga sobre questões de cunho puramente sexual enquanto, em outro momento, evidencia uma morbidez sanguinária que dá voz aos momentos mais introspectivos e críticos do álbum. E nesse ponto, os principais momentos são Hail War e Smashed In The Thrash Truck.


Com mixagem crua e heterogênea,  For Sex, For Violence, For Alcohol transita entre canções com muito e audível punch e outras que a força melódica foi ofuscada. Ainda assim, mostra bem a selvageria com que o Pile Of Corpses quer ser lembrado pelo público lado b que alcançou por meio de sua mistura de death metal, thrash metal e metal.


Completando a completa bizarrice que compõe o álbum de estreia, a arte de capa assinada por Paulo Yamashiro atinge o ápice da estranheza. Com bom gráfico e um desenho de boa qualidade, a obra traz a imagem de um cômodo bagunçado e repleto de utensílios que conotam a violência. Mas o que impressiona é a figura central. Um homem obeso, vestido de Papai Noel dormindo com a faca em uma mão e uma garrafa de bebida na outra tem seu órgão genital ereto encoberto pela touca e uma boneca loco afrente da poltrona. Ou seja, uma arte que traz violência, sexo, alcoolismo e menções à pedofilia. 


Lançado em 22 de fevereiro de 2014 de maneira independente, For Sex, For Violence, For Alcohol é um disco cômico, sexual, embriagante e violento. Sede por sangue, amplo apetite sexual e críticas sociais dominam boa parte da obra. Mas não se engane. Apesar de bizarro e absurdo, tudo que o Pile Of Corpses imprime é um senso imaturo, juvenil e hilariante para um campo do rock regido pela extrema rigidez. E é isso o que torna o álbum um produto único, mesmo com seus defeitos.












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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.