NOTA DO CRÍTICO
Seu primeiro material foi lançado nos idos de 2008. Intitulado Consolidation, o EP serviu como o anúncio oficial de Patrick Lawrence no universo musical. De lá pra cá, diversos singles foram anunciados até que, no despertar de 2024, um novo material é divulgado. Sob o título Nostalgic For Now, o produto é o primeiro EP do cantor em 16 anos.
O horizonte está no comando. A paisagem do infinito, vista do vidro do carro em uma estrada reta e vazia, configura um senso de liberdade quase excitante. Com generosas doses de frescor vindas de um violão de riff doce e sereno, a canção fornece, sem dificuldade, uma ambiência encantadoramente doce em sua essência bucólica. Não é apenas o desprendimento que extravasa da melodia introdutória. O aconchego, o consolo, a compaixão e a compreensão são outras qualidades extrassensoriais que a melodia comunica em sua máxima simplicidade até que uma voz de timbre alegremente agridoce surge preenchendo o escopo sonoro. Quando Patrick Lawrence entra em cena, Toaster Song se matura um material folk aromático em que a bateria de Rhys Zacher se firma como o elemento a entregá-la maciez e fluidez em seu ritmo gentilmente sereno. Curiosamente, a faixa traz um enredo em que o personagem, motivado por uma súbita associação entre uma torradeira e um sonho, reflete sobre suas motivações e seus objetivos de vida. Entre a necessidade por enfim adquirir um senso de pertencimento e de propósito, o indivíduo assume sua fragilidade diante do destino, mas se mostra disposto e preparado para viver os seus segredos e, a partir deles, ter as respostas que procura em relação à sua procura pela direção a ser seguida.
Seu senso de emoção é desmedidamente imediato. Delicadamente doce, sua sutileza oferece uma nostalgia de cunho romântico que, sem qualquer esforço, captura o ouvinte com sua simplicidade e educação. Cuidadosa, a melodia do violão vai, timidamente, pedindo licença para entrar no cenário, ainda que ela seja, até o momento, o único sinal de som da canção. Do lado imagético, é como o despertar sob o aroma do café recém passado em um senso de conforto e aconchego proporcionado pela chuva caindo suavemente do lado de fora. Na cozinha, um abraço maternal aguarda o personagem lírico, lhe transmitindo compaixão, carinho e afeto. De interpretação mais emocional, mas ainda assim com a mesma doçura, Lawrence é abraçado por um minimalismo estético amorosamente reconfortante que o proporciona uma justificável, mas não menos curiosa, sensação de proteção e, portanto, segurança. Forever Home se apresenta como uma carta de amor, uma declaração em que o indivíduo exorta toda a sua paixão por alguém que lhe fornece não apenas as sensações de conforto, segurança e afeto, mas também e, principalmente, é capaz de exortar um amplo senso de pertencimento. Ganhando ainda mais romantismo com a entrada do sonar flutuante de violinos, Forever Home acaba, inclusive, comunicando uma familiaridade estética com a de I Won’t Give Up, single de Jason Mraz, confirmando, assim, sua essência carinhosa e amorosa.
Com um violão regido por uma tímida sensualidade que rememora a melodia criada por Nuno Bettencourt no amanhecer de More Than Words, single do Extreme, a canção já é apresentada com um movimento rítmico macio e contagiantemente fluido. Entre sobreposições vocais que ampliam o dulçor da melodia, Half Life surpreende o ouvinte por, quando parecia se entender tudo o que a música poderia ofrecer, ela destaca uma guitarra de riff aveludado, com frescor e leve swing que funciona como filetes de luz rompendo as camadas de nuvens em uma chuva de verão. Curiosamente, Half Life parece flertar, ou, até mesmo, ser uma continuação linear de Toaster Song, afinal, ela continua apresentando um indivíduo buscando por objetivo. Um objetivo que caminha lado a lado, ainda, com a necessidade do senso de pertencimento e, também, da aquisição do pleno autoconhecimento para entender, de forma definitiva, quais são suas aspirações e motivações.
É como ver o Sol nascer além das montanhas. Observar o orvalho evaporando gradativamente e as flores exalando seus aromas conforme a natureza vai tomando um novo fôlego à vida. Como um folk adoravelmente solar, mas ainda mantendo sua essência delicada, a canção exorta um caráter perfumado, gentil e educado, enquanto transpira uma vontade densa por mudança a partir da interpretação lírica assumida por Lawrence. Se assemelhando com a estrutura melódica de Haunted By Design, single de Myles Kennedy, Empty Room tem no suave movimento do chocalho a textura que lhe confere uma cadência macia capaz de entregar e firmar a veia sonora indie folk em sua estética rítmico-melódica. Com ligeiros toques reflexivos, Empty Room traz consigo uma visão nova a respeito da separação. É um romantismo sem morbidez e, sim, repleto de respeito. É verdade que existe a culpa e um remorso ancorado no fundo do coração, mas, ainda assim, o personagem é regido por certa maturidade emocional capaz de proporcioná-lo uma noção altruísta de que o melhor para ambas as partes se sentirem bem é o rompimento.
