NOTA DO CRÍTICO
Pouco menos de um ano após se lançar aos mercados fonográfico e musical mundiais com Eternal Blue, seu álbum de estreia, o Spiritbox agora apresenta seu terceiro EP da carreira. Intitulado Rotoscope, ele se vende como um produto imerso em tons industriais.
Sons atordoantes amanhecem um amolecido senso de alerta. Enquanto isso, subgraves vão desenhando seus movimentos em forma de uma marola de um quase ruído branco, o quer promove a mista sensação de torpor, embriaguez e opacidade. Sem demora, um vocal de agudez gélida e sussurrante imerge na esfera melódica. É Courtney LaPlante introduzindo uma sensualidade quase gótica e de feição provocantemente inexpressiva. Conforme a guitarra de Mike Stringer vai sendo introduzida com rompantes de uma rispidez que rompe a doma de acrílico que contorna o cenário sombrio da canção, profundidades de um nu metal semelhante ao de nomes como Hollywood Undead e de um metal alternativo que flerta com a estética sonora de bandas como Halestorm são percebidas entre as linhas melódicas. Nesse ínterim, a bateria de Zev Rosenberg entra dando mais pressão e potência à atmosfera obscura e quase mórbida da faixa-título. De refrão caoticamente contagiante, a canção é o retrato de uma vida melancólica e entristecida cujo maior companheirismo foi com dores e questões que puxam o indivíduo para o mais profundo lamentar. Assim, a frieza se instaura e, nem mesmo as lágrimas são capazes de amolecer os sentimentos. No entanto, o próprio personagem lírico dá sinais de possibilidades de redenção, possibilidades essas que estão endereçadas a uma única figura que, em momentos parece imagética, em outros parece real e distante.
Um som agudo acompanhado de um tom industrial e hipnótico puxa uma introdução de groove grave intensamente marcante. Sombria e ondulante, a melodia desperta um curioso senso de insegurança e tensão enquanto Courtney surge com um vocal visivelmente contraído e controlado que parece estar impregnado de uma vontade insana de gritar e extravasar a angústia que domina seu interior. É verdade também que, entre uma base rítmica exageradamente grave, tal interpretação vocal também sugere pitadas de torpor que escondem tal rincha emocional. Shew Me Up é uma canção de cunho mórbido e sanguinário que retrata uma relação que mistura a melancolia, o ódio exacerbado e um metafórico dialogar da censura das palavras que traduzem sentimentos conflitantes de uma insatisfação que incomoda os acomodados e atrapalha aqueles de comportamentos robotizados.
Através de um groove levemente acelerado e compassado em 4x4, a bateria recebe uma guitarra de riff grave que a auxilia a criar uma pressão rítmica em processo de despertar, mas já com evidente peso. Fluindo para um refrão de energia dramática, Hysteria é composta por um constante torpor que contagia o ouvinte através de sua temperatura gélida e estranhamente reconfortante. Curiosamente, a faixa possui um lirismo que dialoga com o senso de culpa, arrependimento e da extrema delicadeza com que os laços sociais se formam na vida do eu-lírico. Ainda assim, Hysteria é uma canção de estrutura rítmica que compra a atenção do ouvinte por ter uma levada mais digerível e estranhamente animada.
É bom não se enganar. O que Spiritbox fez em Rotoscope foi dar mais peso e consistência à nova onda de bandas que se emaranham por um campo mais sombrio e denso do rock. Afinal, o novo EP oferece uma fusão de subgêneros que exalam um curioso senso de tristeza e embriaguez que consegue contagiar o ouvinte com sua morbidez.
Nesse ínterim, o trio canadense, com singelos seis anos de vida, se mostra como a sonorização da personalidade de Wandinha, personagem icônico de A Família Addams. Afinal, sua sonorização, apesar de sombria, densa, cheia de pressão e às vezes rude e brutal, guarda uma doçura incubada que se pronuncia por meio de rachaduras na crosta de melancolia.
É aí que o Spiritbox entra trazendo frescor ao cenário do rock global. Em Rotoscope, o ouvinte consegue notar facilmente a fusão de subgêneros como nu metal, metal gótico, metal alternativo e até mesmo lampejos de hard rock. Nessa mescla de estilos é que os canadenses evidenciam uma série de influências notáveis que transitam entre Slipknot, Hollywood Undead, Rage Against The Machine, Evanescence, Disturbed, The Pretty Reckless, Halestorm e até mesmo Scott Stapp.
Sob a mixagem de nomes como Daniel Braunstein, Jens Bogren, Sam Madill e Zach Tuch, Rotoscope soou mórbido, melancólico, sombrio e denso de maneira a trazer uma maturidade em seu ambiente soturno que muito destoa com a pouca idade do trio canadense.
Por fim, ficou à cargo de Braustein e Mike Stringer a tarefa de sintetizar a sensibilidade funesta dos mixadores em uma produção que encarnasse todo o torpor que exala da sonoridade presente no EP. A tarefa em questão foi feita com maestria, de maneira a transmitir até mesmo um senso de liberdade criativa.
Lançado em 22 de junho de 2022 via Rise Records, Rotoscope é um EP que traz um estranho senso de conforto em meio ao limbo do submundo. É um trabalho que mistura melancolia e torpor com pressão, densidade e uma sonoridade industrial. Um extended play que oferece a tristeza em forma de um doce irresistivelmente conformado.