NOTA DO CRÍTICO
Na ativa desde 2015, o quarteto R4vel não demorou para inserir, no mercado, um primeiro material. Intitulado Catarse, o EP de estreia surgiu logo em 2016, mas está sendo só agora, nas primeiras manhãs de 2024, que o grupo divulga seu álbum de estreia. Nomeado Impermanente, ele é o sucessor de Meu Mantra, o segundo extended play da banda.
Do chão, o vapor que dele evapora através do contato de sua superfície com as bojudas gotas de chuva exala um aroma melancólico e, consequentemente, cabisbaixo. Enquanto a guitarra de Kai Rodrigo, com seu riff agudo e uivante, lamenta e chora quase como escondido entre o veludo do lençol, uma voz surge ao longe como um eco inicialmente onipresente. É Eduardo Costa, com um timbre adocicadamente sutil, incrementando o escopo sonoro com uma delicadeza gélida até o momento em que a canção flui para um instrumental explosivo em seu sentimentalismo visceral e melodramático. Com pressão simples entregue pela levada da bateria de Jessy Alberola, a qual transita entre potências acústicas e eletrônicas, a canção exorta um sofrimento de teor avassalador que captura o ouvinte como um súbito de dor. De essência emocore com flertes de stoner e hardcore, Sete Chaves é uma canção que, apesar de seu cerne lancinante, é uma canção que fala da coragem como elemento definidor e inquestionável para atravessar as adversidades da vida. Ainda assim, a música também traz a forma como o medo faz com que o indivíduo se desvirtua do senso de empoderamento e acabe mergulhando em inseguranças e fragilidades de rosto tão sedutor que torna o retorno à superfície um caminho longo e árduo.
O toque delicado é sentido deslizando pelo seio da face adormecido. Ao abrir os olhos, contornos embaçados de uma beleza espantosa acalentam o coração em início de consciência. Assim como a visão vai se tornando nítida, também o riff da guitarra vai se tornando mais maduro em seu dulçor, enquanto um sonar imitando um beat eletrônico vai aumentando de intensidade. Quando o instrumental entra em um uníssono explosivo e de sentimentalismo intenso, junto à pronúncia lírica oferecida por Costa, Névoa comunica uma inegável influência estética da sonoridade do NX Zero. Eis então que aquela mão suave que despertou o personagem de um sono profundo lhe oferece, agora, um abraço acalentador e repleto de compaixão. Uma proteção de carinho e amor perante as tempestades internas de um indivíduo imerso em uma dor incontrolável que consome todo e qualquer resquício de sanidade através da abissal ausência de esperança e motivação.
A primeira luminosidade do dia ainda está em uma visão repleta de gama que se apresenta como a metáfora do nascimento. E como um parto, as flores, ao contato desse calor morno da manhã, começam a abrir suas pétalas e a desfilar diferentes e adoráveis aromas que enfeitiçam aqueles que por ali passam pela sua dose generosa de suavidade e frescor. Ao mesmo tempo, as gotas que ainda restaram do sereno vão evaporando em uma cadência tão sutil que qualquer superfície do jardim se mantém em um brilho vívido pelo recém-contato com a água da noite. Esse cenário é vislumbrado apenas com o auxílio da macia e aromática introdução, cujos primeiros sonares informam uma delicadeza palpável até que a melodia flui para uma estrutura rítmica em 4x4 dando à canção um desenho mais radiofônico. Como uma primeira balada de Impermanente, Flores tem, no pré-refrão, a estrutura rítmico-melódica mais marcante de sua sonoridade. Incitando a superação, a canção tem a tarefa de motivar o ouvinte a ter fé, mas uma fé não no sentido religioso e, sim, de esperança e sabedoria. Ver no novo amanhecer a oportunidade de recomeço e de novos atos é um bálsamo que a vida dá para nos fazer pôr em prática os ensinamentos adquiridos no ontem.
