Halestorm - Back From The Dead

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Com o maior intervalo de tempo entre lançamentos, o Halestorm enfim traz ao mundo, quatro anos após o anúncio de Vicious, seu quinto álbum de estúdio. Intitulado Back From The Dead, o disco teve produção iniciada três meses antes do início da pandemia do Coronavírus.


O submundo estremece. Um clarão surge das profundezas da escuridão. Explosões rompem o silêncio incômodo e, em seguida, um grito regido por uma raiva acumulada ecoa pelo ambiente. “I’m back from the dead”, anuncia Lzzy Hale de forma vociferante. Um hard rock metalizado misturado ao melódico metal alternativo então se forma de maneira a acompanhar homogeneamente a ferocidade da interpretação lírica. Trazendo familiaridades com melodias construídas por bandas como Shinedown e Alter Bridge a partir da sinergia entre as guitarras de Hale e Joe Hottinger, bem como pela pressão exercida pela bateria de Arejay Hale, a faixa-título possui um tema lírico intenso que circunda a força, a perseverança, a resistência e a persistência em não se deixar abater pelo enganoso conforto dos pensamentos e ideias depreciativos. Não por acaso, ‘back from the dead’ significa exatamente o ato de se desvencilhar do negativismo e da escuridão para deixar a luz agir sobre o indivíduo e deixá-la governar o destino. Forte, imponente e contagiante e potente, a faixa-título também evidencia a fome, a ânsia e a energia acumuladas durante o isolamento e evidenciam a existência do intacto sincronismo dos músicos do Halestorm.


Assim como em na faixa-título, a todos os pulmões Lzzy surge como se estivesse explodindo em declarações recém-descobertas e impossíveis de serem mudadas. É como uma confissão. Sob a mesma estrutura da faixa anterior, explosões brutais entre a dupla de guitarras e a bateria amplificam a atmosfera impositiva criada a partir da melodia introdutória. As notas aveludadas e sofridas ouvidas na camada sonora secundária vêm de um sintetizador que acaba imputando uma dramaticidade que, curiosamente, sugere a intenção de ser o meio de campo entre os ímpetos instintivos e socialmente tidos como maléficos e a suavidade traduzida na sensibilidade humana. É como a outra face do indivíduo. Wicked Ways é uma canção que, transitando livremente entre o metal alternativo e as tênues divisas do metal e do hard rock, aborda de fato a relação dos dois lados de um indivíduo: o santo e o demônio e, ao mesmo tempo em que dialoga indiretamente com a fé, ela expõe a verdade de que todos precisam acessar seus demônios para extravasar os sentimentos que ferem a alma. 


Estridente e áspero. Existe um ar cínico e malévolo como um olhar à espreita, entre as rochas e as sobras, apenas observando o momento certo de agir ou, ainda, aguardando aquele que está sendo observado falhar. A forma como o lirismo se comporta durante tal cenário emana provocação misturada com uma constatação soturna e inebriante. Em sua estrutura de temática que soa como biográfica, Strange Girl dialoga sobre como uma pessoa que se comporta fora dos padrões socialmente estabelecidos é vista. Julgada, menosprezada e temida, essa mesma pessoa é privada de afeto e posta como inimiga simplesmente pelo fato de assumir a própria identidade e não fingir ser outro alguém, uma atitude que assusta muitos daqueles que possuem personalidade insegura. De certa forma, é até possível enxergar uma semelhança temática entre o que é apresentado liricamente em Strange Girl e em Good Girl, faixa de K. Flay. Ambas, a sua maneira, dialogam sobre como é se sentir um estranho no ninho. E são as diferentes visões que tornam tais músicas únicas e intrigantes.


Apesar de ter uma base explosiva, a guitarra solo surge como lágrimas sofridas e lamentosas em meio a um cenário que abraça um amanhecer dramático e melancólico. Curiosamente, a forma como os instrumentos criam sua sintonia proporciona uma sonoridade que, em meio a um caos entorpecido, favorece o desenho de uma melodia interessante e contagiante. Se mostrando como um single melódico e radiofônico ao mesmo tempo em que se apresenta como uma possível balada de Back From The Dead, Brightside é uma música que curiosamente dialoga com o sombrio, o depreciativo e o solitário ao mesmo tempo em que traz resquícios de uma falsa motivação. É inegável que esta é uma faixa de cunho emocional, pois traz um eu-lírico sofredor em sua ausência de sentimento de pertencimento e inclusão. A solidão aqui não é algo desejado, é algo criado e manejado. Como o verso final evidencia: “it's everything you wanted, but nobody likes you”, Brightside é sobre alguém que deseja profundamente ser amado, mas a ele essa vontade é friamente negada.