Encantadoramente contagiante com sua mescla de folk e um embrionário misto de blues rock e southern rock, a canção, logo de início, desfila uma alegria estonteantemente contagiante em seu enigmatismo. Nesse processo, o tilintar do movimento do pandeiro entrega à canção notas de uma felicidade delicadamente atraente, enquanto a opacidade do bumbo vai desenhando o compasso rítmico. Seguindo esse conceito, a guitarra surge com uma estética solar graciosamente atraente com seu veludo bluesado presente em momentos pontuais com o intuito de ampliar a harmonia melódica. De ponte denotativamente contagiante, Joy The Journey é onde o personagem adquire um senso de gratidão pela vida percorrida até o presente momento, onde se conforma, alegre e satisfeito, com aquilo que tem e com aquilo que não tem. A faixa é o instante em que ele para de lutar contra o tempo e entende como se desvencilhar da inveja e da ganância para, enfim, aproveitar melhor o passeio que o ato de viver tem a lhe proporcionar.
A forma como a guitarra se pronuncia, com um longo suspiro ao final de cada frase sonorizada, dá passagem para rompantes de memórias e reflexões sobre o passado. Calma e delicada, ela é acompanhada por um baixo que, trazido por Nick Korzi, oferece um groove bojudo bastante tímido, mas ainda assim responsável por dar um delicado corpo à melodia da faixa. Acalentadora e reconfortante como um abraço materno em um momento de tristeza, These Are The Good Old Days é como reviver momentos de pureza, harmonia e felicidade ingenua dos tempos de criança, momento esse em que as responsabilidades para com o mundo adulto ainda pareciam distantes e a tranquilidade era o elemento que regia os dias. De caráter contagiantemente nostálgico, mas a um nível inferior àquele de Toaster Song, These Are The Good Old Days traz um indivíduo lidando com o amadurecimento e, de certa forma, se lamentando pela perda da ingenuidade. Aqui, ele dialoga, inclusive, sobre como se sente perante o peso das obrigações. Principalmente, porém, na canção o protagonista admite sentir que, conforme cresce, partes de sua essência morrem para deixá-lo adequado ao novo momento de vida, algo que o entristece e o instiga a sensação nostálgica em relação aos tempos pré-púberes.
Dizer que Nostalgic For Now é um produto extrassensorial soa fraco e insuficiente. Afinal, com seu minimalismo estético, ele chega a conquistar o ouvinte de uma maneira inegavelmente irresistível. Sua doçura, leveza, educação, gentileza e branda harmonia fazem com que seja reconfortante nos momentos de dor, representantes nos momentos de medo e motivadores nos momentos de alegria.
Inquestionavelmente autobiográfico, é de se parabenizar pela maneira com que Patrick Lawrence dissecou suas emoções não para apenas se sentir tranquilizado, mas para, talvez de maneira inconsciente, se parear com o ouvinte. Dizendo, através do som, que é um humano comum e que, portanto, também sente, ama e sofre, o australiano tomou as rédeas da coragem e tratou de decepção, de rejeição, de medo, de amadurecimento, sobre o tempo e sobre saudade.
Difícil encontrar alguém que, em um momento de desespero, não se sentiu necessitado de um abraço calmante. De uma pessoa que, em momentos de euforia, não quisesse contar a alguém suas conquistas. De um indivíduo que, em meio às dores, não quisesse um colo de compaixão para se deitar, deixar as lágrimas fluírem e se reequilibrar. Nostalgic For Now é sobre isso. É sobre esses momentos do passado em que não existia preocupação, momentos em que a ingenuidade não era um elemento passível de reprovação.
Para trazer toda essa miscelânea de emoções por meio de som e melodia, Lawrence se aliou a Zacher também para a função de engenheiro de mixagem. Por fazer parte inclusive da criação melódica, o baterista pôde entregar, na função de mixer, mais profundidade e sensibilidade. Não à toa que, com um som encantadoramente limpo, o ouvinte se deliciou com as delicadas levadas folks que, indiretamente, também transitaram entre o southern rock e o blues rock. O único ponto a salientar é que, apesar da aparente boa equalização, o som do baixo foi esmagadoramente ofuscado em relação aos sonares da bateria, violão e guitarra.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Ferlina Gurnawan, ela é banhada por diferentes tons quentes que, de primeiro momento, remetem ao Natal. Porém, a observando mais atentamente, ela confere um cenário que transcende os limites tecnológicos e passa a ser sensorialmente palpável. Trazendo um cômodo banhado por uma luminosidade pastel, ela, a partir da presença de um cachorro adormecido no sofá e do ápice da noite ilustrado pela janela, desfila um senso inegável de conforto e aconchego, qualidades que não faltam no EP.
Lançado em 17 de janeiro de 2024 de maneira independente, Nostalgic For Now é um EP de melodia delicada, educada, serena e macia. Um EP que, com a máxima generosidade, oferece compaixão, conforto e representatividade em relação aos eventos da vida que todo o indivíduo sensitivo já passou ou irá passar: o medo do crescimento, a dor do rompimento, a tristeza da rejeição. Nostalgic For Now é a forma de Patrick Lawrence extravasar sua saudade do passado, mas também dizer que está pronto para viver o que o destino lhe reserva.