O riff da guitarra soa como se uma consciência conformante tomasse conta do personagem lírico. Junto ao compasso sincopado do chimbal, ela começa a definir a movimentação rítmica da canção. Entre sobreposições vocais e uma levada precisa, resquícios de um falso sotaque interiorano, Então É Isso, tal como comunicou a guitarra no despertar melódico, traz um personagem em um processo de conflito entre a conformação e a negação da assumição da realidade, da percepção de um estado sem volta. É o lidar com a perda, a perda de um amor. É a aceitação dolorida do término, de uma relação que não verá o nascimento de um novo dia.
É como o caminhar no escuro. É como sentir os pés molhados ao contato com a grama no anoitecer. O olhar pela janela um horizonte distante, intocável, de um entardecer invernoso. Enquanto as memórias são reexibidas em frente aos olhos compenetrados em uma imagem irreal e anacrônica, lágrimas escorrem gentilmente por um rosto macio, mas já dolorido pelo sofrimento incentivado pela nostalgia. Fora Do Lugar surpreende o ouvinte por ser a primeira música de Impermanente a dar destaque ao baixo de Fábio Chexx, que soa em evidência com um groove encorpado, mas ainda assim delicado, na superfície melódica. Assim como a faixa anterior, Fora Do Lugar é uma obra que trata da tristeza pelo fim do relacionamento. Fala das dores do coração incentivadas pelas falsamente agradáveis lembranças. No entanto, diferente de Então É Isso, o personagem da presente canção se encontra apenas nas tentativas de superar tal sofrimento, mas sempre se frustrando por ser menos forte que a dor. O interessante, enfim, é ver que, no final, Fora do Lugar também mostra a aquisição da autoconfiança aqui conquistada quando o protagonista pôde reviver sua própria essência.
Entre sobreposições de guitarra alegres e swingadas, a canção oferece uma paisagem surpreendentemente alegre e convidativa em sua energia calmamente solar. Novamente dando vasão ao baixo, o qual oferta uma base rítmica precisa e racional por conta de seu flerta com o stoner rock, o R4vel oferece, agora, uma ligeira mistura de seu emocore com o soft rock. Radar é, assim como Então É Isso e Fora Do Lugar, uma composição sobre a busca pela superação e conformação do rompimento de uma relação. De outro lado, porém, a faixa retrata a relação do protagonista com o julgamento da sociedade para com as suas escolhas e a forma como leva a vida, lhe gerando sentimentos mistos de frustração, incapacidade e desolamento. Se apoiar nas conquistas já alcançadas e nos planos de novas aquisições é onde o equilíbrio e o fortalecimento emocional se encontram. Portanto, não é de espantar que o personagem se apegue a isso para conseguir ignorar o sofrimento vindo de opiniões alheias.
Logo em seu despertar, a melodia já desfila um incitar de esperança contagiante. Macia e melódica em sua estrutura pop punk, Novo Ideal tem, no baixo de audição quase escondida, o elemento sonoro que insere, com protagonismo, a partir de seu groove linear, um corpo que fornece uma base sólida, mas também com ligeiros requintes de malemolência. Com sobreposições vocais misturadas entre timbres rasgados e de base timidamente gutural, Novo Ideal não é uma balada como Flores, mas, assim como ela, a faixa é, certamente, um forte single de Impermanente. E a qualidade forte aqui também é justificada pela presente canção trazer um enredo que mistura o social com o sentimental e não se ancorar em um contexto de sofrimento atroz do coração. Em Novo Ideal, portanto, o R4vel discute sobre a necessidade de adquirir o senso de pertencimento para se sentir incluído na sociedade ou em um grupo de pessoas. É aqui que o protagonista acaba duelando entre a percepção de que ser quem é é o melhor caminho para superação e a noção de que se esconder na multidão é estar negando suas fraquezas e, portanto, seu crescimento. A dor pode ser um estímulo desnecessário por causar sofrimento, mas ela é o caminho da consciência para a conquista da perseverança, disciplina e, principalmente, autoconfiança.