Precisa, e em uma repentina solidão, a bateria puxa a introdução. Seguido por uma melodia que mistura sentimentos de melancolia e alegria, mérito da dupla de guitarristas do Halestorm, o instrumento é o ingrediente que imputa inquestionável densidade no compasso rítmico. É então que um vocal de timbre mais limpo e de uma conotação de desabafo invade a cena melódica. Dramática e trazendo uma mistura de rock alternativo com metal alternativo de maneira a promover uma singela semelhança com a sonoridade do Skillet, The Steeple é uma canção cuja narrativa parece ser uma continuação do enredo da faixa-título. Afinal, enquanto na segunda o eu-lírico se vê no processo de vencer os pensamentos negativistas e depreciativos, na primeira ele recobre totalmente a consciência e a própria essência de maneira a se sentir confortável consigo mesmo e pertencente ao local que se encontra. Do campo sonoro, é visível que The Steeple possui uma estrutura mais digestiva e, portanto, mais popular do que aquela da faixa-título. Mais melódica no sentido estrito da palavra, ela possui a roupagem que agrada ao padrão radiofônico, mas sem se desvencilhar da identidade sonora do quarteto pensilvaniano.


Como o som da maré trazendo calmaria depois de uma batalha, o violão surge tranquilo e com notas acalentadoras. Em seus sonares, o instrumento consegue proporcionar ao ouvinte o sentimento de compaixão misturado com o desapontamento. Minimalista e emocional, Terrible Things desbanca Brightside e assume inegavelmente o posto de balada de Back From The Dead. Trazendo um lirismo intimista, reflexivo e socio-analítico, a faixa tem um sabor adocicado, mas entristecido como um olhar assustado pela desaprovação ou ferido ao sentir de forma mais visceral a emoção do desapontamento. Por meio da voz limpa de Lzzy, Terrible Things é uma canção que explora o cerne do indivíduo como pertencente a uma comunidade obscurecida e guiada por comportamentos indignos. Aqui, a cantora traz a pandemia como uma resposta ao errado caminho trilhado pela sociedade global, como uma tentativa desesperada do mundo superior em fazer o Planeta Terra voltar ao eixo evolutivo correto. Afinal, como a própria frontgirl do Halestorm sonha que seja uma realidade inquestionável: “but in my dreams I believe: we're not these terrible things”. Para dar um peso dramático à canção, o quarteto teve a companhia, além da guitarra acústica adicional de Scott Stevens, do escopo clássico da Nashville Music Scoring Orchestra.


A guitarra vem excessivamente grave. Assim como na faixa-título, a roupagem inicial adotada traz uma semelhança visível com as melodias do Alter Bridge, mas também traz um flerte com a estética adotada pelo Volbeat. Com linearidade marcante e precisa, My Redemption é uma canção cujo lirismo não foge do conceito do título. Afinal, aqui o enredo trata da redenção de um personagem que, entre sofrimentos, lágrimas e dores, conseguiu se desvencilhar dos pecados e das culpas e atingiu o ponto crítico de seu conflito emocional para, enfim, encontrar o caminho do propósito. Com menos intensidade que Strange Girl, mas ainda evidente, a mensagem de My Redemption traz dramaticidade e superação a partir de uma conotação biográfica, o que amplifica a visceralidade das palavras e dos versos nela contidos. 


Sons eletrônicos vindos da programação de Tiago Nunez fazem um amanhecer sutilmente sinistro. De repente, vem o estridente e o grave como se estivesse desenhando uma melodia doom metal. Marteladas em um material que exala agudez. Depois dessa conjuntura ambiente, tal enigmática melodia engata uma crescente e desemboca em um cenário intenso, explosivo e provocativo. A partir do primeiro verso, aquela sincronia de sons ambientes toma forma na evidencia de uma melodia nu metal que muito se assemelha à roupagem adotada pelo Evanescence em The Bitter Truth. É justamente nos versos que, inclusive, Josh Smith tem seu protagonismo absoluto ao imprimir um baixo de groove grave e levemente estridente como o guia da base melódica. Em tons de ironia desgostosa, o que Bombshell traz ao ouvinte é um lirismo que critica a censura sexista, o machismo e o menosprezo para com a figura feminina. Contudo, a mensagem final da canção é de empoderamento e de motivação para o não recuar. Afinal, é como o eu-lírico é descrito: “she's not fragile like a flower. She is fragile like a bomb!”.


A guitarra vem solitária à base de distorção mais aguda e em riffs pausados. Logo na segunda camada melódica, a guitarra base acompanha a embrionária rispidez com uma sonoridade mais calma e sensata. Os golpes do bumbo vêm para criar pressão em momentos propositalmente pontuais. Fluindo para uma explosão de rebeldia e posicionamento, I Come First tem um lirismo que casa com a temática de Bombshell, pois além de discutir de maneira secundária o machismo e a submissão, ele evidencia a independência, a força e, principalmente, autovalorização não só no contexto lírico do personagem, mas também da mulher. Para dar peso a tal mensagem, a canção é regida por um hard rock metalizado e surpreendentemente enérgico. 


A guitarra surge em uma distorção embriagante e em movimento hipnotizante. A guitarra base vem logo em seguida trazendo uma afinação que se contrapõe ao grave da guitarra solo enquanto Lzzy vai inserindo, com seu vocal limpo, o lirismo da canção.  Fora a dupla distorção, Psycho Crazy é uma música de base pop que trata, basicamente, da icônica frase do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau que diz: “o homem é bom, a sociedade o corrompe”. O verso “you’re the reason I am” e o resto da estrofe “I may go ballistic or better unhinged in my straightjacket on needles and pins. But don’t you forget that you started this shit” traduzem bem tal interpretação.


O piano insere notas de teores mistos de melancolia e nostalgia. Tal instrumento torna a introdução dramática e sentimental enquanto o lirismo vai sendo impresso em tom de lamento. De estrutura inteiramente minimalista calcada na dupla voz e piano, Raise Your Horns evolui para uma energia motivacional que estimula o seguir em frente, o ter esperança e, principalmente, em ser quem se é, sem esconder a verdadeira identidade. Não por acaso que a união de versos mais marcante é: “forgive every fear that convinced you to put out your light. Show every flaw every scar that this world made you hide from who you are”. Isso fortalece a mensagem de Raise Your Horns de não ter vergonha da história de vida de cada um, de não ter vergonha das cicatrizes que moldaram a essência individual. De indiscutivelmente assumir a própria personalidade.


Não há título que melhor descreva o mais recente capítulo da história do Halestorm. Back From The Dead é um disco intenso, de lirismos fortes, pessoais, intimistas e corajosos que dialogam com a fé, com o descobrimento de si mesmo, de conflitos internos. É um trabalho emotivo e dramático que descreve, em linhas biográficas, o processo de redescoberta e redenção de um indivíduo anteriormente refém do sofrimento e de inseguranças socialmente impostas.


Por isso, é de admirar a coragem de Lzzy Hale em tornar públicos muitos de seus demônios pessoais. Isso exige consciência, maturidade e entendimento profundo dos sentimentos de maneira a fazer a digestão dos mesmos um processo que favoreça a evolução do espírito.


Como os assuntos presentes em Back From The Dead são sérios e pessoais, a roupagem melódica pede explosão, pede drama, pede melancolia e pede nostalgia. Nesse processo, o Halestorm transitou por diferentes campos rítmicos como o hard rock, o metal e o metal alternativo de maneira a trazer um som propriamente intenso e que exale todos os sentimentos imersos em cada vírgula de seus 11 conteúdos líricos.


Para que isso acontecesse de maneira fluída e homogênea, o quarteto da Pensilvânia contou com a ajuda do engenheiro de mixagem Chris Lord-Alge, que proporcionou uma finalização melódica equalizada, explosiva, emocional e intensa capaz de comover o ouvinte e dialogar vividamente com os sentimentos dos próprios integrantes presentes nas letras.


Sintetizando tais elementos vem o produtor Nick Raskulinecz que, com a ajuda do co-produtor Stevens, ofereceu uma espécie de terapia para que os irmãos Hale e companhia conseguissem entender seus sentimentos e transformá-los em músicas maduras, explosivas e radiofônicas sem perder o valor emocional. 


Lançado em 06 de maio de 2022 via Atlantic Records, Back From The Dead é o visceral, a descrição mais honesta e intensa do processo de autoconhecimento de um indivíduo que duelou com seus próprios demônios e conseguiu vencê-los através da tomada de consciência de suas emoções. É a descrição tanto da fragilidade quanto da força do indivíduo que muitas vezes está escondida atrás de inseguranças socialmente cultivadas.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.