Ela tem um início sereno e agradavelmente contagiante. Com uma inicial estrutura alegremente indie rock, a canção fornece a Impermanente uma pausa para as explosões lascivo-sentimentais ofertadas nas músicas anteriores. Reintroduzindo uma curiosa familiaridade estética com o NX Zero e apresentando Costa com um timbre mais aberto em seu veludo quase gutural, Leal ainda traz o R4vel experimentando beats eletrônicos que misturam a sinergia do pop moderno com o trap. Como a perfeita antítese de canções como a trinca Então É Isso, Fora Do Lugar e Radar, Leal fornece o primeiro enredo verdadeiramente feliz em seu romance e paixão. Afinal, ela é uma carta de amor prometendo lealdade durante toda uma vida há muito prometida entre os dois personagens. É o ‘felizes para sempre’ que espanta todos os medos, dores e inseguranças desse personagem sofredor que permeia os enredos de Impermanente.
Apesar de seu início sereno e levemente adocicado, a canção não demora em encaminhar o ouvinte a um pop punk com influência nítida do Fall Out Boy. Contagiante em sua precisão melódica, Planar tem no verso vocálico sussurrante e quase onipresente o elemento que fica registrado no subconsciente do ouvinte e responsável por lhe fazer cantarolá-lo mesmo depois do término da canção. Planar, assim como Leal, traz o personagem do álbum em um momento amistoso. Afinal, enquanto na anterior ele finalmente consegue desfrutar do amor correspondido, aqui ele se encontra emocionalmente equilibrado com a máxima autoconfiança que lhe faz inflar a coragem e a perseverança para seguir, superado das dores e com um coração mais forte, rumo àquilo que motiva e que fornece sensos de positividade, satisfação e plenitude.
Ele fornece viagens extrassensoriais, sim, mas esse não é seu grande e principal mérito. Com Impermanente, o R4vel disseca um coração ferido, mas também busca os caminhos da autoconfiança, predestinação e pertencimento. Apesar de trazer um personagem aparentemente inseguro, os lirismos presentes no álbum representa uma ânsia comum pela sociedade moderna: ser aceito e, principalmente, amado.
Não é por menos que, ao longo de nove faixas, o protagonista do álbum entra em uma saga em busca de pertencimento, aceitação, coragem e amadurecimento associado à superação. É nesse caminho que os obstáculos da vida testam a sanidade e o equilíbrio emocional dos viajantes. Testa a sabedoria, o senso de certeza e, principalmente, põe em xeque o autoconhecimento.
Ainda que melodramático em sua visceralidade lancinante, Impermanente traz um personagem que sofre pela rejeição, sofre pelo ausência de reciprocidade emocional. Por isso, ele anseia por superar tais dores para poder enxergar no novo amanhã a oportunidade de recomeço.
Com o auxílio da mixagem de Nick Grivellas, o R4vel fez de Impermanente uma experimentação de estéticas que, fundidas, ampliaram o senso de sofrimento entorpecente que vive o protagonista lírico. Assim, o emocore se une ao, stoner rock, ao soft rock, ao pop punk, ao pop, ao trap e ao indie rock.
No entanto, é preciso salientar que a equalização do som como um todo não foi uniforme. Afinal, o som do baixo só foi possível de ser ouvido com nitidez na trinca Fora Do Lugar-Radar-Novo Ideal. Antes e depois dele, a contribuição do instrumento acaba sendo ofuscada pelo punch da guitarra e da bateria.
Encerrando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Caio Gomes, ela é regida por um degradê de tons gélidos que sai do azul e chega, no centro da imagem, em um verde entorpecido. Abraçando um redemoinho de objetos desconexos, além de uma pessoa e um gato em poses hipnóticas, a obra representa toda a confusão emocional que pode viver o coração. São as inseguranças, os medos, os desejos e a verdade secreta da ausência do autoconhecimento como prova da não-organização dos sentimentos.
Lançado em 19 de janeiro de 2024 de maneira independente, Impermanente é um álbum entorpecido em sua melodramaticidade lancinante. É aqui que o R4vel destrincha a fraqueza humana sob o viés do amor, mas onde também representa o desejo comum por, a partir do autoconhecimento, entender que a autenticidade é o começo para adquirir a autoconfiança e a coragem necessária para superar toda e qualquer adversidade da vida.